sábado, 17 de agosto de 2013

Origem histórica do carrapato Rhipicephalus Boophilus microplus e da Tristeza Parasitária no Rio Grande do Sul, Brasil, 2013

Enviado por e-mail pela Profa.Dra.Wilia Diederichsen de Brito

Autores
J.C. Gonzales -
Professor aposentado da Faculdade de Veterinária da UFRGS e colaborador voluntário do IPVDF/FEPAGRO. veterynus@gmail.com
J. R. Martins - Pesquisador  do Instituto de Pesquisas Desidério Finamor/Fepagro
R. Cerqueira Leite - Professor da Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo
            Em busca da primitiva existência do carrapato comum dos bovinos Rhipicephalus Boophilus microplus examinou-se a bibliografia histórica referente aos primórdios do Estado do Rio Grande do Sul. Dentre os diversos documentos examinados selecionou-s aqueles que diretamente citavam a presença do carrapato e conclui-se que a citação mais antiga foi registrada no inicio do século XIX, coincidindo com as insatisfações dos novos fazendeiros que se apropriavam da terra e do gado das Missões Jesuíticas e que gestavam a Revolução Farroupilha.

1.      Origem do carrapato Rhipicephalus B. microplus
A origem do carrapato comum dos bovinos, especialmente na América, se constitui numa curiosidade para os pesquisadores da área devido ao fato do mesmo estar diretamente ligado à história do processo civilizatório de grande parte da humanidade. Junto com o Homem, veio o boi e conjuntamente com o boi veio o carrapato e muitos outros parasitas.   
 A origem pré-histórica e histórica dos carrapatos foi tratada por Gonzales (2003) concluindo que o R. B. microplus não é um indivíduo nativo da América do Sul e muito menos do Sul do Brasil, pois, se originou de formas primitivas que ao saírem das águas dos oceanos para a terra, encontraram e se adaptaram em hospedeiros específicos. No Sul do continente americano, não existiam bovinos e sim, outras espécies de animais que serviram de hospedeiros e que, por sua vez, adaptaram outras espécies de carrapatos. 
Assim, o carrapato R. B. microplus da América do Sul foi importado da Ásia e/ou África, origem de sua adaptação, juntamente com os bovinos trazidos pelo processo de colonização.
            Até o presente ainda há suposições sobre o surgimento do carrapato no sul do continente, pois ainda não foram encontrados documentos/testemunhos de quando e como o carrapato bovino chegou ao Brasil e aos demais países sul americanos.

