sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

BRASIL E REINO UNIDO ESTUDAM TERAPIAS PARA A LEISHMANIOSE



As pesquisas com foco em novas terapias para a leishmaniose foram identificadas como uma das possíveis áreas de interesse comum para cooperações entre cientistas do Brasil e do Reino Unido durante o UK-Brazil Tropical Medicine Workshop, encerrado nesta terça-feira (22/2) na capital paulista.

A partir de experiências de colaborações existentes nos estudos sobre a leishmaniose entre os dois países, alguns dos participantes do evento constataram que as cooperações científicas internacionais são mais proveitosas quando se baseiam em relacionamentos de longo prazo e na confiança mútua.

O evento de dois dias promovido pela FAPESP e pelo Consulado Britânico em São Paulo reuniu 30 cientistas do Brasil e do Reino Unido com o objetivo de incrementar as cooperações entre os dois países nas pesquisas sobre doenças tropicais. Iniciativa da Academia de Ciências Médicas (AMS, na sigla em inglês) do Reino Unido, o workshop integra a Parceria Brasil-Reino Unido em Ciência e Inovação.

Além de identificar áreas de interesse mútuo para pesquisa sobre doenças como leishmaniose, malária, esquistossomose e doença de Chagas, o evento também teve o objetivo de discutir os mecanismos de financiamento para as parcerias.

Durante o evento, Silvia Uliana, professora do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), apresentou um trabalho de seu laboratório, ainda em andamento, relacionado a novas terapias para a leishmaniose.

O grupo de Silvia testou a aplicação do tamoxifeno, medicamento amplamente utilizado no tratamento de câncer de mama, para leishmaniose. A droga foi testada em diferentes modelos animais, em combinação com outras utilizadas contra a Leishmania e em várias vias de administração. Os resultados preliminares são promissores.

“A vantagem de adaptar o uso de um medicamento que já está no mercado é que ele possui um perfil de segurança conhecido. No tratamento de câncer, há efeitos colaterais, mas a administração é feita continuamente por cinco anos. No tratamento da leishmaniose, a proposta seria diferente, com aplicação por apenas algumas semanas”, disse Silvia à Agência FAPESP.

No entanto, os cientistas ainda não sabem se o tamoxifeno poderá ser utilizado em pacientes humanos. Embora os testes clínicos de fase 1 sejam dispensáveis, pois o medicamento já foi aprovado para uso em humanos para o câncer, ainda será preciso realizar os testes clínicos de fase 2. “Além disso, embora o medicamento tenha se mostrado eficiente para matar a Leishmania, ainda não sabemos como ele faz isso. É preciso estudar a fundo seu mecanismo de ação”, disse.

Conhecer o mecanismo de ação é fundamental, porque o tamoxifeno é um modulador do receptor de estrógeno e, por isso, existe possibilidade de que tenha limitações para o uso em crianças ou mulheres em idade fértil.

“A longo prazo, os estudos sobre o mecanismo de ação podem nos levar a entender como modificar a molécula do tamoxifeno para impedi-la de interagir com o receptor de estrógeno, mantendo seu efeito contra a Leishmania”, indicou a pesquisadora.

É nesse contexto que a colaboração com cientistas do Reino Unido pode trazer avanços importantes. “Ainda não temos uma cooperação nesse trabalho específico da quimioterapia com tamoxifeno, mas nosso laboratório tem vários outros projetos em andamento com participação com colegas britânicos”, disse Silvia.

A pesquisadora realizou seu pós-doutorado, em 1995 e 1996 no laboratório liderado por Deborah Smith – outra participante do workshop, também especialista em leishmaniose – no Imperial College of Science, Technology and Medicine, em Londres, com Bolsa da FAPESP. Desde então, as pesquisadoras desenvolvem interações científicas. Deborah atua hoje na Universidade de York, também no Reino Unido.

“O trabalho que será desenvolvido para compreender os mecanismos de ação do tamoxifeno sobre a Leishmania certamente terá colaboração desse grupo britânico. A infraestrutura de pesquisa deles será importante para determinadas técnicas que utilizaremos para o avanço dessa pesquisa”, disse Silvia. 

Trabalho a longo prazo e confiança mútua

De acordo com Deborah, as colaborações de longo prazo com cientistas brasileiros – em especial paulistas – têm sido fundamentais para o desenvolvimento de suas pesquisas.

“Nosso foco é o trabalho com leishmaniose, em ciência molecular e celular, visando ao desenvolvimento de novas terapias. Para fazer isso, é preciso colaborar com colegas em países endêmicos, onde haja acesso a novo conhecimento sobre muitas linhagens e especificidades que não temos no Reino Unido, onde não existe a leishmaniose”, disse Deborah à Agência FAPESP.

Segundo ela, a parceria com Silvia é um exemplo de sucesso para as futuras cooperações entre cientistas dos dois países. Desde que tiveram contato em 1995, as duas pesquisadoras já publicaram diversos artigos juntas.

“É especialmente importante ter bons contatos, de modo que possamos estabelecer relacionamentos de longo prazo e trabalhar juntos de maneira perene. No caso de Silvia, nos encontramos regularmente quando venho ao Brasil. No futuro, esse é o tipo de relacionamento que eu quero expandir”, afirmou Deborah.

Um aspecto central da parceria, segundo ela, é o intercâmbio de estudantes dos dois países, que têm diferentes necessidades de treinamento. “As portas do meu laboratório em York estão abertas para os estudantes brasileiros que precisam receber algum tipo específico de treinamento. Sei que meus estudantes também serão recebidos em São Paulo para realizar determinado tipo de trabalho, como testar seus projetos em situação de campo”, afirmou.

Outro exemplo de bom relacionamento de cooperação de pesquisa, segundo Deborah, é sua conexão com a equipe de outra participante do workshop: Angela Kaysel Cruz, professora do Departamento de Biologia Celular e Molecular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Angela trabalha com a genética da Leishmania e coordena um Projeto Temático sobre o tema, com financiamento da FAPESP.

“Nós duas trabalhamos no desenvolvimento do projeto genoma da Leishmania. Entramos em contato pela primeira vez há muitos anos e em 1994 tivemos nosso primeiro encontro de planejamento, no Rio de Janeiro. Atualmente, trabalhamos em conjunto com encontros bastante regulares. Ao longo desse tempo, foi possível estabelecer uma relação de confiança mútua que é fundamental para o avanço científico nesse tipo de pesquisa”, disse Deborah. 


Fonte: Agência FAPESP


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