Enviado por e-mail pela Profa.Dra.Wilia Diederichsen de Brito
Autores
J.C. Gonzales -
J. R. Martins - Pesquisador do Instituto de Pesquisas Desidério Finamor/Fepagro
R. Cerqueira Leite - Professor da Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
Em
busca da primitiva existência do carrapato comum dos bovinos Rhipicephalus
Boophilus microplus examinou-se a bibliografia histórica referente aos
primórdios do Estado do Rio Grande do Sul. Dentre os diversos documentos
examinados selecionou-s aqueles que diretamente citavam a presença do carrapato
e conclui-se que a citação mais antiga foi registrada no inicio do século XIX,
coincidindo com as insatisfações dos novos fazendeiros que se apropriavam da
terra e do gado das Missões Jesuíticas e que gestavam a Revolução Farroupilha.
1.
Origem do
carrapato Rhipicephalus B. microplus
A origem do carrapato comum dos bovinos, especialmente na América, se
constitui numa curiosidade para os pesquisadores da área devido ao fato do
mesmo estar diretamente ligado à história do processo civilizatório de grande
parte da humanidade. Junto com o Homem, veio o boi e conjuntamente com o boi
veio o carrapato e muitos outros parasitas.
A origem pré-histórica e histórica
dos carrapatos foi tratada por Gonzales (2003) concluindo que o R. B. microplus não é um indivíduo
nativo da América do Sul e muito menos do Sul do Brasil, pois, se originou de
formas primitivas que ao saírem das águas dos oceanos para a terra, encontraram
e se adaptaram em hospedeiros específicos. No Sul do continente americano, não
existiam bovinos e sim, outras espécies de animais que serviram de hospedeiros
e que, por sua vez, adaptaram outras espécies de carrapatos.
Assim, o carrapato R. B. microplus da América do Sul foi
importado da Ásia e/ou África, origem de sua adaptação, juntamente com os
bovinos trazidos pelo processo de colonização.
Até
o presente ainda há suposições sobre o surgimento do carrapato no sul do
continente, pois ainda não foram encontrados documentos/testemunhos de quando e
como o carrapato bovino chegou ao Brasil e aos demais países sul americanos.
2.
Origem histórica
dos bovinos do Rio Grande do Sul
As evidências históricas da origem
do gado Crioulo ou Cimarron no continente sul americano (Gonzales
et al. 1994) são de que os primeiros bovinos trazidos para o Brasil eram originários
das Ilhas da Madeira que foram localizados na então povoação de São Vicente,
São Paulo e dali foram levados para Assunção do Paraguai, numa célebre excursão
dos irmãos Góis, em 1554. As Ânuas Jesuíticas descrevem e denominam a tropa
como sendo das “Sete vacas de Gaete”, sendo Gaete o tropeiro que conduziu tais
animais por rios e matas até o Paraguai.
Com
a multiplicação e disseminação desse gado e, com a contribuição de outros
vindos pelo Perú, se formou a grande criação que se expandiu por todo o Sul do Brasil
e do continente.
De
Corrientes, Argentina, e, com a participação do “accionero” Alpoin foi comprada
a primeira tropa de bovinos, distribuída no Rio Grande do Sul nas antigas Missões Jesuíticas Orientais do Rio Uruguai,
em 1634, exatamente um século após a introdução do gado no Paraguai. Os
documentos consultados não referem a presença do carrapato comum nesses
animais.
3. Ocorrência do carrapato Rhipicephalus
Boophilus microplus e da Tristeza
Parasitária no RS.
A mais antiga referência sobre a
presença do carrapato no RS é feita por
Juremir Machado da Silva (2010) em
História Regional da Infâmia, onde enumera o carrapato como um dos fatores
responsável pelo início da Revolução Farroupilha, em 1835.
Tal fator (o carrapato), apesar
de ser improvável no desencadeamento da Revolução, serve como registro sobre a
presença mais antiga do carrapato bovino e da Tristeza Parasitária no Rio
Grande do Sul e, talvez, no Brasil.
As possíveis reclamações dos
criadores da época, segundo Juremir Machado da Silva (2010), responsabilizando o
carrapato, em verdade referem-se aos danos produzidos pela Tristeza Parasitária
Bovina, enfermidade, só hoje plenamente conhecida. É transmitida por carrapatos
e produzida por Hematozoários e
Rickettsias.
