quarta-feira, 28 de julho de 2010

Considerações sobre transportes de longa duração

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Por: Camila Raineri, Zootecnista formada pela FZEA/USP, com mestrado em Qualidade e Produtividade Animal.

Augusto Hauber Gameiro, Professor Doutor do Departamento de Nutrição e Produção Animal da FMVZ/USP

Este mês trazemos para discussão o trabalho "The effects of 12, 30 or 48 hours of road transport on the physiological and behavioral responses of sheep". Ele foi realizado na  Austrália e publicado no periódico Journal of Animal Science.

Optamos por este artigo por abordar o tema do transporte dos animais de uma forma um pouco diferente da que estamos acostumados: os problemas decorrentes das longas jornadas, como a exaustão, perda de peso, desidratação, estresse, queda de imunidade e problemas metabólicos podem não estar relacionados apenas à duração da viagem, mas às condições em que esta viagem é realizada.

O Brasil é um país de dimensões continentais e é comum haver grandes distâncias entre unidades de criação até os frigoríficos. Por este motivo é tão importante conhecer os efeitos de transportes longos sobre os animais, e como tomar medidas que possam minimizar seus impactos negativos.

Estudos australianos sobre o assunto podem ser uma boa referência, uma vez que aquele país também precisa lidar com grandes distâncias de transporte e sua indústria ovina possui experiência e encontra-se bastante desenvolvida.

O objetivo do trabalho em questão foi determinar as respostas de ovinos saudáveis ao transporte rodoviário de 12, 30 ou 48 horas de duração, realizado sob condições de boas práticas de manejo. O estudo também visava identificar qual o tempo máximo de transporte aceitável sob o ponto de vista do bem-estar animal.

Foram utilizadas no estudo 120 ovelhas adultas da raça Merino, criadas sob condições de pastejo. Duas semanas antes do experimento estes animais foram pesados e separados em 6 grupos, para utilização nos 3 tratamentos (transporte por 12, 30 ou 48 horas), sendo cada tratamento realizado duas vezes.

As viagens foram programadas de forma que todos os caminhões retornassem à propriedade de partida no mesmo dia. Para que as condições dos animais estudados fossem similares às praticadas em transportes comerciais, foram utilizadas mais 1.490 ovelhas apenas para preencher os caminhões, de forma a criar
a densidade recomendada (0,22 m2/40 kg de peso vivo; 0,25 m2/50 kg de peso vivo). Estes animais de "preenchimento" foram misturados aos animais "experimentais" duas semanas antes do transporte, para que se adaptassem uns aos outros.

Os caminhões utilizados no experimento foram veículos comerciais, com 4 andares, e 4 repartições em cada andar. Cada repartição possuía a dimensão de 2,4 x 3 m. O piso era antiderrapante e sem cobertura de cama. Cada caminhão foi carregado com 350 a 450 animais, incluindo os 20 animais experimentais. Durante as viagens não foram fornecidos água ou alimento.

Os trajetos foram programados para incluir rodovias principais e vicinais, e os animais eram checados pelo motorista a cada 2-3 horas. As paradas para descanso do motorista foram realizadas de acordo com as práticas comerciais. Ao final de cada viagem, os animais foram imediatamente desembarcados e as ovelhas
"experimentais" foram separadas e as coletas de dados, realizadas. Elas permaneceram em grupos de viagem, alojadas em baias com acesso a piquetes de boa qualidade, feno e água por mais 72 horas antes de retornarem aos seus pastos. 

As coletas de dados realizadas para a condução do experimento foram:

i) peso vivo (antes e após a viagem);

ii) temperatura e umidade (medidas por sensores instalados dentro dos caminhões e na propriedade) ;

iii) urina;

iv) sangue;

v) comportamento.

As amostras de urina e sangue foram coletadas imediatamente antes da viagem, na chegada e após 24, 48 e 72 horas decorridas do transporte. O comportamento dos animais foi avaliado do momento em que os animais foram embarcados até 72 horas após a chegada. Estes dados foram utilizados para avaliar a perda de peso dos animais, grau de hidratação, estresse e fadiga muscular.

