segunda-feira, 5 de abril de 2010

Vacina contra helmintos: alta tecnologia para o controle parasitário


Marcelo Beltrão Molento
Professor de Doenças Parasitárias da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.
Déborah Pondelek
Mestranda do Programa de Pós-gradução em Ciências Veterinárias, Universidade Federal do Paraná


Introdução
Sabe-se que a vacinação é a intervenção humana mais cheia de sucessos tanto na Medicina, como na Medicina Veterinária, pois mais vidas têm sido salvas e maior produtividade animal tem sido alcançada por seu uso do que por qualquer outra atividade. Como exemplo de eficiência e eficácia no controle de doenças infecciosas pelo uso de vacinas, temos a erradicação da varíola do mundo,
a eliminação da cólera suína e brucelose da América do Norte, e o controle de doenças como a febre aftosa, pseudorraiva entre outras, que não seriam possíveis sem esta incrível interferência iatrogênica (resposta induzida por uma vacina).
Dois critérios devem ser preenchidos para a indicação da vacina para o controle de uma doença específica. Em primeiro lugar, deve-se levar em conta a capacidade de o sistema imune responder positivamente à vacinação sem promover danos aos indivíduos vacinados e, em segundo lugar, os riscos decorrentes do seu uso devem ser menores do que os riscos associados à chance de contrair a doença propriamente dita.
No tratamento de parasitoses, são inquestionáveis os benefícios das drogas antiparasitárias com a redução da contagem de ovos nas fezes (Figura 1) e a melhoria sanitária do rebanho. Porém seu uso não se provou ser sustentável a longo prazo em virtude da emergência de resistência a antiparasitários, havendo a necessidade de novas alternativas para seu controle. As informações sobre o advento de produtos alimentícios geneticamente modificados, de doenças emergentes (ex. Escherichia coli, encefalopatia espongiforme bovina, febre aftosa), de resíduos químicos e de antibióticos nos alimentos chamou a atenção dos consumidores sobre a qualidade do que se está comendo. Há também um interesse mundial sobre os indesejáveis efeitos ambientais gerados pela produção e uso de produtos químicos.
Neste panorama, a vacina contra parasitas (internos e externos) se apresenta como uma grande solução, principalmente por ser segura, livre de resíduos químicos, ambientalmente aceitável e ser aplicável a seres humanos e animais. Antes das etapas de produção e futura síntese industrial da vacina, se deve buscar o melhor antígeno (proteína que induz a melhor resposta imune), através de técnicas de biotecnologia, realizando testes in vitro e in vivo.


Figura 1 - Ovos de estrongilídeos com aumento de 10x. Universidade Federal do Paraná (UFPR).


Perspectivas otimistas

As parasitoses zoonóticas que são doenças entre animais e seres humanos são o foco de muitas pesquisas cujos resultados são otimistas até o momento. No caso da cisticercose em humanos, um candidato vacinal promoveria maior impacto no controle por induzir imunidade dos hospedeiros intermediários (suínos), removendo a fonte de infecção em seres humanos. Assim, este seria capaz de interromper o ciclo de vida do parasita e indiretamente eliminar o agente causador da neurocisticercose, caracterizada pela presença das larvas do parasita Taenia solium no cérebro e outros tecidos nervosos e que é uma importante causa de morbidade e mortalidade em seres humanos.
Estudos em animais apresentaram resultados promissores em que a proteção alcançada foi de 94,5 a 100% pós-desafio em suínos, refletindo a redução do número de cisticercos encontrados na necropsia, o que garante uma base sólida para o desenvolvimento de uma vacina que auxilie e, potencialmente erradique, a neurocisticercose humana e a cisticercose animal. Futuros desafios consistem na produção de vacinas contra cisticercose e teniose humana.
Outra zoonose reemergente, contra a qual se reforça a necessidade de desenvolvimento imediato e comercialização de vacinas industriais, é a Fasciolose. Esta enfermidade é comum em pequenos ruminantes nos estados do RS e SC e em algumas áreas do RJ, PR, SP e MS. Além de apresentar enorme importância na saúde pública, é imprescindível encontrar uma maneira de contornar as perdas econômicas, decorrentes desta enfermidade na pecuária, estimadas em US$ 2 bilhões anuais afetando mais de 600 milhões de animais no mesmo período.
Alguns estudos com a fasciola, utilizando proteínas do próprio parasita para imunização, demonstraram redução de 42 a 69% de carga parasitária quando comparado ao grupo controle. Além disso, houve redução de 60% na viabilidade dos ovos liberados pelos parasitas sobreviventes e 98% dos ovos recuperados de parasitas do ducto biliar de animais vacinados, não apresentaram bom desenvolvimento, demonstrando mais um mecanismo de interrupção do ciclo do parasita. A principal característica da infecção gastrintestinal por helmintos é a severa depressão da capacidade digestiva e de absorção na mucosa do local da infecção. Dentre os parasitas exclusivos de animais que merecem destaque pelos avançados estudos para a produção de vacinas pode-se incluir o Haemonchus contortus, responsável por grande prejuízo na ovinocultura caprinocultura (Figura 2), Oesophagostomum radiatum, Ostertagia osteratagi, O. circumcincta, Taenia ovis e o verme pulmonar de bovinos Dictyocaulus viviparus ou D. filaria em ovinos e caprinos. Neste último, a produção da vacina já atingiu a etapa comercial (Huskvac® da Intervet e Dictol® da Schering Plough Animal Health) para ser utilizada em bovinos.

