quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A melhoria da qualidade do leite e a IN 51



Por Marcos Veiga Santos
postado em 17/05/2011

A qualidade do leite voltou à pauta de discussões da cadeia produtiva do leite. Não é por acaso. Um dos responsáveis por esse repentino interesse é a alteração dos limites de qualidade do leite cru previstos para 2011. Vale lembrar que esta redução dos limites de CCS e CBT estava prevista desde 2002, há mais de 10 anos, quando foi editada a Instrução Normativa 51/2002 do MAPA.

A IN 51/2002 previa a vigência de limites de CCS e CBT no patamar de 1.000.000 células/mL (CCS) e 1.000.000 ufc/mL (CBT) a partir de 2005, além de outras importantes exigências como o resfriamento do leite na propriedade rural e a coleta a granel a cada 48 horas. A coincidência dos valores de CCS e CBT pode ter contribuído para alguma confusão por parte do produtor, mas na época, podemos considerar que foi um avanço para a cadeia produtiva, já que até então o país não tinha limites para CCS e CBT do leite cru tipo C. A partir de julho/2008, os mesmos critérios foram reduzidos de forma idêntica para 750.000 (cel./mL e ufc/mL) e finalmente, em 2011 haverá (ou haveria?) a redução para 100.000 ufc/mL e 400.000 cel./mL, para CBT e CCS.

Não é exagero afirmar que o tema de qualidade do leite está longe de ser uma unanimidade dentro da cadeia produtiva. O que poderia ser uma situação de convergência entre produtores, indústria processadora e consumidores, reflete os vários conflitos de interesse dentro de um setor em fase de consolidação.

Uma importante pergunta a ser respondida pelo setor produtivo é: a) qual a demanda atual de qualidade por parte do consumidor? b) o que as empresas e produtores podem ganhar com a melhoria da qualidade?

Do lado do consumidor não se nota grande capacidade de diferenciação em relação à qualidade. Para a maioria dos consumidores, com pouco conhecimento sobre os processos produtivos, os principais critérios são a segurança (ausência de resíduos de antibióticos e inocuidade em relação à transmissão de doenças), sabor agradável e razoável vida de prateleira. É ainda muito incipiente, mas crescente, grupos de consumidores preocupados com os atributos de composição, efeitos benéficos sobre a saúde, respeito ao ambiente e bem-estar animal. Sendo assim, considerando o baixo grau de exigência do consumidor, pois para muitos o leite e derivados é quase uma commodity, cabe ao pode público, em particular a inspeção oficial, determinar os padrões mínimos aceitáveis de qualidade e segurança.

Entre os produtores e a indústria processadora existem visões divergentes sobre a qualidade. Os produtores reclamam que a produção de leite de qualidade gera maiores custos, o que somente seria rentável se o leite for pago por qualidade, o que ainda não ocorre de forma disseminada na cadeia produtiva. As empresas, por sua vez, alegam que grande parte dos produtores não atendem aos critérios mínimos de qualidade e dada a concorrência acirrada pela captação de leite, se um determinado laticínio tornar mais rígidos os padrões de qualidade, alguns produtores simplesmente mudariam para um laticínio de menor exigência.

Considerando o histórico de avaliação da qualidade do leite no Brasil, é forçoso reconhecer que, a despeito de muitos esforços isolados, não houve melhoria substancial das médias de CCS e CBT durante os últimos cinco anos. Em 2007, cerca de 10 e 25% de produtores analisados não atendiam aos padrões de 1.000.000 de CCS e CBT, respectivamente. Em 2009, em um grande levantamento feito pela RBQL (Rede Brasileira de laboratórios de Qualidade do Leite) em quase 1,7 milhão de análises, aproximadamente 21 e 42% das amostras analisadas não atendiam o padrão 750.000 de CCS e CBT, respectivamente. É fácil concluir que com a redução do limite de CCS e CBT em julho/11 esse percentual de não conformidade tende a aumento. Com base nestes números, a qualidade parece não ter sido encarada como questão estratégica para uma parcela significativa da cadeia produtiva.

A alteração dos limites de CCS e CBT, prevista para julho/2011, é vista diferentemente por dois grupos de opiniões: os que propõe adiar os prazos e/ou não reduzir os limites de CCS e CBT e os que torcem para a aplicação dos novos padrões de exigência. As razões alegadas pelo primeiro grupo, que incluem empresas e parte das entidades de classe dos produtores, são de que a redução dos limites traria grandes dificuldade de atendimento aos novos padrões, e consequentemente resultaria em instabilidade ao setor produtivo e potencial exclusão de produtores. Do outro lado, muitos técnicos, laticínios e produtores enxergam que a mudança ou adiamento dos novos padrões geraria total descrédito da IN 51 e desestimularia os produtores e empresas que fizeram a lição de casa, os quais são hoje a maioria dos produtores. Em outras palavras, uma mudança neste momento traria benefícios justamente aos que não implantaram programas e medidas de controle durante o período de implantação da IN 51.

