Autoria de Rafael Grassi Pinto Ferreira, em 14/08/2013
Advogado analisa Instrução Normativa nº 30/2013 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que trata dos novos procedimentos para registro de queijos artesanais tradicionalmente produzidos a partir de leite cru. Neste artigo, ele mostra por que não houve tantas novidades em relação à instrução anterior. Foi publicada, no dia 8, a Instrução Normativa Nº 30, de 7 de agosto de 2013, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Na cerimônia de assinatura, ministros, governador e outras autoridades entoaram discursos de liberdade: enfim, o queijo minas artesanal será produzido e vendido sem as autoritárias e descabidas restrições que até agora imperaram.
Será? Não quero ser pessimista, mas, muito recentemente, assistimos à igual filme. Foi em dezembro de 2011, quando o MAPA publicou a Instrução Normativa 57/2011, e que aparentemente viera em atendimento aos apelos dos produtores de Queijo Minas Artesanal. Também houve festa e a imprensa publicou manchetes otimistas.
Contudo, não demorou muito para que todos percebessem que a nova norma só complicou a situação dos produtores artesanais e ficou evidente a falta de conhecimento dos legisladores quanto às questões de segurança alimentar. Eles se prenderam ao prazo de maturação e ignoraram estudos acadêmicos que comprovam que a segurança do processo não depende primordialmente do prazo de maturação: se o queijo estiver contaminado não serão os longos 60 dias de maturação que irão eliminar a contaminação. Por outro lado, quando o queijo é produzido de forma a eliminar toda possibilidade de contaminação é até desnecessário que seja maturado.
Muito mais adequadas e inteligentes são as normas do Instituto Mineiro de Agropecuária - IMA (com destaque para Portaria nº 523/2002) - que estabelecem boas práticas de fabricação do queijo minas artesanal, de forma equilibrada com as tradições centenárias.
E, agora, quais novidades foram generosamente outorgadas pelos senhores das leis? Algumas poucas e boas, não há como negar. Só a elogiar. E em resumo coloco-as no quadro comparativo abaixo:
COMO ERA: IN 57/2011
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COMO FICOU: IN 30/2013
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Observações
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Permite que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não compromete a qualidade e a inocuidade do produto.
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Permite que os queijos artesanais tradicionalmente elaborados a partir de leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem que a redução do período de maturação não compromete a qualidade e a inocuidade do produto.
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- Nada mudou.
A regra geral continua sendo o período de maturação de 60 dias, com possibilidade de redução a partir do cumprimento de uma série de requisitos.
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A definição de novo período de maturação dos queijos artesanais será realizada por ato
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A definição de novo período de maturação dos queijos artesanais será realizada após a avaliação dos estudos pelo órgão estadual e/ou municipal de inspeção industrial e sanitária reconhecidos pelo Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal- SISBI/POA.
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- Melhorou.Somente o MAPA poderia autorizar a redução do período de maturação. Agora, órgãos municipais e estaduais, reconhecidos pelo MAPA, também podem.
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Para efeito de comércio internacional deverão ser atendidos os requisitos sanitários específicos do país importador.
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Para efeito de comércio internacional deverão ser atendidos os requisitos sanitários específicos do país importador.
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- Nada mudou.
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A produção com período de maturação inferior a 60 dias fica restrita à queijaria situada em região de indicação geográfica certificada ou tradicionalmente reconhecida.
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A produção com período de maturação inferior a 60 dias fica restrita à queijaria situada em região de indicação geográfica registrada ou tradicionalmente reconhecida.
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- Nada mudou.
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A propriedade deve ser certificada como livre de tuberculose e brucelose.
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A propriedade deve ser certificada como livre de tuberculose e brucelose, de acordo com o disposto no
Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT), ou controladas para brucelose e tuberculose pelo Órgão Estadual de Defesa Sanitária Animal, no prazo de até 3 anos a partir da publicação desta IN.
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- Pouco mudou.
Apenas explica como o produtor deverá comprovar que a propriedade está livre da tuberculose e brucelose.
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As propriedades rurais devem descrever e implementar:
I - Programa de Controle de Mastite com a realização de exames para detecção de mastite clínica e subclínica, incluindo uma análisemensal do leite da propriedade em laboratório da Rede Brasileira da Qualidade do Leite - RBQL - para composição centesimal, Contagem de Células Somáticas e Contagem Bacteriana Total - CBT;
II - Programa de Boas Práticas de Ordenha e de Fabricação, incluindo o controle dos operadores, controle de pragas e transporte adequado do produto até o entreposto; e
III - cloração e controle de potabilidade da água utilizada nas atividades.
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As propriedades rurais devem descrever e implementar:
I - Programa de Controle de Mastite com a realização de exames para detecção de mastite clínica e subclínica, incluindo análise do leite da propriedade em laboratório da Rede Brasileira da Qualidade do Leite - RBQL para composição centesimal, Contagem de Células Somáticas e Contagem Bacteriana Total - CBT;
II - Programa de Boas Práticas de Ordenha e de Fabricação, incluindo o controle dos operadores, controle de pragas e transporte adequado do produto até o entreposto; e
III - cloração e controle de potabilidade da água utilizada nas atividades.
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- Pouco mudou.
Apenas excluiu a periodicidade mensal da análise do leite.
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Como demonstrado no quadro, pouca coisa mudou. Os avanços normativos se limitaram a reduzir os prejuízos decorrentes da fixação do prazo ilegal de 60 dias para maturação do queijo produzido a partir do leite cru, como é o caso do queijo minas artesanal.
Conforme já abordado no trabalho As Leis do Queijo, publicado no siteSlow Food Brasil (http://www.slowfoodbrasil.com/textos/queijos-artesanais/619-as-leis-do-queijo), o prazo legal para maturação é de, no mínimo, 10 dias e está previsto no artigo 928, § 6º, do Decreto Presidencial Nº 30.691/1952, com a redação dada pelo Decreto Nº 1.255/1962;
A recém-publicada IN 30/2013 - por questão de lógica, hierarquia legislativa e respeito aos comandos constitucionais - não pode se sobrepor ao Decreto Presidencial Nº 30.691/1952. Portanto, ela não pode estabelecer prazo de maturação do queijo minas artesanal superior a 10 dias. Assim, a ilegalidade continua, porque a IN 30/2013 repetiu o mesmo erro da IN 57/2011.
A IN 30/2013, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, apresenta legalidade meramente formal, ou aparência de legalidade, por ser ato praticado pela administração pública responsável por zelar pela saúde alimentar. Diante do insanável vício de contrariar a norma à qual deveria dar execução, ela não tem eficácia plena e, para evitar maiores prejuízos sociais, deve ser formalmente revogada ou adequada ao Decreto Presidencial.
Dessa forma, os cidadãos e os agentes da administração não serão induzidos a dar cumprimento a uma norma que afronta o sistema legal brasileiro, seja em seus aspectos formais, seja pelo conteúdo contrário à proteção constitucional do patrimônio cultural.
E fico a imaginar a cerimônia de assinatura da IN 30/2013. Provavelmente políticos e especialistas discursaram, aplaudiram-se uns aos outros e se deliciaram numa bonita mesa de queijos. Tão branquinhos e tão tenros que certamente tinham menos de 60 dias de maturação. Afinal, as nobres autoridades não comeriam queijos com sabores prejudicados pela teimosia de seus burocratas.
https://www2.cead.ufv.br/espacoProdutor/scripts/verArtigo.php?codigo=34&acao=exibir
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