Edição Especial Raiva - Junho 2010
Editorial
Com a redução dos casos de raiva canina no Brasil, existe uma emergência do ciclo silvestre no país, em que se destaca a maior detecção de casos de raiva em morcegos e outras espécies silvestres. Em abril de 2010, tivemos o primeiro registro de raiva humana no Brasil. Trata-se de um paciente do gênero masculino, 49 anos, residente em área rural do município de Frutuoso Gomes/RN, que foi mordido acidentalmente na mão por um morcego ao levantar uma cangalha. O paciente não procurou assistência médica, não recebendo o esquema de profilaxia.
O terceiro boletim SVS em Rede – Edição Especial Raiva traz a situação da raiva no ciclo aéreo no Brasil e as atividades de vigilância, controle e profilaxia realizadas nos municípios e estados. Neste número, destacamos ainda o Programa de Prevenção e Controle da Raiva Transmitida por Morcegos em áreas urbanas no estado do Ceará; os 17 anos de atuação da Unesp de Araçatuba/SP no diagnóstico laboratorial da raiva no estado de São Paulo; a distribuição dos cartazes dos esquemas de profilaxia da raiva humana para sala de vacina; a realização da I Oficina para Discussão de Metodologias de Estimativa Populacional Animal; e a substituição da vacina antirrábica animal para cultivo celular.
Pesquisadores e técnicos interessados em divulgar temas relacionados à raiva podem enviar informes com até 500 palavras para o endereço eletrônico raiva@saude.gov.br, se possível acompanhados de fotos, ilustrações ou weblinks. Cada texto deve estar identificado com o nome completo do autor e da instituição a que pertence.
Ana Nilce Silveira Maia Elkhoury
Coordenadora de Vigilância das Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses
Equipe de revisão
- Marcelo Yoshito Wada, responsável pelo GT-Raiva da Covev/CGDT/Devep/SVS/MS;
- Silene Manrique Rocha, técnica do GT-Raiva da Covev/CGDT/Devep/SVS/MS;
- Luiz Fernando Cury de Aguiar Filho, estagiário do GT-Raiva Covev/CGDT/Devep/SVS/MS;
- Ana Nilce Silveira Maia Elkhoury, coordenadora da Covev/CGDT/Devep/SVS/MS.
Coordenadora de Vigilância das Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses
Equipe de revisão
- Marcelo Yoshito Wada, responsável pelo GT-Raiva da Covev/CGDT/Devep/SVS/MS;
- Silene Manrique Rocha, técnica do GT-Raiva da Covev/CGDT/Devep/SVS/MS;
- Luiz Fernando Cury de Aguiar Filho, estagiário do GT-Raiva Covev/CGDT/Devep/SVS/MS;
- Ana Nilce Silveira Maia Elkhoury, coordenadora da Covev/CGDT/Devep/SVS/MS.
Morcegos: a vigilância da raiva no ciclo aéreo
Diversos fatores vêm contribuindo com o aumento do número de casos de raiva em morcegos no país, entre eles podemos citar a implementação da vigilância passiva de morcegos em áreas urbanas; a reemergência da raiva em morcegos hematófagos; e mudanças climáticas e ambientais, entre outros.
Os casos de raiva humana transmitida por morcegos que ocorriam esporadicamente e, na maioria das vezes, de forma acidental, ganharam grande repercussão nos anos de 2004 e 2005, período em que 62 pessoas foram a óbito nos estados do Pará e Maranhão devido a agressões por morcegos hematófagos. Na década de 80, 83% dos casos humanos eram transmitidos por cães e, na década de 2000, os registros reduziram-se para 47% os provocados por cães, mas houve um aumento para 46% os causados por morcegos (Figura 1).
Figura 1. Casos de raiva humana por ciclo de transmissão no Brasil, 1986 a abril de 2010.
Fonte: Sinan/SVS/MS. Dados de 2010 parciais e sujeito a alterações.
De 2002 a abril de 2010 foram notificadas ocorrências de raiva em 988 morcegos não-hematófagos, 241 morcegos hematófagos e 17.586 em animais de produção. Esses dados demonstram a circulação do vírus da raiva, principalmente quando observamos o elevado número de animais de produção positivos para raiva, o que os torna importantes sentinelas para o monitoramento (Figura 2).
