MANUELA ANDREONI
BOLÍVAR TORRES
RIO - É senso comum a ideia de que o peixe é sempre a opção mais saudável, e mais cara, do cardápio. Mas talvez seja hora de rever este conceito. Pela primeira vez na História, a produção de peixes e outros frutos do mar em cativeiro ultrapassou a de carne bovina. A informação consta de um estudo do Instituto Earth Policy: em 2012, foram 66,5 milhões de toneladas de frutos do mar contra 63 milhões de toneladas de carne vermelha. A Ásia, principalmente a China, responde pela maior parte da produção e do consumo de peixes. Produzidos em cativeiro, os peixes ficam mais baratos e a sobrepesca pode ser freada. Embora aponte uma possível nova tendência na alimentação, isso não significa que os problemas ambientais acabam, eles apenas se reinventam. O que traz consequências para o dia a dia, tanto no bolso quanto na saúde.
Na contramão das incertezas ligadas à atividade pesqueira, o cultivo planejado é sujeito a poucas variáveis. Em forte crescimento desde os anos 90, as fazendas de aquicultura permitiram que certas espécies pudessem ser vendidas por valores mais baixos.
— O extrativismo sempre dependeu daquilo que é encontrado — pontua o oceanógrafo Wilson Wasielesky, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). — Por isso, costuma-se dizer que a aquicultura, de certa forma, ajuda a regular os preços.
O consumo de salmão aumentou de tal forma no Brasil que, no início do ano passado, o IBGE precisou inclui-lo no cálculo da inflação. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), do ano 2000 até 2009, o consumo de peixe per capita aumentou cerca de 30% no Brasil, enquanto o de carne bovina cresceu 10%. Mas isso não quer dizer que nos tornamos mais saudáveis. Por ano, consumimos mais de 8 quilos de peixe, contra quase 38 quilos de carne vermelha.
— Ainda não podemos falar de mudança no padrão de consumo — explica a nutricionista Aline Carvalho, do Grupo de Pesquisa de Avaliação do Consumo Alimentar da FSP/USP, que considera o aumento residual. — O consumo de peixe está aumentando no Brasil, mas ele nem se compara ao das outras carnes.
Consumir peixe faz bem. Desde que não cedamos à tentação de comê-los fritos ou em conserva. Em geral, os peixes engordam menos e têm mais nutrientes.
Cerca de 1,5 bilhão de pessoas dependem de pescados para se alimentar. Mas quem se preocupa com o avanço da pecuária sobre as florestas acaba de se deparar com mais um alerta. A aquicultura destrói manguezais, despeja químicos no mar e espalha antibióticos que podem nos tornar mais resistentes a esses medicamentos.
O planeta consome mais peixes e frutos do mar do que qualquer outro tipo de carne desde os anos 50. Ao longo do século XX, os oceanos e rios viram o número e a eficiência de barcos pesqueiros crescerem. Entre as décadas de 1950 e 1980, a quantidade de vítimas nas redes quintuplicou. Mas o planeta parece ter dito basta.
— Faz muitos anos que a produção na pesca não cresce. Acredito que a produção em viveiros só tende a aumentar — opina Mat Roney, autor do estudo do Earth Policy.
Desde o início dos anos 90, os números de pesca ficam em torno do 90 milhões de toneladas por ano. O motivo não foi uma revolta dos mares ou o surgimento de uma consciência ecológica nos produtores, mas a simples exaustão da natureza. Com isso, o número de fazendas de aquicultura explodiu.
Na rota da expansão de fazendas pelo mundo estão os mangues, presentes na costa de boa parte de países tropicais, como o Brasil. Entre 1980 e 2008, a FAO calcula que 3,6 milhões de hectares de manguezais, ou 20% do manancial do planeta, tenham sido destruídos. Boa parte na Ásia, mas também no Brasil — onde a carcinicultura, ou cultivo de camarões em viveiros, expande-se. Entre os motivos apontados pelo FAO para o desaparecimento dos manguezais, também são importantes o crescimento populacional e o turismo. Mas os mangues são a única vítima da aquicultura. A criação de peixes gera sobrepesca de animais menores, como a sardinha. Já o esgoto gerado nos tanques afeta os ecossistemas de mar aberto.
Aos consumidores, resta tentar escolher. No escuro, já que, pelo menos no Brasil, ainda não há selo amplamente aceito que facilite ao cidadão evitar fazer parte da destruição. Não é preciso desistir das moquecas e sushis. Comer mais peixes pequenos e evitar os animais carnívoros, como salmão e camarão, pode ajudar. Muitas de suas fazendas são em áreas de mangue, por serem nativos de água salgada (também há camarões de água doce).
Os carnívoros são alimentados por pequenos peixes, usados na chamada farinha de peixe (um tipo de ração). Essas espécies são 30% de tudo o que é pescado no mundo e sofrem com a sobrepesca — é comum que sejam pescadas por acidente e simplesmente irem para o lixo, o que é um argumento a favor de sua utilização na ração.
A farinha de peixe também é adotada na alimentação de galinhas e porcos. Segundo o estudo do Earth Policy, há tentativas de diminuir o uso desses alimentos. No entanto, a substituição da farinha de peixe altera o gosto do salmão, por exemplo, além de tornar os empreendimentos menos lucrativos, por serem mais eficientes do que outros alimentos. Mat Roney defende que se amplie o consumo humano desses pequenos peixes, já que esta seria uma forma mais eficiente de usá-los.