 
Figura 2 - Ovino apresentando edema submandibular (papeira) causado por Haemonchus
contortus, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Alternativa contra resistência

A resistência que os vermes vêm adquirindo a todos os anti-helmínticos disponíveis no mercado tem sido um grande entrave no controle das verminoses em animais de produção. A resistência anti-helmíntica é o principal problema enfrentado na Parasitologia Veterinária e um fator limitante para a cadeia produtiva animal no Brasil, sendo uma atividade que demanda investimentos constantes em tecnologia. Vale ressaltar, entre outros fatores, a necessidade por alternativas no controle parasitário visto a falta de novos produtos, demonstrando claramente a importância de estudos com vacinas para beneficio dos animais.
O futuro do controle de parasitas, em especial dos helmintos, baseado em vacinas será possível graças a algumas técnicas moleculares (Figura 3) existentes: isolamento e clonagem de determinados genes; sequenciamento de DNA; a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) que permite a produção de milhares de cópias de um fragmento do DNA do parasita; e a expressão recombinante (produção de proteínas a partir do gene específico sob condições laboratoriais controladas) de antígenos, possibilitando assim a produção em larga escala do candidato vacinal. Informações como tamanho molecular, sítio ativo, estrutura de ligação, localização celular, solubilidade, regiões transmembrana, conservação estrutural, presença de modificações póstranslacionais, inserção ou deleção de aminoácidos entre outras poderão ser obtidas e melhor estudadas. Quando combinado com informações sobre imunogenicidade do antígeno e características imunológicas do hospedeiro em estudo, profundos conhecimentos permitirão a produção e comercialização de vacinas contra helmintos.


 
Figura 3 - Pipetagem (esquerda) e preparo da solução para amplificação de DNA pela Reação em
Cadeia da Polimerase (PCR) no termociclador (direita).

Vacina contra Haemonchus contortus

A tentativa de produzir uma vacina contra H. contortus é antiga e atualmente os trabalhos tem se dedicado ao estudo da função da proteína H11 que existe na parede intestinal deste parasita. Esta proteína é responsável pela digestão do sangue ingerido e as primeiras tentativas com a vacina induziram altos níveis de imunidade, mediada pela produção de anticorpos. Estes ensaios também demonstraram redução de 90% no número de ovos nas fezes e de 75% da carga parasitária. As proteínas que compõem o complexo H11, também conhecido como antígeno oculto, não foram reconhecidas pelo hospedeiro após infecção natural.
Experimentos realizados com H11 in vivo, na sua forma nativa para controle da haemoncose, resultaram em uma redução de 65% da carga parasitária em ovelhas. Dados mais recentes demonstraram que a imunização de animais em pastejo natural resultou em aumento da resposta
imune (IgG1 e IgG2) e que estão associados com baixos níveis de ovipostura do parasito. Um consórcio de pesquisadores ingleses e australianos divulgou em 2009 o patenteamento do processo e a produção comercial da primeira vacina contra H. contortus já para o ano de 2010. O futuro chegou finalmente!

Conclusão

O controle parasitário ou mesmo a erradicação de helmintos por meio de uma vacina permitirá um melhor desempenho dos rebanhos comerciais. O desenvolvimento de uma vacina não é fácil e para complicar existe a necessidade de que esta vacina seja eficiente contra um grande número de parasitas, para que se possa competir economicamente com os medicamentos de largo espectro. Então, o desenvolvimento de um complexo torna os resultados ainda mais demorados. A expectativa agora é continuar a descobrir novos locais de ação para outras vacinas mais eficientes com o objetivo de reduzir os problemas encontrados em áreas de grande ocorrência de parasitas. A biologia molecular permite a redução de custos na produção de vacinas, fator determinante na comercialização do produto. Esta ramificação da ciência é uma ferramenta de apoio para produção da maior parte das vacinas que se tornará disponível, pois viabilizará sua produção em larga escala.

O lançamento comercial de uma vacina está gerando grande euforia quanto a possibilidade de melhoria do estado sanitário em ovinos e caprinos. Descobertas como esta são de grande relevância para produtores rurais e para a saúde pública comunitária. 

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