A vigilância passiva, preconizada pelo Ministério da Saúde, e que recomenda o envio de morcegos encontrados em situações não usuais para diagnóstico laboratorial, está sendo ampliada no Brasil. Essa atividade é importante para determinar as áreas com circulação do vírus e, assim, adotar medidas de prevenção.
Figura 2. Casos de raiva em morcegos e animais de produção no Brasil, 2002 a abril de 2010.
Fonte: Covev/CGDT/Devep/SVS/MS. Dados de 2010 parciais e sujeito a alterações.
Concluiu-se que a raiva humana transmitida por morcegos continua sendo um grande desafio para saúde pública, mostrando que as pessoas devem estar atentas ao risco que uma mordedura por animal silvestre representa e, dessa forma, procurar assistência médica para orientação sobre a profilaxia; e os profissionais de saúde precisam estar alertas para a indicação do esquema profilático completo, em caso de acidente envolvendo animais silvestres.
Autores: Marcelo Yoshito Wada, Silene Manrique Rocha, Luiz Fernando Cury de Aguiar Filho e Ana Nilce Silveira Maia Elkhoury
Coordenadoria de Vigilância das Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses
Contato: raiva@saude.gov.br
Programa de prevenção e controle da raiva transmitida por morcegos em áreas urbanas
O Programa da Raiva Silvestre do Estado do Ceará, reconhecendo a alteração do perfil epidemiológico e a importância das ações de vigilância e controle da raiva transmitida por morcegos, detectou a necessidade de se implantar o Programa de Prevenção e Controle da Raiva Transmitida por Morcegos em Áreas Urbanas, com base nos dados que se seguem.
Tabela 1. Número de morcegos diagnosticados laboratorialmente positivos para a raiva no Ceará e Fortaleza, 2008.
Tabela 2. Número de agressões por morcegos em seres humanos no Ceará e Fortaleza, 2006 a 2008.
Medidas operacionais, profiláticas e de controle
1 - Capacitar profissionais de saúde em identificação, biologia, comportamento, manejo, captura, recolhimento e encaminhamento de morcegos para laboratório, e em profilaxia antirrábica;
2 - Capacitar outros profissionais, tais como bombeiro e polícia ambiental, para o recolhimento, captura e encaminhamento de morcegos para laboratório, e em profilaxia antirrábica;
3 - Disponibilização da Ficha de Encaminhamento para Diagnóstico e Identificação de Morcegos (Fedim);
4 - Sistematização de informação integrada;
5 - Promoção em Saúde:
a) Informar a todos os profissionais envolvidos sobre a importância dos morcegos, manipulação e encaminhamento de animais suspeitos;
b) Conscientizar a população sobre a importância dos morcegos e a profilaxia antirrábica.
Medida Profilática – Realização do esquema pré-exposição e avaliação sorológica semestral. Em caso de agressão ou contato com o morcego, há necessidade de se procurar assistência médica imediata para a definição da conduta profilática.
Ações de profilaxia, controle e manejo
Profilaxia antirrábica
a) Em humanos – em caso de contato ou agressão por morcego, é indicada a procura por assistência médica imediata para definição da conduta profilática. Ressalte-se que a imunofluorescência negativa não dispensa o tratamento de indivíduos que tenham sido agredidos ou tenham tido contato com morcego;
b) Em animais – em caso de contato ou agressão, deve-se levar em conta o número de animais-contato, considerando-se o status imunológico dos indivíduos ou da população envolvida, e a restrição de sua mobilidade;
O status imunológico individual depende de:
• Idade do animal;
• Data da última vacinação;
• Tipo de vacina;
• Número de doses.
O status imunológico populacional depende de:
• Data da última campanha;
• Cobertura vacinal canina ou felina;
• Data do último bloqueio de foco.
c) Busca ativa e notificação de agressão por morcegos em humanos e animais, as quais devem ser notificadas à Vigilância Epidemiológica e ao órgão responsável pelo manejo de quirópteros.
É necessário pesquisar as características geográficas e ambientais da região, a fim de se identificar a existência, ou não, de fatores de risco, e tais características podem ser descritas no verso da ficha Fedim;
Ações educativas
• Informação destinada à população do caso positivo de raiva, sensibilizando-a para o risco da doença, sem causar pânico;
• Envolvimento dos Agentes de Controle de Endemias e dos Agentes Comunitários de Saúde, que deverão sensibilizar a comunidade para as ações necessárias.