2.      Origem histórica dos bovinos do Rio Grande do Sul
As evidências históricas da origem do gado Crioulo ou Cimarron no continente sul americano (Gonzales et al. 1994) são de que os primeiros bovinos trazidos para o Brasil eram originários das Ilhas da Madeira que foram localizados na então povoação de São Vicente, São Paulo e dali foram levados para Assunção do Paraguai, numa célebre excursão dos irmãos Góis, em 1554. As Ânuas Jesuíticas descrevem e denominam a tropa como sendo das “Sete vacas de Gaete”, sendo Gaete o tropeiro que conduziu tais animais por rios e matas até o Paraguai.
      Com a multiplicação e disseminação desse gado e, com a contribuição de outros vindos pelo Perú, se formou a grande criação que se expandiu por todo o Sul do Brasil e do continente.
      De Corrientes, Argentina, e, com a participação do “accionero” Alpoin foi comprada a primeira tropa de bovinos, distribuída no Rio Grande do Sul nas antigas  Missões Jesuíticas Orientais do Rio Uruguai, em 1634, exatamente um século após a introdução do gado no Paraguai. Os documentos consultados não referem a presença do carrapato comum nesses animais.
3. Ocorrência do carrapato Rhipicephalus Boophilus microplus e da Tristeza Parasitária no RS.
A mais antiga referência sobre a presença do carrapato no RS é feita por  Juremir Machado da Silva (2010) em História Regional da Infâmia, onde enumera o carrapato como um dos fatores responsável pelo início da Revolução Farroupilha, em 1835.
Tal fator (o carrapato), apesar de ser improvável no desencadeamento da Revolução, serve como registro sobre a presença mais antiga do carrapato bovino e da Tristeza Parasitária no Rio Grande do Sul e, talvez, no Brasil.
As possíveis reclamações dos criadores da época, segundo Juremir Machado da Silva (2010), responsabilizando o carrapato, em verdade referem-se aos danos produzidos pela Tristeza Parasitária Bovina, enfermidade, só hoje plenamente conhecida. É transmitida por carrapatos e produzida por Hematozoários  e Rickettsias.
Garay, B. (1896) no Compendio Elemental de la Historia del Paraguay, in Signorine e Mattos (1987) tratando de fatos sobre a historia da erradicação dos carrapatos na Argentina comenta que a primeira notificação de carrapato e da Tristeza Parasitária Bovina deu-se no Paraguai, em 1838, decorrente de uma viagem de comerciantes brasileiros transportando mercadorias com bois carreiros. Apesar do presidente paraguaio da época ter mandado abater os animais (20 bois carreiros)  queimado-lhes o couro, a praga e suas doenças se espalharam rapidamente.
Hörmeyer, em O Rio Grande do Sul de 1850, referindo-se ao final da Revolução Farroupilha (1845) e, em especial, à Tristeza Parasitária Bovina (Peste do Gado) e ao carrapato diz;
“Terminada a revolução, no momento em que os estancieiros começaram a se refazer, ocorreram a peste do gado, alguns invernos frios e ultimamente os carrapatos, matando dezenas de milhares de reses.”
Hemetério José Velloso da Silveira em As Missões Orientais e Seus Antigos Domínios (1909), magistrado que no desempenho de suas funções percorreu a maioria dos então povoados do Rio Grande do Sul, a partir de 1855, registrou a presença do carrapato assim como a da mosca varejeira nos bovinos do RS. (p.144-145)
No início do século XX encontra-se outra referência histórica sobre a ocorrência da Tristeza Parasitária no Rio Grande do Sul contida em O Castelo de Pedras Altas, por Reverbel (1984). Tal documento aborda sobre as atividades rurais realizadas por J. F. de Assis Brasil e de sua família na época da importação de novas raças de animais domésticos e a conseqüente substituição e eliminação do gado crioulo em nosso meio. Assis Brasil importou diversas raças de aves, suínos, eqüinos e bovinos. Os bovinos pertenciam às raças Jersey e Devon. A chegada dos bovinos no novo ambiente em Pedras Altas (RS) ocorreu com muitas perdas em função das novas doenças aqui adquiridas e assim descritas por Reverbel:
A doença conhecida por esse nome (Tristeza) causou grandes prejuízos ao Rio Grande do Sul, nos últimos anos do século passado (XIX) e primeiro deste (XX). De 70 a 80 por cento dos animais vacuns importados eram atacados pela tristeza e não conseguiam sobreviver...” (p. 57 e 58). 

4. Os primitivos carrapaticidas e larvicidas  no Rio Grande do Sul, Brasil
            Arsène Izabelle em sua Viagem ao Rio Grande do Sul, em 1833-1844, descreve a  carência de minerais, em especial, de sal comum (Cloreto de Sódio)   nos bovinos   da seguinte maneira:
            “Vimos vacas e bois aproximarem-se das nossas carretas e segui-las por longo tempo, lambendo-as por toda a parte, como para nos mostrar a necessidade urgente que tinham de comer sal.”  
            Um pouco mais tarde, Lallemant (1851), outro viajante célebre que atravessou o Estado do Rio Grande do Sul no sentido Leste Oeste, confirmou que, realmente  havia carência mineral, pois, os bovinos lambiam com avidez o suor dos cavalos que os transportavam. E que, os campos eram tradicionalmente queimados e os animais ingeriam as cinzas provocando a purga, considerada na época, benéfica para o engorde dos bovinos.
À medida que o sal se tornou abundante, os criadores o oportunizaram aos animais misturando-o às cinzas obtidas em seus fogões. E assim, se constituiu, nesta região, o primeiro suposto carrapaticida e o primeiro método de controle dos carrapatos. 
            A principal prática de manejo com os animais era o de reuni-los num local pré- determinado para o reconhecimento e cura das bicheiras. Essa prática, denominada rodeio,  tinha sido adotada por Hernandárias, Governador de Assunção do Paraguai no século XVII.  
Nos rodeios do final do século XIX ofertava-se a mistura de sal com cinzas e realizava-se a cura das miíases (bicheiras) obstruindo as cavidades das mesmas com estêrco seco de eqüino e que mais tarde foi complementado com a adição de inseticidas do grupo dos cresóis.
Além disso, ao final dos rodeios, os animais eram espantados para se exercitarem e, assim, estimularem a queda dos carrapatos ao solo. Atribuía-se à mistura sal e cinzas os efeitos na liberação das teleóginas do corpo dos animais.
Nessa época as cercas para contenção dos animais eram muito escassas, inicialmente de pedras, construídas pelos escravos. Os animais não eram mantidos num mesmo campo ou pasto, como atualmente. As fazendas eram muito extensas e assim, o gado perambulava nesses campos com pouca ou nenhuma reinfestação por carrapatos e mesmo por outros parasitas. Como exemplo cita-se a fazenda do Japeju dos Jesuítas que se delimitava ao norte pelo Rio Ibicuí e ao sul pelo Rio Quarai. 
           
