A leishmaniose visceral, considerada pela Organização Mundial de Saúde uma das seis maiores epidemias de origem parasitária do mundo – presente em 12 países da América Latina, com 90% dos casos registrados no Brasil – conta agora com uma forma de controle reconhecida. A vacina brasileira Leishmune, que impede os cães de contraírem e transmitirem a doença para humanos, acaba de receber permissão definitiva para comercialização.
A vacina, lançada em 2003 pela empresa Fort Dodge, já era usada por veterinários por meio de uma licença provisória e, agora, recebeu o aval definitivo do Ministério da Agricultura, tornando-se a primeira registrada contra a leishmaniose visceral canina do mundo.
A injeção não protege humanos, mas é eficaz para controlar a expansão da doença porque o cão é o principal reservatório do protozoário causador da leishmaniose, o Leishmania chagasi. O homem só se infecta ao ser picado por um mosquito birigui que tenha contraído o parasita ao picar um animal doente.
Testes feitos entre 2004 e 2006 em Belo Horizonte, Minas Gerais, e Araçatuba, São Paulo, demonstraram que houve redução de até 60% da incidência da doença em humanos depois da vacinação massiva de cães na região.
“Quanto maior for a quantidade de cães vacinados em uma área endêmica, mais difícil será a transmissão da doença”, afirma a pesquisadora responsável pela criação da Leishmune, a microbióloga Clarisa Palatnik, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Quando o inseto pica o cão vacinado, os anticorpos presentes no seu sangue por causa da vacina se alojam em seu organismo e esses anticorpos impedem que o parasita da leishmaniose complete o seu ciclo de vida”, explica Palatinik.
Fim dos sacrifícios
No Brasil, o tratamento para a leishmaniose canina é proibido e qualquer cão que contraia a doença tem que ser sacrificado, pois os tratamentos existentes não são 100% eficazes e deixam o animal infectante por alguns períodos, o que representa um risco para os humanos. Com a vacina, o risco do sacrifício cai quase a zero.
Apesar de já estar pronta e liberada para o uso por veterinários, Palatinik diz que ainda não recebeu proposta do governo ou da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para fornecer doses para campanhas de vacinação.
A pesquisadora, que levou 23 anos para chegar à Leishmune, agora estuda uma forma de facilitar a sua produção. A vacina disponível no mercado usa uma proteína não infectante inteira do parasita para induzir a resposta do sistema imunológico. Palatinik trabalha para desenvolver uma vacina gênica, que use uma menor porção da proteína, de modo a tornar a produção em larga escala mais viável.
O estudo da vacina canina também pode ajudar a obter informações relevantes para o desenvolvimento de uma para humanos. “O ideal seria termos as duas vacinas, para humanos e para cães, mas temos que esperar ainda por resultados mais consistentes nos cães para passarmos para testes com humanos”, pontua Palatinik.
A pesquisadora afirma que os estudos para desenvolver uma vacina para humanos ainda são muito iniciais, mas avisa que duas empresas já a procuraram para aperfeiçoar a pesquisa com a vacina para cães e financiar estudos com vacinas para humanos.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line
http://www.microbiologia.ufrj.br/informativo/micromundo/250-vacina-brasileira-contra-a-leishmaniose-visceral-em-caes-ganha-licenca-permanente
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