Garay, B. (1896) no Compendio
Elemental de la Historia del Paraguay, in Signorine e Mattos (1987)
tratando de fatos sobre a historia da erradicação dos carrapatos na Argentina
comenta que a primeira notificação de carrapato e da Tristeza Parasitária
Bovina deu-se no Paraguai, em 1838, decorrente de uma viagem de comerciantes
brasileiros transportando mercadorias com bois carreiros. Apesar do presidente
paraguaio da época ter mandado abater os animais (20 bois carreiros) queimado-lhes o couro, a praga e suas doenças
se espalharam rapidamente.
Hörmeyer, em O Rio Grande do Sul de 1850, referindo-se ao final da Revolução
Farroupilha (1845) e, em especial, à Tristeza Parasitária Bovina (Peste do
Gado) e ao carrapato diz;
“Terminada
a revolução, no momento em que os estancieiros começaram a se refazer, ocorreram
a peste do gado, alguns invernos frios e ultimamente os carrapatos, matando
dezenas de milhares de reses.”
Hemetério José
Velloso da Silveira em As Missões
Orientais e Seus Antigos Domínios
(1909), magistrado que no desempenho de suas funções percorreu a maioria
dos então povoados do Rio Grande do Sul, a partir de 1855, registrou a presença
do carrapato assim como a da mosca varejeira nos bovinos do RS. (p.144-145)
No início do século XX encontra-se outra
referência histórica sobre a ocorrência da Tristeza Parasitária no Rio Grande
do Sul contida em O Castelo de Pedras
Altas, por Reverbel (1984). Tal documento aborda sobre as atividades rurais
realizadas por J. F. de Assis Brasil e de sua família na época da importação de
novas raças de animais domésticos e a conseqüente substituição e eliminação do
gado crioulo em nosso meio. Assis Brasil importou diversas raças de aves,
suínos, eqüinos e bovinos. Os bovinos pertenciam às raças Jersey e Devon. A
chegada dos bovinos no novo ambiente em Pedras Altas (RS) ocorreu com muitas
perdas em função das novas doenças aqui adquiridas e assim descritas por
Reverbel:
“A
doença conhecida por esse nome (Tristeza) causou grandes prejuízos ao Rio
Grande do Sul, nos últimos anos do século passado (XIX) e primeiro deste (XX).
De 70 a
80 por cento dos animais vacuns importados eram atacados pela tristeza e não
conseguiam sobreviver...” (p. 57 e 58).
4. Os primitivos
carrapaticidas e larvicidas no Rio
Grande do Sul, Brasil
Arsène Izabelle em sua Viagem ao Rio Grande do Sul, em 1833-1844, descreve a carência de minerais, em especial, de sal
comum (Cloreto de Sódio) nos
bovinos da seguinte maneira:
“Vimos vacas e bois aproximarem-se das nossas
carretas e segui-las por longo tempo, lambendo-as por toda a parte, como para
nos mostrar a necessidade urgente que tinham de comer sal.”
Um pouco mais tarde, Lallemant (1851), outro
viajante célebre que atravessou o Estado do Rio Grande do Sul no sentido Leste
Oeste, confirmou que, realmente havia
carência mineral, pois, os bovinos lambiam com avidez o suor dos cavalos que os
transportavam. E que, os campos eram tradicionalmente queimados e os animais
ingeriam as cinzas provocando a purga,
considerada na época, benéfica para o engorde dos bovinos.
À medida que o sal se tornou
abundante, os criadores o oportunizaram aos animais misturando-o às cinzas
obtidas em seus fogões. E assim, se constituiu, nesta região, o primeiro
suposto carrapaticida e o primeiro
método de controle dos carrapatos.
A
principal prática de manejo com os animais era o de reuni-los num local pré-
determinado para o reconhecimento e cura das bicheiras. Essa prática,
denominada rodeio, já tinha sido adotada por Hernandárias,
Governador de Assunção do Paraguai no século XVII.
Nos rodeios do final do século
XIX ofertava-se a mistura de sal com cinzas e realizava-se a cura das miíases
(bicheiras) obstruindo as cavidades das mesmas com estêrco seco de eqüino e que
mais tarde foi complementado com a adição de inseticidas do grupo dos cresóis.
Além disso, ao final dos rodeios,
os animais eram espantados para se exercitarem e, assim, estimularem a queda
dos carrapatos ao solo. Atribuía-se à mistura sal e cinzas os efeitos na
liberação das teleóginas do corpo dos animais.