5.      Comentários e Conclusões
Desde a fundação das Missões Jesuíticas na parte oriental do Rio Uruguai em 1634 o gado foi um componente fundamental dessa civilização. Tão importante que se disseminou de uma forma espantosa e se constituiu numa riqueza que foi explorada por quase quatro séculos até o início do século XX.
            Os registros históricos até aqui consultados, especialmente as chamadas Ânuas Jesuíticas não assinalam a presença do carrapato bovino.
            Em verdade, o século XVII e parte do século XVIII foi o tempo de instalação e desenvolvimento das Missões Jesuíticas. Na segunda parte do século XVIII começou a decadência de tão importante civilização sendo marcada por um tempo muito conturbado. Nesse período de tempo entre a fundação e o declínio das Missões Jesuíticas nada foi encontrado a respeito do carrapato e da Tristeza Parasitária  Bovina, permanecendo a indagação se eles não existiam ou se a conturbação da disputa do território e dos roubos e arreadas dos gados (caçadas) confundiam a situação e impediam os seus relatos.
            No início do século XIX, no auge desta confusão, surge a tal reivindicação dos fazendeiros, referida por Juremir Machado da Silva (2013) o que o leva a concluir que o carrapato foi um dos fatores responsável pela Revolução Farroupilha. Deve-se considerar que nessa época não havia carrapaticidas químicos e muito menos os babesicidas e antibióticos utilizados no tratamento da Tristeza Parasitária. Note-se que a descrição científica da Tristeza Parasitária Bovina em nível internacional, foi feita por  Smith e Kilborne em 1893, denominando-a Febre do Texas. Se não existiam carrapaticidas, babesicidas e nem conhecimentos técnicos e científicos sobre o assunto cabe perguntar então: O que os Farroupilhas reivindicavam?  
            O mais provável é que o Império não se sensibilizava com as suas reivindicações  impondo pesados impostos apesar dos criadores enfrentarem grandes prejuízos com a presença do carrapato e da, hoje conhecida, Tristeza Parasitária Bovina.
            Tal referência do historiador não carrapatólogo serviu para registrar no Rio Grande do Sul e, talvez, no continente sul americano, a mais antiga referência da presença  em seu solo do carrapato e da Tristeza Parasitária Bovina. 

6.Referências Bibliográficas

6.1 GARAY (1896) in SIGNORINI, A.R.& MATTA, C.E.   Las Actas de la consulta de Expertos sobre la Erradicacion de Garrapatas com referencia especial a las Americas. Mexico, D.F., Mexico, jun. 1987.

6.2 GONZALES, J. C. O Controle do Carrapato do Boi. Ed. Universidade de Passo Fundo/RS. 2003.

6.3 GONZALES, J. C., DEWES, H., SERRA FREIRE, N.M. o Gado Crioulo ou Chimarrão. I. Origem e Difusão. Arquivos Faculdade de Veterinária/UFRGS, Porto Alegre/RS. V.22. p. 37-43. 1994.

6.4 HöRMEYER, J. O Rio Grande do Sul de 1850. Ed. EDUNI-SUL. Porto Alegre, 128 p. 1986.

6.5 ISABELLE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul. Martins Livreiro Editor. 165 p. 1983.

6.6 LALLEMANT, R.A. Viagem pela Província do Rio Grande do Sul (1858). Ed. Itatiaia Ltda. Ed. da Universidade de São Paulo/SP. 1980.

6.7 REVERBEL, C. Pedras Altas. A vida no campo segundo Assis Brasil. L&PM Ed. Porto Alegre/RS. 1984.

6.8 SILVEIRA, da, H.J.V. As Missões Orientais e seus Antigos Domínios. Ed. ERUS. Porto Alegre/RS. 547p. 1909.




           



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