segunda-feira, 10 de junho de 2013

Quem fiscaliza o quê na cadeia de produção de alimentos

  • Responsabilidade é compartilhada por vários atores, de empresas a órgãos governamentais
  • Consumidor tem papel fundamental e deve denunciar problemas encontrados

  • A garantia da segurança e da qualidade é uma atribuição de vários atores da cadeia de produção Foto: Claudio Duarte
    A garantia da segurança e da qualidade é uma atribuição de vários atores da cadeia de produção Claudio Duarte

    RIO - Ministério da Agricultura (Mapa), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), engenheiros agrônomos, médicos veterinários, equipe de controle de qualidade das empresas. Esses são alguns dos muitos atores da cadeia de produção de alimentos que estão diretamente envolvidos na garantia da segurança dos produtos que chegam à mesa dos brasileiros. Cada um deles tem um papel específico, atuando dentro de limites bem definidos. Problemas estruturais e falta de informação, no entanto, acabam dificultando a fiscalização, segundo especialistas.



    Para o doutor em gestão da qualidade e mestre em ciência e tecnologia de alimentos André Bonnet, as empresas, em termos gerais, estão comprometidas com qualidade e boas práticas. Mas ele reconhece que há empresários que agem de má-fé. Em relação à fiscalização governamental, os problemas são estruturais:
    — A qualidade é uma preocupação privada. As empresas seguem padrões internacionais e estão comprometidas. Mas também há exceções. Quanto ao papel do governo, também há essa preocupação, mas é uma articulação que não depende apenas da esfera federal, mas também de estados e municípios. Nossa legislação sanitária é muito bem feita, mas falta capilaridade e harmonização ao sistema. Esse problema estrutural depende principalmente de uma boa articulação entre estados e municípios.
    Antes mesmo antes de a matéria-prima chegar à indústria alimentícia, a segurança e a qualidade têm que ser asseguradas. Por isso, nas fazendas, os engenheiros agrônomos são os responsáveis por garantir os produtos de origem vegetal. São eles que prescrevem o uso agrotóxicos e que atestam a aplicação de quantidades e tipos aprovados pelas normas brasileiras. No caso dos de origem animal, a responsabilidade pelos controles nas fazendas é dos médicos veterinários, que prescrevem medicamentos, como antibióticos, aos animais e atestam o cumprimento dos padrões exigidos pela legislação do país.
    Já os órgãos governamentais fiscalizam a indústria para garantir que os padrões internacionais de segurança e controle de qualidade sejam seguidos, verificando da matéria-prima que chega ao produto processado que sai. Nesse sistema, os principais atores são a Anvisa, as vigilâncias sanitárias de estados e municípios e o Mapa.
    O Mapa tem 160 fiscais de produtos de origem vegetal para cerca de seis mil empresas. Outros 980 fiscais federais e 1.865 agentes de apoio trabalham para garantir a qualidade em 3.438 estabelecimentos de produtos de origem animal registrados no registradas no Sistema de Inspeção Federal (SIF). A Anvisa — que tem um total de dois mil funcionários — não sabe quantificar número de fiscais que tem. Um censo sobre o assunto será realizado até 2014. A Vigilância Sanitária do Estado do Rio de Janeiro tem 22 fiscais para 230 fabricantes. Já a Vigilância Sanitária do município do Rio tem 140 funcionários na área de alimentos, responsáveis por 5 mil inspeções mensais.
    O papel da Anvisa e das vigilâncias sanitárias
    — A Anvisa tem como principal papel coordenar as ações do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e de regulamentar o setor. As vigilâncias sanitárias de estados e municípios têm autonomia administrativa e os estados têm laboratórios públicos de análises. A Anvisa regulamenta, por exemplo, o que vai ser liberado para uso pelas empresas e para o comércio. Em termos gerais, as indústrias são fiscalizadas pelos estados e os estabelecimentos comerciais, como bares, restaurantes e supermercados, pelas vigilâncias municipais — explica Andrea Regina de Oliveira Silva, especialista em regulação e vigilância sanitária da Anvisa.
    Mas, quando um problema é identificado por qualquer membro do sistema nacional de vigilância sanitária, explica Andrea, a Anvisa adota medidas para redução do risco associado ao produto, como a suspensão do alimento, a determinação de seu recolhimento ou a proposição de novas regras.
    Segundo a Anvisa, a fiscalização de alimentos também ocorre por meio de programas de monitoramento. Para isso, é feita a análise no varejo, de diversas marcas e categorias. A agência e as vigilâncias sanitárias têm autoridade para interditar, apreender produtos e multar estabelecimentos. Por isso, em caso de identificar uma possível contaminação ou fraude de alimentos o consumidor deve contatar a vigilância sanitária.
