segunda-feira, 17 de junho de 2013

Saúde investiga casos de Febre Q em Minas

Secretaria de Estado orienta rede pública sobre identificação de pacientes com doença infecciosa causada por bactéria resistente. Seis pessoas tiveram sorologia positiva em abril

Publicação: 15/06/2013 06:00 Atualização: 15/06/2013 08:37

Um surto de febre Q, doença considerada rara no Brasil, é investigado pela Secretaria de Estado de  Saúde. Entre junho de 2010 e fevereiro de 2013, 81 casos suspeitos foram notificados na Região Metropolitana de Belo Horizonte e em abril deste ano seis pacientes tiveram sorologia positiva para a doença. Causada por uma bactéria muito resistente, a Coxiella burnetii, a enfermidade pode ser confundida com inúmeras doenças, como a gripe ou a dengue. Em casos crônicos, a taxa de mortalidade chega a 65% dos pacientes. O tratamento pode durar mais de um ano e meio e consiste na ingestão diária de antibiótico associado a medicamento contra a malária. No último dia 11, toda rede pública de saúde de Minas foi notificada pela SES com orientações para identificação de casos suspeitos, que devem ser encaminhados ao Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte.

Muito comum em países como Estados Unidos, França, Portugal e Holanda, que recentemente teve mais de 4 mil casos confirmados, a febre Q é considerada uma das doenças mais infecciosas de que se tem registro. Isso porque uma única bactéria é capaz de infectar uma pessoa. A Coxiella burnetii se hospeda em gado, ovelhas, cabras e outros mamíferos, incluindo os domésticos. A letra “Q” vem do termo query, em inglês, que significa dúvida/pergunta/interrogação. A febre Q é caracterizada por um quadro febril associado a inúmeros sintomas. A Coxiella é uma bactéria extremamente invasiva, capaz de se alojar em qualquer órgão do corpo humano. Daí a sintomatologia extensa no quadro clínico da infecção. A maioria dos pacientes contaminados desenvolvem pneumonia ou hepatite, e nos casos crônicos apresentam endocardite (inflamação da membrana que reveste as válvulas cardíacas), que pode levar a óbito rapidamente.

O contágio humano se dá pela inalação de partículas de ar contaminado e pelo contato direto com o muco vaginal, fezes, urina ou sêmen de animais infectados ou mesmo pela ingestão de leite cru. Por causa dessa característica, Tânia Marcial, coordenadora do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde de Minas Gerais (CIEVS), considera pouco provável que venha a ser confirmado um surto da doença. Ela afirma que a maioria dos pacientes com suspeita não tem contato direto com os animais reservatórios da doença. “Por precaução, continuamos com a investigação”, ressalta.

As análises dos casos suspeitos de febre Q da Grande BH estão sendo feitas pelo Laboratório de Referência Nacional para Rickettsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e pela Fundação Ezequiel Dias. Indagada sobre um possível surto, a pesquisadora do IOC/Fiocruz e chefe do Serviço de Referência Nacional em Rickettsioses no Ministério da Saúde, Elba Lemos, não descartou tal possibilidade. “Qualquer afirmação nesse sentido dependerá dos resultados das análises atualmente em andamento no laboratório”, enfatizou. Segundo ela, a primeira descrição de febre Q em território brasileiro foi em 1953, identificada por teste sorológico em São Paulo. Outros três casos no mesmo estado foram descritos. Também houve um óbito confirmado em decorrência da doença na Bahia. Sete casos foram confirmados no Rio de Janeiro e um no Tocantins. “Mais recentemente, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, anticorpos contra a febre Q foram encontrados em 16 e 4 pacientes, respectivamente, a partir de testes sorológicos. Da mesma forma, esses resultados indicam que houve contato prévio com a bactéria causadora da doença”, disse.

