Renato Grandelle
Prestes a completar um século, o complicado diagnóstico da tuberculose, que atualmente pode levar de dois a 60 dias, será encurtado para apenas uma hora e meia. O novo teste, batizado de GeneXpert, chegará ao Brasil em dois meses. Rio e Manaus, as capitais com maior registro da doença, serão as primeiras a usar o método. O exame, quase totalmente automatizado, também pode identificar se o tipo de enfermidade do paciente é resistente aos tratamentos mais utilizados.
O uso do teste rápido para diagnóstico da tuberculose será patrocinado pela Fundação Bill & Melinda Gates, entidade beneficente dedicada ao estudo de novos tratamentos para doenças. A organização firmará hoje uma parceria inédita com o Ministério da Saúde. O acordo prevê o repasse de US$ 3 milhões nos próximos três anos ao governo brasileiro.
A verba também será aplicada na produção do medicamento 4 em 1, reduzindo a quantidade de comprimidos tomados diariamente pelos pacientes — o excesso de remédios é um dos principais determinantes para a elevada taxa de desistência do tratamento.
No país, 5 mil mortos por ano
O GeneXpert, que apresenta bons resultados em laboratório, será experimentado fora de suas condições ideais. Rio e Manaus foram escolhidos por apresentarem alta temperatura e umidade, além de grande rotatividade de médicos no serviço público, fatores que dificultam a avaliação de exames demorados.
—Vamos levar o teste rápido para regiões de difíceis questões operacionais — anuncia Draurio Barreira, diretor do Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde. — Se for bemsucedido, diminuiremos significativamente os erros de diagnóstico, que levam a tratamentos fracassados.
O Brasil registra anualmente 72 mil casos de tuberculose (o Rio é responsável por 15 mil), com cerca de 5 mil mortes. O país está em 19° em uma lista dos 22 com maior registro da doença, elaborada pela Organização Mundial de Saúde. Com o teste rápido, a Fundação Gates espera progressos.
— O maior problema é que, hoje, o diagnóstico da tuberculose é feito, mas não confirmado — lamenta o infectologista Michael Keaning, coordenador do Programa de Tuberculose da fundação. — Queremos reduzir em mais de 50% estes casos.
Hoje, o diagnóstico da tuberculose depende de um exame clínico, que indica apenas se o indivíduo teve contato com o bacilo de Koch, agente transmissor da doença, e de um teste laboratorial — a análise de amostras de secreções das vias respiratórias.
— Os exames clássicos, que conferem a existência do bacilo em culturas de secreções, postas em uma estufa, pode demorar até dois meses — explica Margareth Dalcolmo, diretora do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, da Fiocruz. — O GeneXpert é revolucionário porque dispensa certos materiais complexos, necessários ainda hoje.
No novo exame, o paciente fornece uma amostra de secreção, que é manipulado em um recipiente estéril por cerca de dez minutos e, depois, levado ao equipamento. A máquina demanda menos de uma hora e meia para averiguar, naquela porção, a presença do material genético do bacilo de Koch.
A Fundação Gates também contribuirá para que a Farmanguinhos produza, a partir de 2012, o medicamento 4 em 1, importado da Índia desde o fim do ano passado. Os quatro fármacos que compõem o tratamento da tuberculose são processados em apenas um comprimido, ingerido quatro vezes por dia.
— Esta técnica permite que o paciente deixe de tomar até nove medicamentos por dia — revela Margareth.
— Considerando que a tuberculose tem um tratamento longo, com mais de seis meses de duração, nosso problema é manter o paciente. Esperamos, portanto, aumentar esta adesão. Quando dominar a cadeia de produção do medicamento, a Farmanguinhos vai repassá-lo a preço de custo para os países de língua portuguesa da África. Caberá à Fundação Gates atuar na logística e na capacitação de funcionários que lidarão com este tipo de tratamento.
Pacientes seguem padrão genético
Um estudo publicado pelo Conselho de Investigação Médica do Reino Unido na última edição da revista “Nature” encontrou um padrão genético nos pacientes que desenvolvem tuberculose. É que o bacilo de Koch pode ser encontrado em 2 bilhões de pessoas, mas apenas 10% dos infectados desenvolvem a doença pulmonar — nos demais, o micro-organismo jamais abandona sua forma latente.
De acordo com a pesquisadora Anne O’Garra, que coordenou os trabalhos do Conselho, a descoberta deste biomarcador genético possibilitará a criação de vacinas e novos tratamentos que combatam a doença.
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