terça-feira, 31 de maio de 2011

"Vaca louca": OIE não altera status brasileiro


A esperada recuperação pelo Brasil do risco 1 para a doença da "vaca louca" ainda este ano não vai ocorrer. A reclassificação deve ficar para 2012. Apesar de nunca ter registrado a encefalopatia espongiforme bovina (BSE, na sigla em inglês), o Brasil está entre os países com classificação de risco 2 para a doença, isto é, risco controlado, conforme a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Risco 1, a classificação que o Brasil tinha até 2005 e perdeu, significa risco insignificante para a enfermidade.

Em 2010, o Brasil enviou um relatório para a OIE com informações sobre o status sanitário para "vaca louca" e chegou a ser elogiado pelo órgão. A OIE, no entanto, disse, à época, que ainda não seria possível melhorar a classificação brasileira.

Por trás do comportamento do corpo de veterinários da OIE está o fato de que o Brasil ainda não conseguiu responder de forma satisfatória a questões sobre o rastreamento de animais importados, na década de 1990, de países que tiveram a doença. Mas também haveria um certo desinteresse em melhorar a classificação do Brasil, que tem um papel importante no mercado internacional de carne bovina, avaliam fontes do setor. Desde que perdeu o status de risco insignificante, o Brasil ficou impedido de exportar tripa bovina - matéria-prima para salsichas - à União Europeia.

O diretor de Saúde Animal do Ministério da Agricultura, Guilherme Marques, rejeita acusações de inação do governo pela manutenção do risco 2. Ele afirma que o governo solicitou duas vezes a melhora na classificação de risco do Brasil, mas a OIE não respondeu aos questionamentos feitos em 2010. "Mandamos uma atualização da base de dados do relatório de 2010, aguardamos manifestação, mas não houve resposta até hoje", diz.

Marques explica que o governo não enviou um novo relatório e optou por mandar apenas um "adendo" ao texto antes enviado porque não sabia onde havia falhas. "Ficamos aqui com técnicos sem viajar, nos fins de semana e dispostos a ir à OIE, mas não fomos consultados", disse.

Em março de 2010, o governo recebeu da OIE impressões positivas sobre a reclassificação para risco 1 na escala da doença, segundo Marques. "Eles nos parabenizaram pelo excelente relatório, mas lamentaram que o país não tinha como receber o risco 1. Perguntamos o porquê ao Bernard Vallat (diretor-geral da OIE), mas não recebemos nenhum documento".

Hoje, apenas 13 países têm o status de risco 1. Para chegar a esse nível, são requeridos oito anos de rastreamento e ações de redução de ingestão de proteína de animal alterada (príon) por ruminantes.

Diante da postura da OIE, o governo optou por não refazer o relatório. "Não foi má vontade nem indisposição. Foi estratégia do governo", afirma Marques. Ele diz que o Brasil é um alvo analisado "com lupa" pelos concorrentes que estão entre os 176 países da OIE. Além disso, enfrenta o protecionismo dos países ricos.

Os críticos do sistema brasileiro apontam falhas nos controles, como o uso da "cama de frango" na alimentação de bovinos, processo insuficiente na esterilização da farinha de carne, possibilidades de "contaminação cruzada" e não rastreamento de 100% do gado importado há 20 anos, cujo potencial de apresentar sintomas da doença não poderia ser descartado.

Para resolver a situação, o diretor informa que encaminhará um novo relatório atualizado à OIE após a reunião anual da organização em maio. "Vamos esgotar o tema na reunião e o relatório será enviado de novo", disse. "Queremos clareza dos motivos da recusa da OIE. Vamos ser sabatinados e, se justiça for feita, em maio de 2012 teremos esse reconhecimento".

O diretor do ministério diz que o caso do Brasil mudou as regras da OIE. Agora, entre réplicas e tréplicas, a organização tem obrigação de consultar países sobre os relatórios encaminhados. E precisa responder questionamentos em detalhes.

Sobre as travas na importação de tripa pela Europa, Marques diz que o Código de Animais Terrestres da OIE permitiria esse comércio. "Pelo código da OIE, tripa é produto isento de risco, assim como leite, colágeno e gelatina de couro, além de osso calcinado, sebo sem impurezas e alguns tipos de carne", informa.