Notificação

'Eu comecei a perceber que estava tendo um surto de uma doença, que pensei se tratar de uma virose. Mas as pessoas repetiam o quadro, a cada dois ou três meses, e eu me perguntei que vírus seria aquele',  Denise Villani de Carvalho, cardiologista (Arquivo Pessoal)
"Eu comecei a perceber que estava tendo um surto de uma doença, que pensei se tratar de uma virose. Mas as pessoas repetiam o quadro, a cada dois ou três meses, e eu me perguntei que vírus seria aquele", Denise Villani de Carvalho, cardiologista
  
Há cerca de quatro anos, a cardiologista Denise Villani de Carvalho ficou incomodada com a quantidade de pacientes que ela atendia em ambulatórios de Contagem e Betim com quadros semelhantes de doença febril não identificada. A todos ela dava o diagnóstico: virose. “Eu comecei a perceber que estava tendo um surto de uma doença, que pensei se tratar de uma virose. Mas as pessoas repetiam o quadro, a cada dois ou três meses, e eu me perguntei que vírus seria aquele”, relata a médica.

Foi assim que a cardiologista decidiu buscar investigação dos casos. Segundo ela, as análises realizadas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Fiocruz não identificaram nenhum tipo de vírus no organismo desses pacientes. “As amostras, então, foram parar no laboratório de bactérias da Fiocruz e foi então que se identificou a sorologia para a Coxiella burnetii”, explica Denise.

Ela afirma ter evidências de que há um surto da bactéria. “Eu posso garantir que 90% dos pacientes que atendo em ambulatório estão infectados”, diz. Ela reclama que as autoridades não têm dado tanta importância para a situação e sustenta que a maioria dos diagnósticos de dengue e gripe suína (H1N1) são, na verdade, febre Q.

Sintomas semelhantes aos da dengue e gripe

O quadro agudo da febre Q é idêntico ao de dengue. Segundo o médico Antônio Toledo, infectologista do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde de Minas Gerais (CIEVS), que há mais de 20 anos trabalha com doenças infecciosas, não é comum ter um surto de doenças febris sem diagnóstico confirmado, como é o caso sugerido pela febre Q. “Se eu atendo um paciente que apresenta febre, reclama de dores no corpo, dor ocular e apresenta manchas avermelhadas na pele, no contexto atual, eu vou considerar que é dengue e tratar como tal”, diz. 

José Carlos Serufo, professor especialista em infectologia e doenças tropicais da Faculdade de Medicina da UFMG, diz que o país precisa investir em diagnóstico para essas doenças. “Quando se está diante de um surto de dengue, tudo é dengue. Se está diante de um surto de gripe, tudo é gripe. Nós vivemos num país em que as doenças infecciosas são prevalentes, endêmicas muitas vezes, e sofrem variações ao longo do tempo que decorrem, até mesmo, de mudanças climáticas, como é o caso da dengue”, disse. 

Segundo o especialista, em Minas apenas a Funed está habilitada a realizar exames específicos para doenças infectoparasitárias menos comuns, o que limita os médicos a buscar um diagnóstico preciso para enfermidades que apresentam quadro clínico genérico. A situação se repete no país, com poucos laboratórios especializados nesse tipo de análise. Por isso, ele acredita que a febre Q não seja uma doença tão incomum no país. “Ela deve estar no nosso meio há mais tempo. Eu não chamaria de rara, porque ela não está na rotina do diagnóstico diferencial na maioria dos serviços de saúde”, ressalta.

Para que haja um diagnóstico preciso da febre Q e ela não seja confundida, principalmente com a dengue, a cardiologista Denise Villani procurou o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) pedindo ajuda para divulgar entre a classe médica suas constatações sobre a doença. No Brasil, a febre Q não é uma doença de notificação obrigatória. Por isso, não há um protocolo de atendimento e tratamento para os casos suspeitos da doença. 

Um comentário:

  1. Eu não imaginava que a Febre Q fosse comum em nosso meio. Acho importantissimo a divulgação da frequência dessa doença, para que os próprios médicos deixem de tratar tudo como virose.

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