Há uns dois ou três anos eu estava no
interior do interior da Índia, o que é interior toda vida. Percorria pequenas
aldeias perdidas numa região árida, que luta, entre outros problemas, com uma
séria escassez de água. Num vilarejo paupérrimo de meia dúzia de casas vi,
debaixo de uma árvore, umas dez crianças, sentadinhas em círculo em torno
de uma moça pouco mais velha do que elas. Eram, me explicou o motorista, uma
professora e seus alunos.
Não havia nada ali que indicasse que
uma aula estava em curso. Nem livros, nem cadernos, nem quadro negro. O único
material didático era a terra, na qual a professora escrevia com um graveto as
letras que as crianças copiavam.
Contando assim, a cena parece
infinitamente triste; mas o que se percebia, na realidade, era uma grande
sensação de alegria. As crianças riam e interagiam com a maior empolgação com a
professora. Estavam contentes em estar lá, e em estar fazendo o que faziam. Não
faço idéia do quanto a professora sabia, mas não tenho dúvida da sua capacidade
de transmitir aos alunos o seu conhecimento.
Num outro extremo, já vi salas de
aula muito bem montadas, equipadas com computadores de última geração, em que a
sensação primordial era o tédio.
Lembrei-me disso durante o Conecta,
seminário realizado nos últimos dias 21 e 22, que discutiu as novas tecnologias
e o papel do professor em sala de aula. Tive a sorte de mediar uma mesa redonda
com José Pacheco, notável mestre português que tem uma visão singular e
revolucionária da escola. E guardei uma frase que ele disse: o que acontece de
mais importante numa sala de aula é a relação entre o professor e os alunos.
Entre aquela professorinha indiana e seus alunos havia uma relação intensa. Ela
certamente transmitiu a eles o maior ensinamento que um professor pode passar às
crianças, que é o gosto pelo estudo, a vontade de aprender.
Este é um ponto que, a meu ver, não
está sendo suficientemente levado a sério nas discussões sobre educação.
Fala-se muito em equipar escolas, alunos e professores com tablets e com
computadores, como se a tecnologia, sozinha, pudesse resolver alguma coisa.
Gastam-se rios de dinheiro em equipamentos que, antes mesmo de sair das
fábricas, já estão obsoletos; e gasta-se nada, ou algo perto disso, com a
formação do professor. Mas desde que o mundo é mundo alunos precisam mais de
professores do que de equipamentos, e assim continuará a ser.
Há quem fale em educação à distância
como se fosse algo revolucionário. É e não é. É porque permite trazer para
perto do aluno um professor que pode, eventualmente, estar do outro lado do
mundo; não é porque, ainda que esteja na tela, o professor continua a cumprir o
seu papel de ensinar. Dito isso, vale lembrar que computadores, tablets e
celulares não são nem supérfluos nem luxos. Eles são parte integrante das nossas
vidas e podem ser — devem ser — aliados fundamentais na educação.
o O o
Não adianta mandar computadores para
escolas onde o que as crianças mais precisam é de merenda. Também não adianta
montar laboratórios de tecnologia muito bem equipados e mantê-los fechados,
como tantas vezes acontece. Como as bibliotecas escolares, eles devem ser
mantidos abertos e os alunos devem se sentir bem recebidos ao frequentá-los.
o O o
Escolas não são ilhas isoladas da
comunidade ou da realidade dos seus alunos. Tive que aprender de cor os nomes
de todos os afluentes das margens esquerda e direita do Solimões, uma perda de
tempo absurda para uma criança urbana que, mesmo quando cresceu e foi à
Amazônia, nunca precisou deste conhecimento para nada. Melhor teria sido aprender
os “afluentes” das Avenidas Rio Branco e Copacabana, conhecimento essencial
para quem vive neste outro Rio.
(O Globo, Economia,
24.11.2012)
http://cronai.wordpress.com/2012/11/24/educacao-e-tecnologia/
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