domingo, 23 de junho de 2013

Surto de língua azul, doença rara no Brasil, vitima rebanho de 99 ovinos em Vassouras (RJ) e gera prejuízos

Divulgação/Sxc
Foto: Divulgação/Sxc
Veterinário alerta que risco de a doença se alastrar no Estado do Rio de Janeiro é grande

Enfermidade infecciosa, transmitida por um vírus através do mosquito-pólvora, matou seis animais. Ainda não há vacina contra a doença no país

Um rebanho com 99 ovinos leiteiros (ovelhas e carneiros) da raça lacaune foi vitimado pela língua azul, uma doença incomum no Brasil. O surto ocorreu em uma propriedade rural na cidade de Vassouras, no interior do Estado do Rio de Janeiro, e o diagnóstico foi feito por médicos veterinários da Universidade Federal Fluminense (UFF). O caso foi comunicado neste mês à Coordenadoria de Defesa Animal, da Secretaria Estadual de Agricultura e Pecuária, e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Quatro ovelhas gestantes morreram e outras seis ficaram gravemente doentes. Dentre as fêmeas não prenhas, 37 adoeceram e estão em processo de recuperação. Dezesseis cordeiros do sexo masculino ficaram doentes e dois morreram.  


A enfermidade infecciosa é provocada pelo Vírus da Língua Azul (VLA), da família Reoviridae e do gêneroOrbivirus, que conta com 26 diferentes sorotipos espalhados ao redor do mundo. A doença atinge principalmente camelídeos e ruminantes, dentre estes os bovinos e os ovinos, esta última espécie mais sensível ao VLA. 

A língua azul causa grandes perdas econômicas para os pecuaristas em todo o mundo. Nos Estados Unidos, calcula-se que as perdas estejam estimadas em torno de US$ 3 bilhões por ano. O agente transmissor do vírus é o díptero hematófago do gênero Culicoides sp, conhecido popularmente como maruim ou mosquito-pólvora. A transmissão ocorre por meio da picada do mosquito, o que torna grande a possibilidade de a doença se espalhar rapidamente.

De acordo com o pesquisador do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Caprinos e Ovinos (Gepeco) da UFF, Mário Balaro, e um dos médicos veterinários responsável pelo diagnóstico, foi constatada a presença do sorotipo 4 do VLA no sangue dos animais. A grande preocupação é que há outro polo de produção de leite de ovelha em Miguel Pereira, cidade que fica a menos de 20 quilômetros de Vassouras. O risco da doença se alastrar é grande, inclusive por todo o Estado do Rio de Janeiro. Balaro diz ser necessária a adoção de procedimentos para controle epidemiológico, os quais são inexistentes no Brasil por ser a língua azul uma doença pouco conhecida e até mesmo considerada rara.
Os pesquisadores da UFF acreditam que a doença é endêmica no país e que não tem sido diagnosticada corretamente, já que os sintomas clínicos podem ser confundidos com o de outras enfermidades. Houve três casos anteriores registrados, em 1980, 2001 e 2009, sem, entretanto, ser adotada qualquer providência por parte do governo brasileiro. 

Devido à inexistência de um programa de prevenção no Brasil, Balaro preparou uma sugestão de plano de controle para a língua azul, adaptado a partir de informações coletadas com especialistas da Inglaterra, Israel, Espanha, Austrália e África do Sul. O Gepeco-UFF apresentou o plano à Coordenadoria de Defesa Animal do Estado do Rio e a proposta está sob análise. Ainda não se sabe se a Secretaria Estadual de Agricultura e Pecuária a adotará como política pública. Já o Ministério da Agricultura deixará a cargo do governo estadual a decisão sobre a legislação e critérios empregados para a contenção da doença.
Embora o gado bovino dificilmente desenvolva sinais clínicos, os bois e vacas são também hospedeiros do VLA e o vírus pode permanecer no organismo desses animais por até quatro meses, bastando o mosquito-pólvora picar o animal para disseminar a doença. Mário Balaro afirma que, por isso, o grande foco para a contenção da doença são os bovinos, que, assim como os ovinos infectados, precisam de tratamento, se submeterem à sorologia periodicamente e ficarem em isolamento. Nesse período, os produtores devem ficar impedidos de vender e transportar os animais e de comercializar sua carne, leite, sêmen e derivados sanguíneos até que a sorologia apresente resultado negativo
Na Europa e nos Estados Unidos, locais onde a língua azul já causou grandes estragos, existe a vacinação contra a doença, feita a partir de vírus inativado. Todos os cordeiros e bezerros com mais de 3 meses de idade e os animais adultos que apresentam viremia negativa são vacinados. Além disso, são exigidos exames laboratoriais para a compra e venda de bovinos e ovinos ser liberada. Os animais só podem ser transportados de um local para o outro se for atestada ausência do VLA no sangue. 

– Muitas vezes, quando o animal chega a seu destino, é novamente realizado o exame, pois o vírus poderia estar em um curto período de incubação, o que faria o resultado anterior apresentar um falso negativo – elucida Mário Balaro. No Brasil, tais exigências não existem.
Vacina não é produzida no Brasil

O professor de Medicina Veterinária e coordenador do Gepeco, Felipe Zandonadi Brandão, alega que a vacina contra o VLA não é produzida no Brasil, nem há autorização para a comercialização.

– Uma das ajudas que o Ministério da Agricultura pode dar é autorizar a importação e a comercialização da vacina no Brasil. O grande problema é que não temos médicos veterinários capacitados para realizar o diagnóstico da doença – completa. Brandão esclarece que a língua azul não figura entre as doenças listadas para os médicos veterinários encontrarem em campo no Brasil e não costuma ser ensinada nas faculdades brasileiras. Por isso, a importância da adoção de um plano de controle e de uma política de prevenção não apenas em nível estadual, mas também nacional.
Felipe Brandão explica que a doença não é uma zoonose e não há, portanto, risco de transmissão para os seres humanos. O problema é a redução drástica na produção de leite nas ovelhas, o pouco crescimento e engorda dos cordeiros, além da morte dos animais, que causa grande prejuízo financeiro para os produtores. 

Sintomas

O nome língua azul foi atribuído por causa de um sinal característico nos animais adoentados, embora raramente se manifeste: a língua apresenta inchaço e torna-se cianótica, de coloração azulada. Outros sintomas que se manifestam são febre alta (entre 41 e 42 graus), lesões nos lábios, salivação e secreção nasal excessivas, vermelhidão (hiperemia) na pele, face inchada e perda de apetite. Em médio prazo, o animal apresenta claudicação e coluna arqueada, e começa a mancar, por causa da dor e da inflamação na coroa do casco. As grandes causas de morte são os edemas pulmonares provocados pela replicação do vírus e as pneumonias bacterianas secundárias.

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

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