domingo, 6 de junho de 2010

O Médico Veterinário, a Estratégia de Saúde da Família e o NASF

Reportagem da Revista do CFMF (Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XV - Nº 48 - 2009)


Elaborada pela Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária (CNSPV) E-mail: comissoes@cfmv.org.br



O Programa de Saúde da Família e o NASF:

Em 1988, por meio da Constituição Federal ficou estabelecido que a saúde é um direito de todos. No entanto, foi com a criação do Sistema Único de Saúde, o SUS, que efetivamente inovou-se quanto ao desenvolvimento de uma assistência básica de melhor resolução. Para tanto foram estabelecidos os princípios da universalidade, eqüidade, integralidade, hierarquização e controle social. Este era o Norte da bússola. Paralelamente, havia que se buscar novas estratégias de configuração da assistência. Havia que criar e/ou estreitar vínculos com as famílias, conhecer os indivíduos, conhecer os determinantes da saúde e das doenças local, criando as bases da referência territorial. Buscou-se uma assistência ativa: em lugar de esperar que espontaneamente as pessoas buscassem os serviços, a atenção básica iria até elas. A relação de confiança estava por ser construída. Assim, em 1994 o Ministério da Saúde criou o Programa de Saúde da Família, mais conhecido pela sigla PSF. Assistindo diretamente a famílias, se buscou intervir junto à promoção da saúde, prevenção de doenças e recuperação da saúde. O paradigma de referência passou a ser a atenção integral, na busca da integralidade da atenção.
Os Estados brasileiros registram múltiplos municípios que possuem equipes do Programa de Saúde da Família. A cada equipe cabe um território de atuação e as famílias e pessoas que se concentram na sua área de abrangência. Cada equipe conta com, pelo menos, um médico, um enfermeiro, um auxiliar ou técnico de enfermagem e de seis a doze agentes comunitários de saúde (Portaria MS nº 648 de 28 de março de 2006). Mais recentemente foi introduzido no PSF o odontólogo e técnicos de odontologia.
Em vinte e quatro de janeiro de 2008 foi editada Portaria/GM 154/ 2008, de modo a viabilizar a criação e desenvolvimento dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, conhecidos por NASF. A quase totalidade das profissões da saúde, de nível universitário, passou a integrar o NASF. Dentre as exceções, a Medicina Veterinária e a Biologia foram duas delas. Os Núcleos passaram a contar com distintos profissionais de saúde, para além dos que possuíam: Medicina (incluindo algumas especialidades como Acupuntura, Homeopatia, Pediatria e Ginecologia), Educação Física, Nutrição, Farmácia, Serviço Social, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia e Terapia Ocupacional. Os motivos da Atenção Básica para a criação dos NASFs foi a de dar o apoio estratégico e tático, às equipes mínimas do PSF, no que corresponde as ações a serem aportadas por cada uma das profissões ingressantes neste tipo de assistência. Enfim, o NASF foi concebido no sentido de complementar as equipes mínimas do PSF, em suas necessidades referentes às pessoas e famílias de suas jurisdições.
O NASF pode constituir-se segundo dois modelos:
- NASF 1: este modelo deve ter no mínimo, cinco profissionais de diferentes áreas, que, em princípio, não deverão ter mais de uma representação da mesma profissão. Deverão estar referenciados, no mínimo, a 8 e no máximo, a 20 equipes do PSF.
- NASF 2 : este modelo deve ter, no mínimo, três profissionais de diferentes áreas e estar vinculado, como mínimo, a 3 equipes do PSF.
Só poderá ser implementado um Núcleo por município, sendo que estes devem contar com menos de 10.000 habitantes por quilômetro quadrado.
Tanto para o NASF 1 quanto para NASF 2, o Ministério da Saúde repassará recursos, seguindo lógica semelhante ao PSF.

