quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Tecnologia 3D ajuda a entender doença equina fatal

Pesquisadores analisam a estrutura dos neurônios do intestino de cavalos Paint Horse usando recurso tridimensional inédito (LSSCA)
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URL: agencia.fapesp.br/17679
Por Noêmia Lopes
Agência FAPESP – A aganglionose íleo-colônica é uma doença genética que afeta os movimentos peristálticos e a absorção de nutrientes no intestino de cavalos Paint Horse, raça de importante valor comercial para criadores. A doença é fatal e mata 100% dos animais logo nos primeiros dias de vida. Um mal semelhante, chamado doença de Hirschsprung, ocorre em humanos – sob uma forma mais branda, tratável e que atinge uma em cada 5 mil crianças.
A origem dos dois problemas está na deficiência ou na ausência da migração das células da crista neural – células do sistema nervoso central que viajam pelo corpo dos embriões para formar os neurônios do sistema nervoso periférico, inclusive os do intestino (onde compõem o chamado sistema nervoso entérico).
Em artigo publicado pela revista Cells Tissues Organs, em 25 de julho, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu relatam a análise em três dimensões dos neurônios entéricos de cavalos, obtidos a partir do íleo (porção do intestino delgado mais acometida pela aganglionose em equinos).
“A análise dos neurônios entéricos de cavalos por meio de estereologia 3D – ciência que, no nosso caso, remete ao estudo e à quantificação de partículas biológicas, os neurônios, em três dimensões – é uma importante conquista para a neurociência. Não encontramos nada semelhante na literatura nacional e internacional”, disse o professor Antonio Augusto Coppi, coordenador da pesquisa e responsável pelo Laboratório de Estereologia Estocástica e Anatomia Química (LSSCA) do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP.
Até recentemente, os neurônios entéricos eram estudados somente por meio de métodos bidimensionais, baseados apenas no contorno, na área e no diâmetro dessas células, o que resultava em estimativas imprecisas em termos de número total e tamanho.
“A microscopia quantitativa em 3D, empregada por meio da estereologia, permite cálculos mais acurados sobre o número total, a superfície e o tamanho real das células. Com isso, compreendemos melhor os efeitos estruturais que a doença tem sobre tais células, o que pode viabilizar futuros tratamentos genéticos para cavalos e avanços nos esquemas terapêuticos usados para tratar a doença de Hirschsprung em humanos”, disse Coppi.
Dez potros machos – sendo cinco saudáveis e cinco com aganglionose íleo-colônica – passaram por exames de sangue (para confirmar geneticamente a presença da doença) e clínicos (para avaliar se conseguiam ou não defecar, se estavam prostrados ou ativos, entre outros aspectos). Após sete dias, os animais foram eutanasiados de acordo com a legislação vigente e os pesquisadores fizeram a retirada de seus íleos.
Utilizando um software 3D específico instalado em um microscópio adaptado para o registro da posição das células no eixo z (ou seja, na profundidade do tecido), a equipe fez a amostragem espacial tridimensional dos neurônios presentes no íleo dos animais, o que envolveu medições de comprimento, largura e profundidade, além de estimativas de volume, superfície e número total. “É como olhar o mar da superfície para o fundo e observar cardumes de peixes com tamanhos e formas variadas, em diferentes profundidades”, comparou Coppi.
Embora torne o processo mais ágil, o software, de alto custo, não é imprescindível. De acordo com o pesquisador, “é possível fazer estereologia 3D gerando planos físicos sequenciais. Ou seja, trabalhando primeiramente com as áreas de um plano A, depois com as de um plano B, estimando a distância entre os dois (gerando profundidades) e, assim, obtendo volumes”.
Segundo Coppi, há pesquisadores que trabalham com microscopia quantitativa bidimensional por considerar que os neurônios do intestino estão dispostos em uma única camada de células. A visão dele é diferente, acreditando que os neurônios entéricos se organizam em mais de uma camada.  "Encontramos de duas a três camadas de neurônios entéricos no presente estudo”, afirmou.
Quantidade e tamanho dos neurônios
No tubo gastrointestinal, existem dois tipos de células nervosas. Os neurônios mientéricos ficam espalhados na camada muscular do íleo e coordenam os movimentos peristálticos ao longo de toda a extensão desse tubo. Já os neurônios submucosos localizam-se na camada submucosa do órgão e são responsáveis pelo controle da secreção gastrointestinal, pelo fluxo sanguíneo local e pela absorção de nutrientes.
No íleo dos animais doentes, os pesquisadores observaram que o número de neurônios mientéricos teve redução de 99% – como a redução não foi total, eles propõem que a nomenclatura seja mudada para hipoganglionose (em que “hipo” remete à diminuição e não à ausência de neurônios) para esse quadro específico da doença. Os neurônios remanescentes (1%) foram reduzidos em mais da metade de seu tamanho (63,8%), o que caracteriza uma atrofia severa e os impossibilita de cumprir suas funções.
A diminuição drástica dos neurônios mientéricos e a atrofia das células remanescentes desencadeiam cerca de uma semana de diarreias e desidratação, seguida da interrupção dos movimentos peristálticos e do funcionamento do intestino. As toxinas se acumulam, caem na corrente sanguínea e o animal morre. Os medicamentos são ineficazes, uma vez que agem estimulando esses neurônios – praticamente inexistentes ou inoperantes em cenários assim.
Já os neurônios submucosos estavam completamente ausentes no íleo dos cavalos doentes, o que dificulta a absorção de colostro (leite) da mãe e faz o potro ficar desnutrido, contribuindo também com a morte no animal.
“Graças à tecnologia da estereologia 3D, agora conhecemos detalhadamente a estrutura espacial das células nervosas do intestino e sabemos como elas se organizam dentro do órgão. Acreditamos que, no futuro, esses dados poderão viabilizar terapias gênicas, entre outros esquemas terapêuticos, para tratar a doença nos cavalos e criar novas formas de lidar com a doença de Hirschsprung em humanos”, afirmou Coppi.
Os resultados foram obtidos a partir de Auxílio à Pesquisa e de uma bolsa da FAPESP.
“Daremos continuidade a esse projeto. Isso porque, além do íleo, retiramos outras porções do intestino dos potros, ainda em fase de análise”, disse Coppi. Além dele, integraram pesquisa a doutoranda Aliny Ladd e os doutores Fernando Ladd e Andrea Almeida, do LSSCA/USP; os professores Carla Belli, Luis Cláudio da Silva e André de Zoppa, da FMVZ/USP; e o professor Alexandre Borges, da FMVZ/Unesp de Botucatu.
Mais informações: www.lssca.fmvz.usp.brguto@usp.br e pelo Facebook do LSSCA

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