Porto Alegre/RS
Dez anos depois da última tentativa frustrada, o Rio Grande do Sul volta a debater a possibilidade de suspender a vacinação contra a febre aftosa para obter, da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), o status de zona livre da doença sem imunização. O objetivo, novamente, é abrir as portas de mercados importantes como os Estados Unidos e Japão para o produto gaúcho in natura. Mas desta vez o setor prega cautela para evitar a frustração de 2000.
"O Estado está pronto para iniciar a discussão, mas não é um processo rápido", diz o consultor da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Luiz Alberto Pitta Pinheiro, que de 1993 a 2005 foi coordenador-adjunto do Centro Panamericano de Febre Aftosa (Panaftosa) no Brasil. "O status de região livre da doença sem vacinação é interessante, mas o trabalho tem que ser muito bem estruturado e com garantias muito grandes", reforça o presidente do Sindicado das Indústrias de Carnes do Estado (Sicadergs), Ronei Lauxen.
O assunto será debatido em audiência pública da comissão de agricultura e pecuária da Assembleia Legislativa na quinta-feira a pedido do deputado Jerônimo Goergen (PP), que é ligado ao setor primário. Hoje o Rio Grande do Sul é considerado livre da doença com vacinação, e o argumento do parlamentar para trazer à tona o debate sobre a evolução do status sanitário é que em julho o Estado completará nove anos após a extinção do último dos focos da doença que surgiram entre 2000 e 2001.
Com quase 14 milhões de cabeças de gado, praticamente 7% do rebanho brasileiro, os gaúchos vacinam os animais em maio e em novembro repetem a dose para aqueles com menos de 24 meses de idade. Para suspender a vacina, o governo estadual precisa submeter um plano de controle ao aval do Ministério da Agricultura e, se um ano depois da suspensão não for registrado nenhum caso da doença, o próprio ministério encaminha à OIE o pedido de reconhecimento da área como livre da doença sem vacinação.
O setor também não quer ficar isolado na região Sul. Santa Catarina é considerada livre de aftosa sem vacinação desde maio de 2007 e o Paraná já apresentou o pedido de fim da imunização. "Se o Estado vacina eternamente, passa a ideia de que não tem segurança", concorda o superintendente do ministério no Rio Grande do Sul, Francisco Signor. Segundo ele, a superintendência está pronta para ajudar a elaborar um programa de retirada da vacina e de um plano de contingência para o caso de algo dar errado durante o processo.
Mas a medida deve levar ainda em consideração algumas questões regionais, afirma Pitta Pinheiro. Uma preocupação, segundo ele, é com a Bolívia. Embora não tenha fronteira com o Estado nem registros de focos desde 2007 e seja considerado livre da doença com vacinação, o país assusta devido à desestruturação do serviço sanitário e aos conflitos entre os governos departamentais e o governo central nos últimos anos. O Uruguai e a região da Argentina fronteiriça com o Rio Grande do Sul também são livres da enfermidade com vacinação.
Para reduzir o risco de contaminação, seja dentro do Estado ou a partir de outra região, o Rio Grande do Sul precisa ainda reforçar o sistema interno de controle sanitário, incluindo o aumento do número de fiscais estaduais e federais, entende Pitta Pinheiro.
Conforme o secretário estadual da Agricultura, Gilmar Tietböhl, a secretaria dispõe de 400 técnicos alocados neste serviço, mas para garantir um sistema de vigilância durante 24 horas por dia o contingente teria que dobrar.
"Num futuro próximo queremos o Rio Grande do Sul sem vacinação, mas precisamos de cautela", afirma Tietböhl, lembrando que o trabalho também depende do governo federal, que é o responsável pela fiscalização das fronteiras internacionais. Segundo Signor, assim como a secretaria o Ministério da Agricultura tem 400 fiscais no Estado e o ideal seria um número maior, mas ele lembra que o controle das fronteiras é feito com o apoio da Polícia Federal.
Último foco levou ao sacrifício de 11 mil animais
Em abril de 2000, depois de seis anos e quatro meses sem ocorrência da doença, o Rio Grande do Sul decidiu suspender a vacinação contra a febre aftosa em busca do status de área livre da enfermidade sem imunização. Em agosto, porém, surgiu na cidade de Jóia o primeiro dos poucos mais de 20 focos que acabariam se espalhando também pelos municípios de Augusto Pestana, Eugênio de Castro e São Miguel das Missões, todos na região noroeste do Estado.
Na época, o Rio Grande do Sul decidiu não retomar a imunização e optou pelo abate sanitário de 11 mil animais até a extinção dos focos em fevereiro do ano seguinte, lembra o consultor da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Luiz Alberto Pitta Pinheiro. A conclusão foi de que a doença havia sido introduzida na região por animais trazidos de outros Estados.
Em maio de 2001, após um surto da doença que atingiu 18 dos 19 departamentos do Uruguai, a aftosa retornou ao Rio Grande do Sul por Santana do Livramento, na fronteira com o país vizinho, e se alastrou pelos municípios de Jari, Alegrete, Quaraí, Dom Pedrito e Rio Grande, no sul do Estado. Na ocasião foram registrados 30 focos e dessa vez a opção foi pelo retorno da vacinação. O surto foi considerado extinto em julho daquele ano, mas as campanhas de imunização foram mantidas até agora.
No Brasil, os últimos casos de febre aftosa ocorreram em outubro de 2005 em Mato Grosso do Sul e no Paraná.
Sérgio Bueno
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