sexta-feira, 20 de abril de 2012

A acessão da Rússia à OMC e os impactos para o Brasil



A Rússia é a última das grandes economias a se tornar membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) – fato que deve ser ratificado ao longo de 2012, com a concordância formal do Parlamento Russo.
O país deu início às negociações para a sua entrada na organização no ano de 1993, quando foi criado Grupo de Trabalho específico na OMC que contou com maior número de países-membros da história. Em que pese a aceitação pelos membros da OMC, o país cumpriu, até o momento, apenas parte dos compromissos assumidos em seu protocolo de acessão¹ , fato que suscita algumas preocupações principalmente ao setor agroindustrial brasileiro.
De maneira geral, o país acordou em reduzir a tarifa média aplicada para as importações, do patamar atual em torno de 11%, para o nível de 8% nos próximos cinco anos, valor baixo se comparado à maior parte dos países signatários. Segundo a OMC, esta redução está ligada, em especial, com medidas liberalizantes unilaterais adotadas pelo Governo Russo, que culminaram com a diminuição do imposto de importação para produtos relevantes da pauta do país, como produtos aço, alguns motores para automóveis, catodos de cobre e equipamentos médico-hospitalares.
No entanto, basear-se apenas na média do imposto de importação da Rússia pode ser enganoso e ocultar a totalidade das barreiras comerciais ainda aplicadas pelo país e que afetam direta ou indiretamente empresas brasileiras.
Dentre as principais práticas de controle de comércio, a Rússia faz uso de elevadas tarifas de exportação (para fomentar a produção à jusante de cadeias produtivas), licenças de importação, impostos adicionais sobre o valor agregado – exclusivo para produtos importados (principalmente para o setor de bebidas e automóveis) – e, especialmente, quotas tarifárias para importação de carnes, setor em que o Brasil é competitivo internacionalmente e tem historicamente na Rússia um de seus mais importantes clientes.
Além do mais, a constante utilização de barreiras sanitárias inconsistentes com as regras internacionais (Acordo SPS da OMC) torna conturbada a vida dos exportadores brasileiros de carnes. Convém lembrar que desde Junho de 2011 o Brasil sofre com restrições arbitrárias e sem embasamento técnico a praticamente todos os frigoríficos do país, sejam eles produtores de carne de aves, suínos ou bovinos.
Por conta das barreiras não tarifárias e de restrições quantitativas (com diversas mudanças no regime de cotas nos últimos três anos) nas importações, as vendas brasileiras para o país se reduziram substancialmente e a Rússia, antes maior importadora do complexo de carnes, vem perdendo importância na pauta exportadora do Brasil. No ano de 2010, por exemplo, 144 mil toneladas de carne de frango foram embarcadas ao país, representando 3,8% do total das exportações brasileiras do produto no período, montante que se reduziu para 60 mil toneladas em 2011, o que equivaleu a 1,5% das exportações no ano, redução de 58% em relação a 2010. Com isto, alguns outros países da Ásia, do Oriente Médio e da África superaram a Rússia como destino das vendas de carne de frango, deixando-a em um modesto 17º destino.
No que se refere à carne suína, a redução de volumes embarcados foi da ordem de 46%, se comparados os anos de 2011 (126 mil toneladas) e 2010 (234 mil toneladas). A diminuição dos volumes importados pelos russos inclusive os tiraram da histórica primeira colocação como principais importadores da carne suína brasileira (deixando-a na segunda colocação), posição ocupada atualmente por Hong Kong, destino este conhecido pela importação de produtos suínos de menor valor agregado.
Voltando ao tema de acessão da Rússia na OMC, pode-se dizer que o Grupo de Trabalho responsável pelas negociações obteve sucesso em negociar concessões do novo membro. Os acordos bilaterais foram cumpridos de forma satisfatória² e, vale aqui ressaltar, a atuação dos Estados Unidos, que logrou incluir para a Rússia compromissos em áreas de interesse das empresas de seu país, como em produtos de tecnologia da informação, produtos de aço e cobre ou mesmo cobrando processos mais transparentes nos despachos aduaneiros, que obstruíam o efetivo acesso ao mercado russo por parte dos exportadores estadunidenses.
Para os exportadores brasileiros, contudo, pairam dúvidas sobre os reais ganhos da acessão dos russos à OMC, ao menos em curto espaço de tempo.
Os interesses centrais do Brasil concentram-se em setores como carnes e aeronaves, que são sensíveis para a economia da Rússia e, por isso, trazem incertezas quanto ao seu cumprimento. No caso do complexo carnes, os sinais advindos de Moscou dão conta de que estas barreiras estão associadas a uma estratégia de busca pela auto-suficiência na produção de aves e suínos, pois a auto-suficiência consta como uma das principais metas do setor agropecuário local. De acordo com Programa Estatal de Desenvolvimento Agrícola (2013 – 2020), orçado em US$ 230 bilhões, o país quer, além de suprir completamente a sua demanda interna, tornar-se exportador líquido de carne suína e de frango. Este custo orçado pelo Governo Russo muito provavelmente irá fomentar uma produção pouco eficiente atualmente (com índices de produtividade abaixo do encontrado no Brasil).
Desta forma, embora a eliminação do mecanismo de quotas tarifárias de importação para carnes em geral faça parte dos compromissos assumidos pela Rússia, há indícios de que o país não adotará tais medidas tão cedo. Além disso, no setor de aeronaves civis a Rússia possui fabricantes nacionais que são protegidos por tarifas de importação superiores a 20%. Para atingir a média tarifária de 8% nos próximos cinco anos, este setor terá de apresentar queda significativa em seu imposto de importação.
Por fim, dois pontos podem ser salientados. O primeiro deles é que antes do fim das negociações poderia ter sido definido, por meio das negociações bilaterais, acordo mais favorável para os exportadores brasileiros em termos de remoção mais célere das quotas e barreiras tarifárias, principalmente para as carnes (vide o exemplo de cota específica da União Européia conseguida nas negociações bilaterais para cortes desossados de frango) e aeronaves. Em segundo lugar, é preciso acompanhamento em relação ao cumprimento das etapas dos compromissos assumidos de liberalização, pois em muitos casos – como o da China – a entrada na OMC não é acompanhada de implementação efetiva das regras.
¹ Detalhes sobre o Protocolo de acessão da Rússia à Organização Mundial do Comércio, ver no site da entidade:http://www.wto.org/english/thewto_e/acc_e/a1_russie_e.htm
² Todos os países candidatos a uma vaga de membro da OMC devem negociar acordos bilaterais com quaisquer países que desejarem fazê-lo. Assim, estas negociações fazem parte do acordo para definição dos acordos e obrigações dos membros quando se juntarem à Organização.
* Luís Renato Rua – Pós Graduado em Agronegócio na Escola Superior de Agricultura Luiz Queiróz (ESALQ); Fabrízio Sardelli Panzini – Mestre em Economia Política na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP)


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