Nessa época as cercas para
contenção dos animais eram muito escassas, inicialmente de pedras, construídas
pelos escravos. Os animais não eram mantidos num mesmo campo ou pasto, como
atualmente. As fazendas eram muito extensas e assim, o gado perambulava nesses
campos com pouca ou nenhuma reinfestação por carrapatos e mesmo por outros
parasitas. Como exemplo cita-se a fazenda do Japeju dos Jesuítas que se
delimitava ao norte pelo Rio Ibicuí e ao sul pelo Rio Quarai.
5.
Comentários
e Conclusões
Desde a
fundação das Missões Jesuíticas na parte oriental do Rio Uruguai em 1634 o gado
foi um componente fundamental dessa civilização. Tão importante que se
disseminou de uma forma espantosa e se constituiu numa riqueza que foi
explorada por quase quatro séculos até o início do século XX.
Os
registros históricos até aqui consultados, especialmente as chamadas Ânuas
Jesuíticas não assinalam a presença do carrapato bovino.
Em
verdade, o século XVII e parte do século XVIII foi o tempo de instalação e
desenvolvimento das Missões Jesuíticas. Na segunda parte do século XVIII
começou a decadência de tão importante civilização sendo marcada por um tempo
muito conturbado. Nesse período de tempo entre a fundação e o declínio das
Missões Jesuíticas nada foi encontrado a respeito do carrapato e da Tristeza
Parasitária Bovina, permanecendo a
indagação se eles não existiam ou se a conturbação da disputa do território e
dos roubos e arreadas dos gados (caçadas) confundiam a situação e impediam os
seus relatos.
No
início do século XIX, no auge desta confusão, surge a tal reivindicação dos fazendeiros,
referida por Juremir Machado da Silva (2013) o que o leva a concluir que o
carrapato foi um dos fatores responsável pela Revolução Farroupilha. Deve-se
considerar que nessa época não havia carrapaticidas químicos e muito menos os
babesicidas e antibióticos utilizados no tratamento da Tristeza Parasitária. Note-se que a descrição científica da
Tristeza Parasitária Bovina em nível internacional, foi feita por Smith e Kilborne em 1893, denominando-a Febre
do Texas. Se não existiam carrapaticidas, babesicidas e nem
conhecimentos técnicos e científicos sobre o assunto cabe perguntar então: O
que os Farroupilhas reivindicavam?
O
mais provável é que o Império não se sensibilizava com as suas reivindicações impondo pesados impostos apesar dos criadores
enfrentarem grandes prejuízos com a presença do carrapato e da, hoje conhecida,
Tristeza Parasitária Bovina.
Tal
referência do historiador não carrapatólogo serviu para registrar no Rio Grande
do Sul e, talvez, no continente sul americano, a mais antiga referência da
presença em seu solo do carrapato e da
Tristeza Parasitária Bovina.
6.Referências Bibliográficas
6.1 GARAY (1896) in SIGNORINI,
A.R.& MATTA, C.E. Las
Actas de la consulta de Expertos sobre la Erradicacion de Garrapatas com
referencia especial a las Americas. Mexico, D.F., Mexico, jun. 1987.
6.2 GONZALES, J. C. O Controle do Carrapato do Boi. Ed.
Universidade de Passo Fundo/RS. 2003.
6.3 GONZALES, J. C., DEWES, H.,
SERRA FREIRE, N.M. o Gado Crioulo ou Chimarrão. I. Origem e Difusão. Arquivos
Faculdade de Veterinária/UFRGS, Porto Alegre/RS. V.22. p. 37-43. 1994.
6.4 HöRMEYER, J. O Rio Grande do Sul de 1850. Ed.
EDUNI-SUL. Porto Alegre, 128 p. 1986.
6.5 ISABELLE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul. Martins
Livreiro Editor. 165 p. 1983.
6.6 LALLEMANT, R.A. Viagem pela Província do Rio Grande do Sul
(1858). Ed. Itatiaia Ltda. Ed. da Universidade de São Paulo/SP. 1980.
6.7 REVERBEL, C. Pedras Altas. A vida no campo segundo Assis
Brasil. L&PM Ed. Porto Alegre/RS. 1984.
6.8 SILVEIRA, da, H.J.V. As Missões Orientais e seus Antigos
Domínios. Ed. ERUS. Porto Alegre/RS. 547p. 1909.
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