    — No caso de programas nacionais da Anvisa, determinamos categorias e parâmetros a serem verificados. Então, recebemos informações trimestrais e nosso representantes regionais orientam o trabalho — diz Andrea.
    O que faz o Ministério da Agricultura
    O Mapa é responsável pelas fiscalizações oficiais em indústrias de produtos de origem animal e vegetal, fiscalizando empresas que solicitem o SIF, o que permite que os produtos circulem por todos o país e sejam exportados. Com o selo do Serviço de Inspeção Estadual (SIE), os produtos só podem circular dentro de um estado, enquanto os que estão sob o Serviço de Inspeção Municipal (SIM) são comercializados dentro de um município.
    No caso dos abatedouros, uma equipe do Mapa e técnicos contratados pela própria empresa inspecionam cada animal morto. O trabalho começa antes mesmo do início da produção do dia e as inconformidades devem ser resolvidas antes do processo ser iniciado ou retomado.
    Nas fábricas de produtos de origem animal, como o leite, a fiscalização é periódica. Assim, de acordo com o Mapa, a verificação é feita nos lotes dos produtos, cabendo à empresa garantir a qualidade, conforme as normas previstas na lei.
    — O grande desafio é gerar um programa estatístico, com base em informações recolhidas nas empresas e nas fiscalizações das cerca de 40 famílias de produtos, para melhorar o monitoramento do processo de produção. A ideia é que isso oriente o sistema como um todo, não só nas empresas fiscalizadas no nível federal, mas também nas que estão sob a fiscalização de estados e municípios — explica Judi Nóbrega, diretora do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) do Mapa. — Precisamos aumentar a fiscalização. No entanto, mais do que isso, precisamos de um sistema de fiscalização bem modelado, para que se atue com mais eficiência onde de fato existe risco.
    No Brasil, mais de 70 produtos de origem vegetal possuem regras para serem produzidos e comercializados, como arroz e feijão. Nas beneficiadoras, é obrigatória a presença de um profissional treinado pelo ministério chamado classificador. O tipo do produto altera seu preço. E o Mapa faz coletas na indústria e no comércio para ver se não está sendo vendido gato por lebre.
    Responsabilidade coletiva
    — A cadeia de produção tem o que chamamos de extensão rural. A responsabilidade é compartilhada pela indústria, pelo transportador, pelo agrônomo — explica Ricardo Cavalcante, diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov) do Mapa. — A pedra no feijão entra na questão da classificação. O consumidor deve denunciar para que o classificador e a beneficiadora sejam avaliadas e, se necessário, punidos.
    As bebidas, como as polpas de fruta, estão sob fiscalização exclusiva do Mapa. Há legislações específicas para três tipos: alcoólicas, não alcoólicas (polpas e vinagres), além de vinhos e derivados da uva. Nesses casos, a fiscalização é feita nas indústrias, em amostras dos lotes que passam por análises laboratoriais. Qualquer estabelecimento que não esteja cadastrado no órgão é clandestino.
    — Se há um problema num lote, a empresa tem que informar. A indústria não muda um componente da noite para o dia. Até porque é a identidade do produto. Mas se um produto ficou excessivamente exposto ao sol e foi alterado por isso, cabe à indústria retirá-lo do mercado — explica Cavalcante. — Temos muito trabalho. Autuamos nossos fiscalizados: desde a não discrição de um determinado aditivo à não utilização de uma expressão no tamanho adequado num rótulo, passando pela proporção inadequada de água em um suco.
    Função educacional
    O especialista Bonnet destaca também a importância do papel educacional dos agentes de vigilância sanitária:
    — Em muitos casos, é preciso ensinar antes de punir. Faltam informações. A segurança do consumidor depende da viabilização do pequeno produtor, para haver mais homogeneidade em todo o sistema.
    Carlos Thadeu de Oliveira, diretor do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), lembra que, por trás de um produto vencido na prateleira de um supermercado há uma irregularidade, um dado que deveria ir para o sistema de vigilância sanitária municipal.
    — Sem esses dados, não há uma radiografia de verdade do setor. Mas não cabe ao consumidor fazer isso. Ele quer resolver seus problemas e sabe das dificuldades para registrá-lo. É preciso haver melhorias da produção ao mercado — afirma Oliveira.
    Já Bonnet lembra que, diferentemente do que ocorre aqui, fraudes e contaminações são punidas de forma mais rígida no exterior, o que leva as empresas a assumirem um compromisso mais sério com o consumidor, já que desvios gerarão custos que vão muito além de manchas na marca da empresa, podendo gerar penas de prisão.
    — Nos Estados Unidos, o fraudador, o adulterador de alimentos pode ser condenado à pena de morte. A legislação é mais rígida. O consumidor sabe disso e o empresário também.
    Série “Insegurança à mesa”




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