A Saúde Pública, a Estratégia de Saúde da Família, o NASF e o Médico Veterinário:

Desde 2004 a Comissão Nacional de Saúde Pública/CNSPV do Conselho Federal de Medicina Veterinária/ CFMV, passou a realizar seminários de saúde pública veterinária nas distintas regiões do país. Desde o primeiro seminário, foi evidenciada a posição de vários colegas, participantes dos seminários, no sentido de o Sistema CFMV vir a pleitear junto ao Ministério da Saúde, espaço para Médicos Veterinários junto ao PSF. Se inicialmente a questão pareceu ter matizes corporativos, é importante frisar, tal percepção teve curta existência. Os membros da Comissão de Saúde Pública Veterinária foram convencidos a se engajarem na caminhada pela legitimidade da inserção do Médico Veterinário no NASF. Os colegas passaram a solicitar que o Conselho Federal de Medicina Veterinária, juntamente com os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária, pleiteassem junto ao Ministério da Saúde, espaço para a incorporação de Médicos Veterinários junto ao Programa de Saúde da Família. Por tornarse uma solicitação recorrente, o CFMV, após muitas reflexões e discussões com a Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária e, mais tarde com a Associação Brasileira de Saúde Pública, adotaram o apelo da Categoria.
Passou-se, assim, a propor tal inserção ao Ministério da Saúde. Finalmente, se alguns dos objetivos do NASF foram constituídos de modo a projetar a ampliação do número de profissionais vinculados às equipes do PSF, para assim aumentar o escopo das ações da atenção básica, potencializando o trabalho das equipes, em princípio, ficaria difícil não engajar o Médico Veterinário em tal proposta. Considere-se que, em torno, 75% das doenças emergentes e reemergentes são de origem animal, incluindo as zoonoses. Considere-se também que, por decorrência do “sofrimento” ambiental, os maus tratos humanos à natureza têm sido responsabilizados pelo aumento de riscos do adoecer. Definitivamente, um território doente tem origem nas doentes relações entre pessoas e meio ambiente.
Independentemente de classe social, a ocupação e o manejo desorganizado dos espaços, têm sido responsável pela imposição e aumento de animais sinantrópicos (roedores, morcegos, pombos, baratas, mosquitos e moscas de distintas espécies, baratas, escorpiões...) e pelo crescimento de doenças como Leishmanioses, Leptospirose, Hantavirose, Raiva causada por quirópteros, Histoplasmose, Criptococose, Psitacose, agravos e doenças associadas à simulideos, mosquitos e moscas, oportunizando a ocorrência de cegueira dos rios, Dengue, Febre Amarela, Filariose, Doença de Chagas, Míiases, Bernes e acidentes com animais peçonhentos.
As descobertas da medicina científica tiveram imediatas repercussões positivas sobre a medicina veterinária de saúde pública, no final do século XIX. Dentre as positivas consequências cabe citar: incremento na produção de alimentos; desenvolvimento da higiene pessoal, ambiental e dos ambientes de trabalho. Estas conseqüências, quando somadas à promoção da saúde, e a consciência da determinação social das doenças - herança da Medicina Social -, criaram um terreno fértil para outros entendimentos referentes à questões sanitárias. A multicausalidade das doenças abriu caminho fértil a muitos saberes. O termo “saúde” ganhou maior complexidade conceitual, principalmente no século XX. Assim, ficou relativamente claro que exercer a promoção da saúde, a prevenção de doenças e agravos, intervir em reservatórios de doenças, etc..., transcende competências de uma ou outra profissão. A saúde, de fato, necessita relevar dos saberes de muitas profissões, tanto as do campo das ciências biológicas, como fora dela. Materializar tal entendimento passou a ser tarefa de um conjunto de profissões atuantes no segmento saúde, e, entre elas, a Medicina Veterinária.