Autores: Francisco Bergson Pinheiro Moura e Naylê Francelino Holanda Duarte
Secretaria Estadual de Saúde do Ceará – Sesa
Secretaria Estadual de Saúde do Ceará – Sesa
Contato: bergson@saude.ce.gov.br e nayle@saude.ce.gov.br
Os 17 anos de atuação da Unesp de Araçatuba no diagnóstico laboratorial da raiva em São Paulo
O Laboratório de Raiva da Unesp de Araçatuba (LRA) é um dos laboratórios credenciados pela Coordenação Estadual de Controle da Raiva para realizar o diagnóstico da doença no interior do Estado de São Paulo. Teve suas atividades iniciadas em 1993, tendo atuado, até maio de 2000, em colaboração com o Laboratório Regional do Instituto Biológico/SP (LR-IB), atualmente denominado Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento (UPD) Araçatuba/Pólo Regional do Extremo Noroeste/Apta.
Por meio da utilização de um banco de dados, foram cadastradas informações obtidas das fichas de envio de amostras para exames no LRA e LR-IB, no período de 1993-2007, totalizando 10.616 fichas, com a finalidade de realizar um levantamento de dados epidemiológicos importantes para vigilância e controle da doença.
Foi possível identificar que 98,4% das amostras recebidas para exame eram do próprio estado de São Paulo, embora outros estados limítrofes (PR, MG, MS) ou não (MT, GO, RO) também tenham enviado amostras, principalmente de bovinos. As solicitações partiram de 140 municípios do estado, localizados principalmente nas regiões administrativas de Araçatuba, São José do Rio Preto, Bauru, Marília e região central (Figura 3).
Os órgãos responsáveis pela vigilância da doença nos municípios ficaram encarregados de enviar a maioria das amostras, quer seja por meio das Secretarias Municipais de Saúde (54,0%) quer pelos Centros de Controle de Zoonoses (20,8%), quando presentes no município. O restante das solicitações partiu da Defesa Sanitária Animal dos estados, de veterinários autônomos ou ligados a empresas, dos próprios interessados ou de proprietários de animais.
As amostras de cães e gatos corresponderam a 53,6% (4.514 amostras) dos exames solicitados; as de quirópteros, 38,0%; e as de bovinos, a apenas 6,8% do total. Os resultados mostraram 4,9% de positividade, sendo 346 cães (65,7%), 94 bovinos (17,9%), 51 quirópteros (9,7%), 21 felinos (4,0%), 11 equídeos (2,0%), dois suínos (0,4%) e um ovino (0,2%).
O valor de quase 5% de positividade encontrado durante aquele período de 15 anos deve-se à epidemia de raiva canina ocorrida na região de Araçatuba, de 1994 a 1996. Durante o predomínio da raiva urbana, os cães representaram 87,2% do total de amostras positivas, sendo ainda registrados casos em felinos, bovinos, equinos e em outras espécies, todos transmitidos por cães. Com a implementação de medidas de vigilância epidemiológica, que incluíram tanto a vacinação quanto o controle da população canina e felina, a raiva em cães e gatos foi controlada.
O perfil epidemiológico da raiva na região Noroeste de São Paulo pode ser dividido em dois períodos distintos: o primeiro, de 1993 a 1997, com predomínio do ciclo urbano (85% dos casos positivos); e o segundo, entre 1998 e 2007, com predomínio dos ciclos aéreo e rural (Figura 4). E o grande número de municípios e a abrangência das regiões atendidas pelo Laboratório de Raiva de Araçatuba, nesses 17 anos de atuação, mostram a importância da descentralização do diagnóstico no estado de São Paulo e da atuação do laboratório para o direcionamento das ações de controle da doença no interior do estado.
Figura 3. Municípios do estado de São Paulo classificados de acordo com o número de amostras submetidas a exame de raiva no LRA e LR-IB, Araçatuba, SP, e resultados positivos, no período 1993-2007.
Fonte: Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal, Curso de Medicina Veterinária, Campus de Araçatuba, Unesp.
Figura 4. Distribuição percentual das amostras de SNC positivas para a raiva na região de Araçatuba, segundo o hospedeiro, no período de 1993 a 1997 (ciclo urbano) e de 1998 a 2007 (ciclo aéreo e rural).