Os resultados obtidos demonstraram que a perda de peso dos animais aumentou proporcionalmente à duração da viagem, sendo de 4,9% para 12 horas, 9,8% para 30 horas e 12,1% para 48 horas. Segundo os autores, grande parte desta perda está relacionada ao esvaziamento do trato digestivo dos animais, que
não tiveram acesso a água ou alimento durante as viagens.

Embora a perda de peso possa ser muito importante sob o ponto de vista comercial, os efeitos sobre o metabolismo e hidratação são de maior relevância para o bem-estar dos animais. Neste experimento, vários parâmetros considerados indicaram redução da hidratação também proporcional à duração do transporte, porém a alteração não foi suficiente para demonstrar comprometimento clínico.

Não foi verificado efeito do transporte sobre a concentração de cortisol no sangue dos ovinos. Os autores
destacam que, segundo a literatura, é aceito que o momento de maior estresse de transporte seja o embarque e os primeiros minutos de viagem, enquanto os animais estão se adaptando à nova situação. Quando o transporte é realizado de maneira adequada, este efeito diminui à medida que os animais se acostumam. É provável que 12 horas tenham sido suficientes para que o nível de cortisol se normalizasse.

A fadiga muscular foi avaliada por análises bioquímicas e pelo comportamento durante e após o transporte. Houve elevação relativamente pequena na concentração da enzima cretina-kinase, utilizada como indicativa da fadiga, ao final das viagens. Nas primeiras 6 horas após a chegada os animais transportados por 30 e 48 horas não permaneceram deitados por mais tempo que os transportados por 12 horas. Possivelmente, neste momento os ovinos estavam se alimentando e bebendo água.

A conclusão dos autores foi que, quando realizados sob boas suficientes para indicar prejuízos ao bem-estar dos animais. Eles ressaltam que os resultados deste experimento não podem ser interpretados de forma a afirmar que transportes longos como os testados são apropriados para ovinos de qualquer categoria ou sob quaisquer condições.

Com base no estudo, podemos fazer algumas observações. O transporte de ovinos no Brasil ainda é realizado, na maioria das vezes, sob condições precárias. A maioria dos nossos veículos não é projetada para o transporte de ovinos, e muitas vezes não há nenhuma adaptação para tal uso. Não temos muitos dados sobre os impactos do transporte sobre os animais em condições brasileiras, ou com animais de genótipos ausentes em outras partes do mundo. Mesmo assim, muitas vezes transportamos ovinos por longas distâncias, seja para venda, abate, exposições ou qualquer outro motivo. O resultado é observado com frequência: intensa perda de peso, queda de resistência e ocorrência de doenças, contusões (inclusive as pré-abate) e acidentes.

Assim, se faz necessário que proprietários e transportadores tomem os cuidados necessários para que o transporte dos animais seja realizado de forma apropriada para cada situação. Alguns pontos críticos são a densidade dos animais nos veículos, as condições desses veículos (tanto em termos de compatibilidade com a espécie quanto de estado de conservação e segurança), a temperatura e a umidade elevadas (especialmente quando o veículo está parado, e o ar não circula junto aos animais), o manejo no embarque e desembarque, o transporte de animais muito jovens, de fêmeas em estágios avançados de gestação ou de animais debilitados, entre outros.

A melhoria das condições de transporte traria benefícios para os animais, na medida em que se respeitem suas necessidades e seu bem-estar, e econômicos pela redução dos prejuízos decorrentes das viagens, especialmente das mais longas.

Referências bibliográficas

FISHER, A.D.; NIEMEYER, D.O.; LEA, J.M.; LEE, C.; PAULL, D.R.; REED, M.T.; FERGUSON, D.M. The effects of 12, 30, or 48 hours of road transport on the physiological and behavioral responses of sheep. J. Anim Sci. v. 88, p. 2144-2152, 2010. 

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