Não raramente, alguém é surpreendido com o leque de possibilidades de atuação do Médico Veterinário na Saúde Pública. Dentre os múltiplos alimentos que compõem a dieta humana, por exemplo, grande parte passou pelas mãos de um Médico Veterinário, antes de chegar à mesa do consumidor. No entanto, a Medicina Veterinária é uma profissão antiquíssima, que nasceu, academicamente, ligada às necessidades das pessoas. Foi à função social dos animais que determinou o nascimento da primeira e segunda escola de Medicina Veterinária, na segunda metade do século XVIII, na França, Lyon e Maison Alfort, respectivamente.
Resguardando a verdade, a medicina veterinária de saúde pública é mais antiga que algumas das outras profissões que formam o segmento saúde. Mas, apesar disso, esta bastante desconhecida quanto a suas atribuições.
Alguns registros importantes da medicina veterinária de saúde pública:
- No Brasil, talvez a primeira grande tentativa de regular o comércio de alimentos tenha ocorrido em 1823, na cidade do Rio de Janeiro, por determinação de D. Pedro II.
- Nos Estados Unidos da América, em 1925, foi criado um programa de Medicina Veterinária de saúde pública.
- No Japão, em 1938, foram oferecidos os primeiros cursos de saúde pública aos Médicos Veterinários.
As distintas iniciativas mundiais de buscar o envolvimento e comprometimento da medicina veterináriacom a saúde pública ganharam novasformas a partir do término da IIª Guerra Mundial.
- Em 1949, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou a Seção de Medicina veterinária de Saúde Pública da OMS .
- Em 1956, na cidade de Buenos Aires, foi criado o Centro Pan-americano de Zoonoses da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).
- Em 1955, um grupo de peritos da OMS da região européia reuniu-se para definir as atribuições do Médico Veterinário na saúde pública.
- Em 1974, ocorreu uma reunião conjunta entre a OMS e a Food and Agriculture Organization (FAO).
Nesta oportunidade, foram definidas as atribuições do Médico Veterinário como profissional da área da saúde e, definitivamente, tornou-se pública sua responsabilidade na construção da qualidade de vida e saúde das pessoas.
Duas questões iniciais motivaramos participantes de tal reunião:
a) de que modo à profissão de Médico Veterinário poderia, hoje, melhor servir aos interesses da saúde do homem?
b) como se poderia melhor mobilizar os recursos consideráveis da profissão de Médico Veterinário para satisfazer as necessidades alimentares do homem?
Estas questões formuladas no ano de 1974 são, com certeza, norteadoras do trabalho do médico veterinário de nossos dias. Tais questionamentos, de algum modo, contribuíram para a construção e desenvolvimento de múltiplos projetos de saúde na área de alimentos (em seu sentido mais amplo) e na prevenção de zoonoses e agravos transmitidospelos animais ao homem. Afinal, a má distribuição mundial dos alimentos, incluindo sua falta quase absoluta em alguns continentes, assim como a crescente ascensão das doenças emergentes e reemergentes, que em sua grande maioria são zoonoses, ou agravos produzidos por animais, criou um cenário mundial para a Medicina Veterinária, inquestionável, tendo o Médico Veterinário como ator protagonista.
A publicação da OPAS, intitulada “Tendências futuras de la Salud Pública Veterinária” estabeleceu a integração da profissão de Médico Veterinário com o conjunto de profissões da área da saúde: “... La función de la SPV (Salud Pública Veterinaria) dentro del programa mundial de salud es promover actividades que contribuyan al logro de la salud para todos y ayudar a materializar sus objetivos. En los próximos 25 a 30 años currirán varios cambios que tendrán un efecto notable en la mayoría de los grupos profesionales, especialmente médicos y veterinarios. Algunos de estos cambios ya están en marcha y sus consecuencias son aparentes; en dos o tres decenios, llegarán a un punto en que la demora en reconocerlos podría ocasionar respuestas inadecuadas...”
No Brasil, sem sombra de dúvidas, a estruturação de sistemas estaduais e municipais de vigilância em saúde, tem qualificado o SUS.
