Aqueles pequenos animais que geralmente causam medo, nojo e aversão podem ser benéficos aos seres humanos. Uma pesquisa realizada por cientistas britânicos da Universidade de Nottingham revela que, possivelmente, baratas, carrapatos e outros insetos possam ser a resposta para o tratamento das temidas “superbactérias”, além de contribuírem para o equilibro do meio ambiente.
Para esclarecer o assunto, convidamos os especialistas Eduardo Fox, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ (IBCCF), e Hatisaburo Masuda, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ (IBqM), que falam sobre os mitos e verdades em relação ao mundo dos insetos.
Pesquisador do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ (IBCCF)
“A natureza é uma fonte valiosa de novos fármacos, sendo que a maioria dos remédios mais conhecidos é derivada de substâncias com atividade (antibiótica, vaso dilatadora, calmante, entre outros) descoberta muito tempo atrás. Muitos são manipulados para serem adaptados às necessidades do mercado, muitas vezes não atingindo o efeito desejado.
Neste contexto, a guerra contra os micro-organismos é de especial destaque, dada a velocidade com que as populações de germes se adaptam para continuar existindo. São necessárias novas substâncias que possam agir por vias diferentes das tradicionais, de forma que destruam linhagens ditas resistentes. A utilização de estratégias de inibição microbiana muito diversas teoricamente impossibilita o aparecimento de linhagens resistentes. Por outro lado, tais vias de inibição não podem afetar nosso organismo. Os artrópodes possuem fisiologia muito diferente da nossa e são muito bem sucedidos evolutivamente. Os insetos, de longe, são os animais mais diversos e amplamente distribuídos do nosso planeta. Recentes pesquisas em diversos campos têm revelado que o sucesso dos insetos em conquistar novos ambientes se deve à capacidade desses animais de resistir a micro-organismos patogênicos.
Estão sendo descobertas substâncias poderosas (peptídeos, ceras, alcaloides, inibidores) bactericidas e fungicidas das secreções e do sistema imune desses animais que podem servir como novos antibióticos para seres humanos.
Devido à capacidade de dispersão e reprodução e ao tamanho reduzido dos insetos, estes puderam se adaptar a quase todos ambientes terrestres do planeta. Muitos se adaptaram com sucesso aos ambientes modificados pelo homem, constituindo o que chamamos de ‘entomofauna urbana’. Obviamente que, no processo de colonização, tiveram que desenvolver mecanismos eficientes contra a infecção por micro-organismos e parasitas.
O exoesqueleto é recoberto de substâncias secretadas que tentam isolar os animais destes invasores, e seu sistema respiratório (traqueias com válvulas de fechamento e filtros) é bastante fechado. Por dentro, o trato digestor e o sistema imune, aparentemente simples, mas ainda pouco estudados, também possuem diversas adaptações contra a invasão por micróbios e parasitas. É tão eficiente que possibilita, por exemplo, baratas sobreviverem por infinitas gerações dentro das redes de esgoto. O estudo destas adaptações está nos revelando novas substâncias e maneiras de se aniquilar micróbios invasores.
O repúdio da população contra os insetos, mais forte no mundo ocidental, é meramente cultural. As pessoas detestam insetos, mas consomem mel sem se saber que é produzido pelas abelhas. Por outro lado, formigas caseiras podem ser consumidas supostamente ‘por fazerem bem para a vista’, mesmo tendo saído do banheiro e comprovadamente carrearem patógenos (inclusive bactérias super resistentes nos hospitais).
Menos de 1% das espécies conhecidas de insetos nos causam problemas relevantes (a cifra de mamíferos nocivos é bem maior). Uma aproximação do interesse da população para valorizar os insetos é necessária, sendo animais fascinantes e, como se pode ver, muito úteis. Esta é uma das linhas de pesquisa que pode tentar vencer este preconceito cultural”.
Hatisaburo Masuda
Professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ (IBqM)
“Os insetos são pela sua grande diversidade dentre os animais aqueles que, provavelmente, ocupam o maior número de nichos ecológicos no planeta. São mais de um milhão de espécies de insetos dispersos pelo planeta.
Encontram-se insetos espalhados por todo o planeta. Especialmente em ambientes úmidos, como as florestas tropicais, o meio é muito favorável ao crescimento de fungos e bactérias, mas os insetos sobrevivem muito bem, o que mostra que eles contra-atacam produzindo substâncias antimicrobianas seja contra bactérias ou fungos.
Na realidade os insetos (e outros organismos também) foram, ao longo do processo evolutivo, aprimorando suas defesas e, por conta disso, estão aqui até os dias de hoje, aqueles que não conseguiram se proteger foram extintos milhões de anos atrás. Essas defesas não se restringiram a produção de substâncias antimicrobianas, mas também contra a ação de outros predadores. Por exemplo, produzem grande quantidade de ovos e isso ajudou a sobrevivência das espécies. O próprio ovo, que sai do organismos materno, fica exposto ao meio ambiente e, portanto, também precisa de proteção.
A casca do ovo constitui excelente proteção é rígida, mas tem espaços para entrada de ar (o embrião precisa respirar), mas as entradas podem ser utilizadas para a penetração de bactérias e fungos associados aos ovos, mas os insetos sobreviveram também produzindo substâncias antimicrobianas, o que resolveu o problema.
A questão dos insetos como sendo nocivos ao homem é uma deformação cultural. É claro que existem insetos nocivos, mas a estrondosa maioria é benéfica ao homem. Por exemplo, ajudando a polinizar as plantas, e sem elas uma enorme quantidade de plantas estaria na lista de extinção.
Algumas poucas espécies de insetos como os barbeiros (doença de Chagas), mosquitos (febre amarela, dengue e malária) são responsáveis por muitos milhões de pessoas que sofrem com as doenças transmitidas por insetos, por conta disso, provavelmente os insetos adquiram a fama de serem nocivos, mas a grande maioria não o é, incluindo o grupo das baratas.
As baratas urbanas, por conviverem com o homem e viverem em locais escondidos como armários, esgotos, são capazes de transmitir micro-organismos de um lugar a outro, além de provocar nojo ou mesmo medo em algumas pessoas, mas a grande maioria delas (e são muitas as baratas), que vivem nas matas, estão em perfeito equilíbrio com a natureza e ajudam a manter as matas intactas, o homem é quem agride as matas. Mesmo as baratas urbanas, que sobrevivem nos esgotos, provavelmente produzem substâncias antimicrobianas, visto que elas proliferam muito nesses locais onde sabidamente há muitos micro-organismos”.
Fonte: Olhar Vital
Nenhum comentário:
Postar um comentário