Fonte: Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal, Curso de Medicina Veterinária, Campus de Araçatuba, Unesp.
Autora: Luzia Helena Queiroz – médica veterinária
Professora-adjunta do Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal, responsável pela disciplina Defesa Sanitária Animal e pelo Laboratório de Diagnóstico da Raiva, no Curso de Medicina Veterinária, Campus de Araçatuba, Unesp.
Contato: lhqueiroz@fmva.unesp.br
Esquema de profilaxia da raiva humana com vacina de cultivo celular
Cartaz para Sala de Vacina
Em fevereiro de 2010, a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) distribuiu 100 mil cartazes sobre o esquema para profilaxia da raiva humana para serem afixados em hospitais e postos de referência que realizam atendimento antirrábico humano. Os responsáveis pelo Programa da Raiva nas Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal ficarão encarregados da distribuição aos municípios.
A conduta de indicar ou dispensar o esquema de profilaxia da raiva humana é de fundamental importância, devido à elevada letalidade da doença, e por ser o esquema de pós-exposição a única maneira de prevenção após a agressão por animais.
O cartaz encontra-se disponível no site http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1567
Oficina discute metodologias de estimativa populacional animal
A Coordenação de Vigilância das Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, por meio do GT-Raiva, realizou a I Oficina para Discussão de Metodologias de Estimativa Populacional Animal, no período de 28 a 30 de abril de 2010, em Brasília/DF. O objetivo do evento foi o de discutir as metodologias sobre estimativas populacionais de animais domésticos disponíveis em literatura, visando a subsidiar as atividades de vigilância e o controle de zoonoses que envolvam os cães.
Participaram da Oficina epidemiologistas, técnicos do serviço e veterinários da Coordenação de Vigilância de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses; Grupo de Vigilância Epidemiológica XVII/Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo; Fundação Osvaldo Cruz/Rio de Janeiro, Universidade Federal São João Del Rey/Minas Gerais, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia/Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal/Universidade de São Paulo; Centro de Controle de Zoonoses de Campo Grande/Mato Grosso do Sul, Departamento de Saúde Indígena/Fundação Nacional de Saúde, Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, Superintendência de Controle de Endemias/São Paulo e Instituto Pasteur/São Paulo.
Espera-se, como produto final da Oficina, a elaboração de um documento orientando e padronizando possíveis métodos de estimativa populacional animal.
Substituição da vacina antirrábica animal para cultivo celular
Em continuidade à substituição da vacina antirrábica animal, produzida em tecido nervoso de camundongos lactentes (Fuenzalida) para cultivo celular, o Ministério da Saúde está adquirindo, 30,9 milhões de doses deste imunobiológico em 2010. A substituição iniciou-se em 2008 pelo estado do Ceará e no município de Corumbá; foi ampliada em 2009 para toda região Nordeste; e, a partir de junho de 2010, será disponibilizada para todo o Brasil.
Essa troca da vacina representa um grande avanço para saúde pública, pois se trata de um imunobiológico que fornece uma resposta imunológica melhor e mais duradoura, quando comparada com a Fuenzalida. Desta forma, a Coordenação de Vigilância Transmitida por Vetores e Antropozoonoses orienta que os proprietários levem seus cães e gatos para serem vacinados nas campanhas anuais, a partir dos dois meses de idade, de acordo com o calendário de cada município.
Ressalte-se que os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, exceto na fronteira com o Paraguai, não realizam essas campanhas de vacinação por já terem controlado a raiva canina.
Derrubando mitos e crendices relacionados à vacina antirrábica animal:
- A vacina não causa perda do faro; portanto, os cães de caça também devem ser vacinados;
- Os animais vira-latas também são suscetíveis à raiva e, portanto, precisam ser vacinados;
- Fêmeas prenhes, animais idosos ou que estejam amamentando também devem ser vacinados, não havendo contra indicação;
- A vacina antirrábica fornecida pelo Ministério da Saúde não mata; porém, outras, doenças tais como cinomose e parvovirose, podem estar incubadas no animal e causar sua morte, fato erroneamente associado à vacinação; além disso, as vacinas são de procedência exemplar, passando por processos de validação e segurança, certificados pelo Ministério da Agricultura;
- A vacina antirrábica, disponibilizada pelo Ministério da Saúde, deve ser utilizada somente em cães e gatos, não sendo aprovada para outras espécies animais.
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