A busca de entendimento dos fenômenos de morbi-mortalidade, partindo dos determinantes da multicausalidade do adoecimento se relacionam, diretamente, com ampla conceituação do termo “saúde”. Nesta concepção, a saúde se relaciona, e é entendida, a partir de seus vínculos de origem com outras áreas do conhecimento humano.
Não se corre o risco de falsear a verdade, quando é afirmado que o entendimento do binômio saúdedoença, por si só, não se utiliza de um instrumental próprio de análise e de intervenção. Assim, entender a saúde e a doença constitui um exercício que requer o uso de instrumentos e ferramentas das ciências biológicas, ciências sociais, física, matemática, entre outras áreas do conhecimento. Do mesmo modo, a saúde e a doença estão profundamente vinculadas, também, a determinantes estruturais, como eventuais serviços públicos de baixa qualidade, dificuldade de acesso a serviços, carência de bom acolhimento... Igualmente, há aspectos superestruturais de origem social, que contribuem para a saúde ou para a doença, resultantes, algumas vezes, de: crenças, preceitos e/ ou preconceitos religiosos, por exemplo. Igualmente cabe citar outras áreas que albergam determinantes da saúde/doença de ordem ambiental que podem, inclusive, ser fontes de morbidades relacionadas ao trabalho, domicílio e lazer. A partir desta complexidade de entendimentos, organizou-se nos serviços públicos brasileiros, uma reestruturação das vigilâncias. É criada a vigilância em saúde, envolvendo as três tradicionais vigilâncias, até então distanciadas entre si, a saber: a vigilância epidemiológica, a vigilância ambiental e a vigilância sanitária. Esta aproximação decretou, de algum modo a substituição de um antigo sistema de vigilância, mais que tudo, contemplativo, positivista e autoritário. O simples registro cartorial de morbidades e mortalidades, por vezes diletante, passou a ceder espaço à outra dinâmica de trabalho.
A “tele vigilância”, por assim dizer, passou a ceder espaço a quem pedia passagem: a vigilância em saúde. Desse modo buscou-se a superação de modelos tradicionais de vigilância, tanto quanto a atenção básica. Esta última buscou estruturar e disponibilizar a atenção integral, e a integralidade da atenção aos usuários do SUS. O território e seu manejo, enquanto gerador e/ou facilitador de doenças ganhou expressão. Ganhou expressão também as pessoas, as famílias enquanto, enquanto ocupantes e transgressores da ordem ambiental territorial.
A vigilância tradicional buscou sua superação por intermédio da harmonização das distintas vigilâncias, e sua aproximação estratégica com a atenção básica. Sem perder o controle conjuntural do adoecimento, a vigilância em saúde necessitou dispor uma fração de sua força de trabalho a serviço da saúde das famílias, vigiando a saúde e intervindo, quando necessário, em territórios circunscritos em função do controle e/ ou eliminação de doenças. Deste modo tornou-se aparente a necessidade de “tratar” as equívocas relações entre famílias ou grupos com seu entorno. Um entorno doente existe na medida em que existem relações diretas de apropriações e usos indevidos do território. Afinal, tais aproximações com o meio ambiente são capazes de gerar doença. Essa vigilância, que tem a condição de orientar e intervir junto a pessoas e territórios, a partir de trabalho conjunto com demais  profissões que compõem o NASF, difere da inserção tradicional dos médicos veterinários na vigilância em saúde. Do mesmo modo, diferem das demais profissões, que também fazem parte da vigilância em saúde e, por igual, integram as equipes do NASF. Certamente, há uma diferença de especificidade e sensibilidade entre atuar na vigilância em saúde tradicionalmente estruturada, que centra seu foco no conjunto de uma cidade, e outra que reduz seu cenário de observação e interação ao território circunscrito das famílias. Nesta última situação, o profissional necessita conhecer, com relativa profundidade, a forma como vivem as pessoas, como nascem como comem, como se divertem, como trabalham como adoecem, como morrem, e, quais são suas relações com os animais e as questões ambientais que as rodeiam, por exemplo.
