LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
Instaladas para proteger casas e condomínios da ação dos ladrões, as cercas elétricas contabilizam um número crescente de vítimas inocentes: os gatos.
Hospitais veterinários acusam um incremento de até 20% no atendimento dos felinos --decorrência de choques elétricos provocados pelas cercas que se espalham sem fiscalização pela cidade.
Na teoria, os obstáculos elétricos serviriam apenas para afugentar os amigos do alheio. Para isso, cercas instaladas de acordo com as prescrições da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) são ligadas a eletrodos com tensão de até 10 mil volts, que descarregam correntes elétricas intermitentes da ordem de 5 miliampères (fracas).
Eduardo Anizelli/Folhapress | ||
Crescem os casos de acidentes de gatos com cercas elétricas; 33% dos animais atingidos morrem no atendimento |
"O problema é que em gatos, com massa corporal da ordem de 1/20 daquela de um homem adulto, o choque será sentido de forma muito mais intensa, grosso modo, 20 vezes mais forte", afirma a física e pesquisadora Tereza Daltro, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares da USP.
Queimaduras nas patas e bocas, alterações neurológicas, convulsões, taquicardias e paradas cardiorrespiratórias, perda de consciência, fraturas, traumatismos cranianos, hemorragias cerebrais, edemas pulmonares, além de traumas psicológicos, são as consequências mais frequentes em felinos que sofrem choques nas cercas elétricas. Muitos morrem.
Segundo a veterinária Renata Setti, do Hospital Koala Animal, 33% dos gatos vitimados por choques elétricos que chegaram até o atendimento médico foram a óbito. "Fora os que nem chegaram a ser atendidos."
O principal problema é que os gatos têm hábitos que favorecem o desenlace trágico: são curiosos, exploradores, andam em telhados e muros --exatamente onde as cercas são instaladas.
Sob a ação do choque, os animais ficam completamente desnorteados --alguns até desmaiam.
O resultado é que caem de qualquer jeito, de onde decorrem as múltiplas fraturas e traumatismos -um dos sintomas mais frequentes é a fissura do céu da boca (o palato), que causa sangramento pelas narinas, dificuldades para respirar e que, sem tratamento, pode levar ainda a um quadro de infecção generalizada.
Mário Marcondes, diretor clínico do Hospital Veterinário Sena Madureira, um dos mais bem equipados de São Paulo, afirma que gatos vitimados por cercas elétricas já respondem por 5% de todos os atendimentos por traumas, incluídos os atropelamentos.
"Pode ser bem mais, já que muitos proprietários desconhecem a razão do ferimento de seu gato", diz.
Sem raça definida, o gato Klug é uma dessas possíveis vítimas. Jovem e ágil, o animal estava bem acostumado a passear pelos muros e telhados em volta de sua casa. Mas, há duas semanas, ele saiu e só conseguiu retornar, arrastando-se, na terça-feira (10). Estava paraplégico.
Ontem (11), ele foi operado. "Uma das hipóteses mais fortes para esse estado é o de uma queda motivada por choque elétrico", afirma Marcondes.
No YouTube, sobram vídeos de gatos chorando, gritando, caindo, pulando -por causa de choques em cercas eletrificadas. Na maioria dos filmetes, os humanos riem (até gargalham) da tortura dos felinos.
"Os gatos precisam ser protegidos por seus donos. Infelizmente, talvez a melhor coisa a fazer seja instalar telas e impedir o gato de subir aos telhados, de sair para dar seus passeios", diz a ativista Nina Rosa, uma das mais ativas em defesa dos animais. Os veterinários apoiam a medida.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
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