Acredito que a alteração da data (postergar) ou a não redução dos limites previstos seja uma discussão secundária dentro da atual realidade, pois embute a crença de que tais medidas podem minimizar os atuais problemas de qualidade e permitir mais tempo para que os produtores e empresas possam atuar para reduzir as não-conformidades. Entendo que esta visão de postergar prazos não resolve os problemas, pois a atual legislação de qualidade foi editada em 2002 (IN 51/2002) e previa uma carência de 3 anos para início da vigência efetiva de padrões mínimos de qualidade somente a partir de 2005. Além disso, uma parte das empresas e produtores que investiu em treinamento, melhoria de procedimentos e valorização da qualidade, já trabalha com mais de 90% do leite atendendo as novas exigências de CBT, o que somente está previsto para entrar em vigor a partir de julho/2011.

Desta forma, somente postergar sem um plano de ação para atacar os problemas principais da qualidade do leite, significaria empurrar o problema para frente, deixando de buscar as origens: falta de capacitação do produtor, ausência de pagamento por qualidade, indefinição sobre aplicação da legislação, deficiências de infra-estrutura (estradas, eletrificação, equipamentos) e falta de assistência técnica. Esta postura não produz perspectivas de avanços. Além disso, é de se destacar que mesmo com os atuais limites de CCS e CBT (supondo que não haja alteração dos padrões de qualidade da IN 51), cerca de 40% das amostras não atendem os limites máximos para CCS e CBT. Sendo assim, a ideia de prorrogar prazos não traz perspectivas de melhoria da qualidade para uma parcela significativa do leite que atualmente tem qualidade deficiente. Em um estudo recente (Diagnóstico da Cadeia Produtiva do leite de Goiás - FAEG), os produtores indicaram que a melhoria da qualidade do leite tem como pré-requisito básico uma boa assistência técnica, pagamento por qualidade e oferta de financiamentos. Não se menciona, por desconhecimento ou falta de importância, a influência da legislação.

A experiência internacional, de cooperativas e grande empresas que implantaram sistemas de valorização da qualidade (pagamento por qualidade) no Brasil, desde 2005, indica que os produtores respondem de forma imediata aos incentivos de bonificação e penalização com base na qualidade do leite. Deve-se lembrar de que tais programas devem ter como princípios a transparência das análises (realizadas em laboratório oficial), recebimento de extratos mensais de qualidade do leite, possibilidade de acesso a assistência técnica. A lógica do pagamento por qualidade é estimular via bonificação sobre um preço base o produtor de leite de alta qualidade, assim como penalizar o leite de qualidade inferior. É um princípio simples: pagar mais por uma matéria prima de maior valor e potencial de lucratividade para empresa. Tais programas já foram implantados com sucesso em outros países desde a década de 1980e 1990, contudo não houve ampla difusão entre as empresas, cooperativas e laticínios brasileiros, com apenas poucos exemplos de sucesso.

Outro limitante para a melhoria da qualidade do leite e que tem sido pouco abordado é a necessidade de assistência técnica. Dada a complexidade dos sistemas de produção e a farta oferta de tecnologias, é necessário que o produtor tenha auxílio técnico para a tomada de decisões em relação ao manejo de ordenha, controle de mastite, limpeza de equipamentos, entre outros. Muitas vezes encontramos situações nas quais o produtor usa tecnologias sem qualquer comprovação técnico-científica, por desconhecimento ou falta de assistência técnica competente. É de se destacar que grande parte dos atuais programas de fomento a produção de leite (Balde Cheio, Educampo, Cati Leite) tem como fundamento básico a necessidade de assistência técnica. É chegada a hora de incluir a qualidade do leite dentro deste contexto produtivo. Temos atualmente um conjunto de tecnologias disponíveis e a baixo custo para produzir leite de alta qualidade, mesmo para pequenos produtores com ordenha manual.

Voltando a IN 51, temos que usar o atual momento de discussão em torno da mudança dos padrões da IN 51 como oportunidade de encontrar soluções mais definitivas para problemas crônicos de qualidade e apontar as possíveis estratégias de ação capazes de abrir oportunidade de melhoria da qualidade. Devemos usar a oportunidade para buscar possíveis soluções para reduzir a zero os atuais problemas de não-conformidades de CCS e CBT (e de composição) e caminhos para implantar sistemas de valorização da qualidade, pois não temos como exigi-la com sistemas de pagamento que não diferenciam o produtor em função da qualidade diferente.

Fonte: SANTOS, M. V. A melhoria da qualidade do leite e a IN 51. Inforleite, São Paulo-SP, abril/2011.

http://www.milkpoint.com.br/artigos-tecnicos/qualidade-do-leite/a-melhoria-da-qualidade-do-leite-e-a-in-51-71764n.aspx

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