A disputa do Brasil na OIE se arrasta desde 2000, quando o Canadá suspendeu as importações de carne bovina brasileira sob pretexto de que haveria risco de ocorrência de "vaca louca" no país. A UE criou um sistema de classificação de risco geográfico de cinco faixas. Depois, a OIE refez o sistema e reduziu a três riscos: insignificante (1), controlado (2) e desconhecido (3). Até hoje, não existe país declarado livre da doença.

Desde 2000, o Brasil encaminha, de forma voluntária, relatórios anuais. Se não fizer, entra no risco 3. Procurada, a Abiec (reúne exportadores de carne bovina) preferiu não se manifestar "uma vez que aguarda uma solução para o problema há três anos".

A Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) indica que o Brasil não forneceu todas as informações pedidas para ter revisada sua situação. O problema, segundo fontes na Europa, é que o Brasil importou gado bovino europeu na época da epidemia da doença no continente e ainda não conseguiu mostrar o destino desses animais.

A OIE mantém o Brasil na categoria de risco controlado da doença ao lado de países que já tiveram a enfermidade, como nações da Europa e os EUA. Por sua vez, Argentina e Austrália, outros grandes produtores de carne bovina, estão na categoria de risco insignificante, o que dá vantagem competitiva no mercado de carnes.

Procurada, a OIE foi econômica nas respostas ao Valor sobre a situação do Brasil. A entidade confirmou que o país pediu no fim de 2009 revisão de seu status para a doença. E que, após avaliação do pedido no início de 2010, foi demandado ao Brasil que fornecesse elementos complementares para validar a demanda de obtenção do status de risco insignificante.

A OIE dá a entender que as autoridades brasileiras não responderam satisfatoriamente. Limita-se a lembrar que a avaliação dos pedidos dos países para reconhecimento de status de doenças prioritárias, como a "vaca louca", ocorre uma vez por ano entre novembro e fevereiro, "o que não exclui uma revisão do status do Brasil na próxima etapa de avaliações".

Apesar de ser um órgão cientifico, as decisões da OIE são influenciadas politicamente pelos países e, segundo as mesmas fontes, a pressão parece ter sido forte para que o Brasil fosse mantido na categoria de risco controlado. Uma das razões é que isso satisfaz os europeus, já que deixa o Brasil - o maior exportador global de carne bovina - na mesma categoria de risco dos 21 dos países da UE. Também a Argentina não estaria insatisfeita com o status brasileiro. Os EUA, que como o Brasil tiveram recusado o pedido de redução de risco, também preferem seu concorrente na mesma categoria, já que uma reclassificação teria impacto comercial.

Segundo dados da própria UE, de 1º de janeiro a 24 de abril deste ano foram registrados 11 novos casos de "vaca louca" no bloco: três na Espanha, três no Reino Unido, um na França, um na Irlanda, um na Itália, uma na Holanda e um Portugal. Um foco da enfermidade pode representar um ou mais animais afetados.

Em 2009 foram 71 focos, em 2010 outros 44 e agora já são 11. Mas o número deve diminuir a partir de julho, por uma canetada de Bruxelas. É quando entra em vigor uma decisão da Comissão Europeia, que mudará a idade de controle de bovinos a partir de julho deste ano. O regulamento atual determina que a partir da idade de 48 meses o animal deve ser testado para a doença da "vaca louca". Agora, a idade passará para 72 meses, o que indica um relaxamento do controle.

A avaliação entre analistas é de que a Europa não vai conseguir erradicar pelos próximos 10 a 20 anos a infecção, apesar dos investimentos feitos até agora. De maneira geral, o estado sanitário da UE é inquietante. O bloco europeu registrou 783 focos de enfermidades animais em 2010. Desde janeiro, teve mais 79 surtos oficialmente notificados, incluindo 11 focos de doença de lingua azul, 12 focos de febre aftosa (todos na Bulgária), 15 de doença vesicular equina e quatro de gripe aviária em aves.

As informações são do Valor Econômico, resumidas e adaptadas pela Equipe BeefPoint.


Fonte: Celia Padovan

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