É justamente pela qualificação de vínculos e, conseqüentemente, do trabalho, que se estrutura o pleito da Medicina Veterinária em relação ao NASF. A saúde ou a doença das pessoas se manifestam em seus corpos e na mentes e em função de múltiplos fatores predisponentes e determinantes do binômio saúde/doença. A saúde tem dono, muitos donos. Esses donos são as próprias pessoas, e não os técnicos, seus saberes ou as instituições a que se vinculam. Estas e aqueles poderão ser chamados de vigilantes, animadores, promotores, do processo de prestação serviço - resultante da aproximação pessoas/instituições de saúde –mas não poderão se arvorar a condição de proprietários de tal processo.
De qualquer modo, os serviços de vigilância em saúde, ainda registram dificuldades em constituir as aproximações, anteriormente referidas. Se a atenção básica consegue chegar cada vez mais perto das pessoas, o mesmo ainda não pode ser dito de grande parte dos serviços municipais de vigilância em saúde. Alguns são mesmo inexistentes. O Médico Veterinário,tanto quanto as demais profissões tem tido dificuldades de efetivar as aludidas aproximações. Desempenhando e concentrando, a maior parte de suas atividades de saúde pública nos serviços de vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental. O Médico Veterinário é peça fundamental no controle de doenças afetas a fatores ambientais que se articulam com a vida das pessoas, incluindo os domicílios, por suposto. Atualmente, as doenças emergentes e reemergentes, em sua maioria (incluindo as ditas Grandes Endemias), possuem origem animal ou a eles estão relacionadas. Várias antropozoonoses estão ligadas ao domicilio, numa franca relação de intimidade indesejável, com as pessoas. Assim, por óbvio que possa parecer, é necessário que os Médicos Veterinários possam se aproximar, cada vez mais, das pessoas, de seus domicílios e dos territórios nos quais se inserem a vida das famílias, seus animais e outros atores e composições ambientais.
Assim, para que não ocorra interpretação incorreta do que propõem o Conselho Federal de Medicina Veterinária à Coordenação Nacional do Programa de Saúde da Família, cumpre dizer que não se pretende que o Médico Veterinário componha  a equipe mínima da saúde da família. É nossa posição que o Médico Veterinário integre equipes multi-profissionais que se ocupem de territórios maiores. Desta forma, imagina-se que se possa estar assegurando à população, uma atenção básica domiciliar resultante de permanente vigilância. Espera-se impactar sobre o controle e/ou erradicação de várias doenças, sendo a Dengue uma delas. Sabidamente o mosquito responsável (Aedes aegypti) pela doença vive na intimidade dos domicílios. Portanto, a intervenção deve ser feita junto às famílias em suas residências. O mesmo poderá ser dito em relação a medidas de controle da Leptospirose urbana, quanto à antirratização ou desratização, ao controle das Leishmanioses e Raiva no seu ciclo urbano, entre outros exemplos.
A Medicina Veterinária, tal como as demais profissões que compõem o NASF, deve desenvolver ações de estratégia multiprofissional no que diz respeito à promoção da saúde, prevenção e controle de doenças e agravos à saúde. Entretanto, tanto quanto aos demais profissionais, caberá ao Médico Veterinário o desenvolvimento de suas especificidades no que diz respeito ao manejo técnico das questões ambientais e circulação de agentes e patógenos no território e domicílios, acompanhados de medidas que caracterizem a diminuição de riscos.
Espera-se que todas as profissões que venham a compor o NASF possam vir a estar  pedagogicamente capacitadas, e que possam exercer um papel educativo constante junto às famílias.
Quando as estatísticas de saúde revelam que a maior ocorrência de casos de toxi-infecção alimentar ocorre nos domicílios, uma vez mais caberá ao Médico Veterinário um trabalho  junto às famílias. Tal constatação aponta para a necessidade e responsabilidade do Médico Veterinário de fiscalizar os processos de boas práticas de produção, armazenamento, transporte e comercialização de alimentos junto à célula familiar.