— A quantidade de alimento necessário para alimentar o próximo degrau da cadeia alimentar é grande. Alimentar-se de peixe de forma indireta é muito ineficiente. Podemos alimentar mais pessoas com os peixes usados para fazer ração do que com os animais que comem essa ração — explica o pesquisador. — Nos países desenvolvidos, já estamos em um patamar muito alto da cadeia alimentar. Temos a escolha de descer alguns degraus.
Portanto, o consumo exacerbado de peixe não significa apenas que estamos comendo mais frutos do mar. É consequência do consumo maior de carne em geral. Assim como ocorre com a criação de outros animais, as fazendas marinhas possibilitaram a popularização de alguns alimentos, como o salmão e o camarão, por baixarem seu preço.
— Antes, a carne de salmão era apenas para os ricos. A grande maioria dos brasileiros nunca havia visto um salmão. A produção de pescado de salmão era de 12 mil toneladas, com a aquicultura são 1 milhão. Mas isso representa apenas 1% da aquicultura. Não pode ser acusada de ser um problema — diz.
O crescimento chinês é o maior responsável pelo recorde da aquicultura. A China responde por 62% da produção, além de ser a que mais consome. Porém, brasileiros não podem respirar aliviados. A destruição também bate à nossa porta.
O desmatamento de manguezais por criadouros de camarão marinho assusta pesquisadores nordestinos. Hoje eles não ocorrem em grande escala, se comparado a países asiáticos, como as Filipinas, que já destruiu dois terços de seus mangues, ou 100 mil hectares.
Aqui, os mangues são fonte de renda para pescadores e fazem parte da base do ecossistema marinho. Sua destruição nas costas brasileiras se deve, em grande parte, à urbanização. Mas há um crescimento dos viveiros de camarão. Segundo um relatório do Ibama de 2005, de 1997 até aquele ano a área ocupada por viveiros aumentou mais de 300%, para 15 mil hectares. O número ainda é pequeno frente ao cerca de 1 milhão de hectares.
Segundo um estudo do biólogo Luiz Drude de Lacerda, da Universidade Federal do Ceará (UFC), de 2011, pesquisadores envolvidos em pesca artesanal estimam um decréscimo anual de até meia tonelada de pescado por hectare de mangue desmatado. A questão não é apenas a ocupação em si do manguezal, mas também a participação dessas florestas costais no ecossistema marinho. Os mangues servem de berçário para diversos peixes.
Mas a maior preocupação de Lacerda é com o lançamento de efluentes sem tratamento na natureza, o que polui áreas enormes nos estuários e mar aberto. Essa descarga contém, por exemplo, antibióticos dados aos animais, que vivem em grandes concentrações, vulneráveis a infecções.
— A proteção do mangue está na lei, mesmo no novo Código Florestal. Na pior das hipóteses, você manda a polícia lá e o cara tem que recuperar — lembra Lacerda. — O problema é a contaminação do meio ambiente, que prejudica áreas muito maiores.
Para Wilson Wasielesky, da Furg, é preciso tomar cuidado para não cometer exageros, já que o uso de produtos químicos pesados não é exatamente regra:
— Não se pode condenar toda uma produção apenas porque alguns fizeram ou fazem errado. A maioria dos criadores de peixe não usa antibióticos. O que hoje está disseminado é o uso de probióticos (micro-organismos vivos que conferem benefícios à saúde do hospedeiro), o que é muito diferente.
É possível transformar a operação de forma que ela seja mais amigável ao meio ambiente. Segundo Lacerda, a solução para os viveiros de camarões, por exemplo, é bastante simples. Uma piscina de sedimentação e uma criação paralela de ostras e algas, que filtram a água, não só salvariam o ecossistema como poderiam até ampliar a produção.
Mat Roney aponta que há iniciativas na criação de salmão em ambientes controlados, com filtragem de água e menos uso de químicos, que tem tido sucesso. Na China, a criação de carpas, não carnívoras e de água doce, junto com plantações de arroz é uma das iniciativas elogiadas. Com as carpas presentes, é possível usar dois terços menos pesticidas no arroz. A aquicultura também pode ser uma boa solução para evitar a sobrepesca.
— Se você for comparar, um barco arrasta 250 toneladas de peixe para pescar cinco toneladas de camarão — diz Wasielesky. — A aquicultura de salmão na Noruega é impecável. O Brasil tem potencial para ser facilmente o segundo produtor depois da China, com uma aquicultura modelo.
Para a bióloga Camila Keiko Takahashi, da SOS Mata Atlântica, o poder está nas mãos dos consumidores, capazes de pressionar os produtores a adotarem práticas menos danosas à natureza. Mas ela admite que rastrear a origem de pescados ainda é complicado.
— Sabemos que é difícil para o consumidor tentar acompanhar. Mas com essa pressão do consumidor, ao sempre perguntar sobre a origem do que está comprando, os produtores passarão a ter essa preocupação.
Segundo a secretária de Planejamento e Ordenamento da Aquicultura, Maria Fernanda Nince, a prática ajuda a manter a qualidade da água — para sobreviver, os peixes precisam de limpeza — e da biodiversidade, porque não requer desmatamento:
— Incentivamos a produção do camarão em áreas internas, pois possibilita a manutenção da salinidade e não agride mangues.
Segundo o Ministério da Pesca, a aquicultura representa 40% da produção de pescado no país, gerando R$ 5 bilhões por ano e empregado cerca de 800 mil pessoas. A meta da pasta é que o país se torne “um dos maiores produtores do mundo, com 20 milhões de toneladas de pescado por ano”
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/amanha/producao-de-peixes-em-cativeiro-ultrapassa-de-carne-bovina-9369481#ixzz2bqUP68aH
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