Médico Veterinário e o NASF Juntos – Quem Ganha é a População:

Incentivados por correspondências do Conselho Federal de Medicina Veterinária e da Associação Brasileira de Saúde Pública Veterinária, vários Conselhos Regionais de Medicina Veterinária passaram a escrever a Secretaria de Atenção Básica do Ministério da Saúde, argumentando os porquês que os levavam a defender a inserção do Médico Veterinário no NASF. A maior parte das correspondências e contatos com o Ministério da Saúde deu-se no curso dos anos de 2007 e 2008.
Certa vez, uma comissão de servidores do Ministério da Saúde foi convidada a comparecer a sede do CFMV e, positivamente, os convidados presentes se surpreenderam diante da riqueza do espectro de atuação do Médico Veterinário na Saúde Pública. Ao término da reunião fomos convidados a visitar a coordenação da área no Ministério da Saúde. Do mesmo modo, repetiu-se um positivo impacto quando discorremos sobre nossa justificativa no que se refere à incorporação da Categoria no NASF. Foinos solicitado, de imediato, que fizéssemos um arrazoado contendo as razões de nossa solicitação. O fizemos, e fomos ter, após determinado tempo, com a Coordenação do Serviço, no Ministério da Saúde. Foi-nos falado sobre contenção de gastos e outras razões que nos impediam de participar do NASF. Diante de nossas contra-argumentações, por derradeiracontestação, foi nos perguntado se tratávamos pessoas. De fato, nesse momento nos entreolhamos incredulamente. E, para espanto de nosso interlocutor, a nossa resposta foi um enfático “SIM”. Neste momento a incredulidade trocou de lado... Explicamos a necessidade de reconceptualizar o que vem a ser tratamento de pessoas, por parte do Médico Veterinário de Saúde Pública, segundo o desenho de atuação que havíamos concebido para o NASF. Isso é, na medida em que são produzidas equivocadas relações de pessoas com o meio ambiente, a elas este se tornará torna hostil, por sua vez. Por conseqüência, “o tratamento veterinário” passa a se constituir num procedimento terapêutico de processo, e não somente de produto. Trata-se a relação das pessoas e famílias com o meio, e com o todo que se encontra ao redor. Assim é, por exemplo, que deve ser abordado o tratamento das pessoas em relação às questões ambientais que envolvem a Dengue e  as Leishmanioses, por exemplo. Diante da “Doença da Vaca Louca”, por exemplo, cabe a pergunta: efetivamente louca é a Vaca ou louco é aquele que concebeu uma dieta capaz de causar encefalopatia em herbívoros e seres humanos? Uma vez mais voltamos a afirmar que mais importante que o produto é o processo. O tratamento proposto pelos Médicos Veterinários não abre mão de relações dialógicas com vistas ao estímulo de recuos críticos e desenvolvimento de consciência sobre o problema constituído. Alguns parlamentares estaduais e federais, convencidos da nobreza desta causa, se juntaram a nossas fileiras. Entretanto, não obtivemos êxito quanto ao nosso pleito. Por mais de uma vez a Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária do CFMV foi ao Ministério da Saúde, ter com os dirigentes da Atenção Básica/Saúde da Família. Em fevereiro de 2008 nos foi enviada uma correspondência originada da Direção do Departamento de Atenção Básica. Nesta oportunidade o Diretor do Departamento de Atenção Básica reconhecia a importância do Médico Veterinário no campo das vigilâncias, na promoção da saúde e da prevenção de agravos produzidos por animais. Igualmente apoiava e recomendava a integração das ações de Vigilância com a Atenção Básica, em territórios definidos, com vistas ao exercício da integralidade da atenção no SUS. A referida correspondência é clara ao afirmar que a integração das ações de Vigilância e Atenção Básica decididamente suprime a necessidade de inclusão  do Médico Veterinário no NASF. Tal afirmação se dá sob a afirmação que este profissional já compõe os Centros de Controle de Zoonoses (CCZs). Diante de tal argumentação, vamos aos fatos: segundo estimativa do Ministério da Saúde para 2008, o Brasil possui aproximadamente 25.000.000 de cães e 10.000.000 de gatos. Conforme registros do Ministério da Saúde, em torno de 400.000 pessoas são agredidas e encaminhadas ao SUS, anualmente, em que pese o sub-registro. O Ministério da Saúde informa que, atualmente, existem 243 CCZs, e em torno de 10 em processo de construção (dados 2008). A população brasileira atendida por estes CCZs é estimada em 41,8%, ou seja, aproximadamente 78.156.873 habitantes. No entanto, essa avaliação parece não suportar uma argumentação mais incisiva. Em havendo a existência física de um CCZ no município, tal fato não assegura que toda a população municipal, por ele, se faça coberta, principalmente a que habita as zonas rurais. Se existem 243 CCZs com uma representatividade de apenas 4,3% dos municípios no país, a contrapartida a essa referência é que 5318 municípios brasileiros não possuem CCZ. Nesta situação, cabe perguntar: Estão os CCZs preparados para cumprirem suas funções e, paralelamente, absorver o assessoramento das equipes da saúde da família em territórios pré-determinados? E o restante dos municípios que não possuem CCZ?
Fica clara a existência de uma lacuna nos serviços públicos de saúde do país, no que diz  respeito à desatenção institucional, quanto à relação das pessoas e famílias. O mesmo pode ser dito em relação ao entorno dos indivíduos, incluindo seus domicílios. Espera-se, igualmente, que tenhamos o devido sucesso ao apresentarmos a pretensão da Medicina Veterinária, como profissão a quem cabe o preenchimento de uma parte das lacunas referidas. Esperase que se possa minimizar a magnitude de alguns problemas sanitários referentes ao estado de doença de núcleos familiares em áreas de risco para determinados agravos, envolvendo animais vertebrados, insetos,  saneamento e circulação de patógenos. De algum modo, a proposta de inclusão da Medicina Veterinária é tão nova para o NASF, quanto este o é para o PSF. Em sendo assim, a proposta é naturalmente passível de análise e ajustes. Não temos a pretensão de imaginar que esta é uma proposta acabada. No entanto, a inclusão da Medicina Veterinária no NASF representa a materialização da colaboração desta profissão à atenção básica de saúde às famílias beneficiadas pela Estratégia de Saúde da Família. Essa pode ser mais uma colaboração profissional referente a vigiar riscos e qualificação da vida.
Por meio de políticas públicas transversais, e responsabilidades públicas compartilhadas, estar-se-á contribuindo para as necessárias transformações culturais de servidores, pessoas e famílias. Com certeza esse tipo de ação é capaz de aportar aos indivíduos, uma vida melhor, mais digna e mais justa, em termos de saúde, assim como uma ocupação adequada dos espaços onde se vive, se trabalha ou se freqüenta, mesmo que esporadicamente.

NASF e Medicina Veterinária, uma relação a ser construída!

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