quarta-feira, 28 de julho de 2010

Brasil debate retirada da vacinação contra febre aftosa

Rio Grande do Sul diz que não tem pressa para alterar status

Patrícia Comunello

O Rio Grande do Sul está sendo assediado por outros estados para apressar a mudança do status de zona livre de aftosa com vacinação. O secretário estadual da Agricultura, Pecuária, Pesca e Agronegócio (Seappa), Gilmar Tietböhl, afirma que recebeu há duas semanas documento e telefonema do titular da pasta da área de Minas Gerais, Gilman Viana, com pedido para aderir à eliminação gradual da vacina. A meta é buscar junto ao Ministério da Agricultura (Mapa) a autorização para a retirada nos animais adultos, acima de dois anos. Tietböhl condicionou a medida à consulta da cadeia produtiva local. A posição gaúcha será apresentada na reunião do Conselho Nacional dos Secretários de Agricultura (Conseagri), que ocorrerá hoje no Rio de Janeiro. A direção do Conseagri já conhece a proposta mineira e pretende aprovar posição conjunta dos membros.

A presidente do conselho, Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, confirma que levará à apreciação dos participantes a intenção de retirada gradual. Tereza consultou o Mapa e ouviu resposta negativa sobre eliminação da vacina somente para animais adultos. “O ministério acha que não tem amparo técnico, mas queremos discutir o mecanismo. Vamos fazer planejamento de como podemos implementar”, antecipou a presidente, citando que a redução na idade de abate pode ser bom argumento para a adoção do modelo proposto por Minas. O que seduz a dirigente, secretária de Agricultura de Mato Grosso do Sul, que tem fronteira de 1,5 mil quilômetros, é a possibilidade de uma ação coordenada dos estados para acelerar a implantação de zona livre sem vacinação nacional. “Na aftosa, não há debate político, é essencialmente técnico”.

 A condição sanitária dos estados em relação à aftosa será um dos principais temas do encontro. O conselho, que foi dirigido pelo secretário mineiro até agosto de 2009, discute os cronogramas e assiste a posições de busca de mudança de status, como a do Paraná, que já tem pedido no Mapa desde o ano passado. Rondônia fez a solicitação. Os paranaenses anunciaram, em maio, que pretendiam passar à condição sem vacinação neste ano, o que não deve se confirmar.

Hoje 14 estados, o Distrito Federal, dois municípios do Amazonas e outros 46 do Pará são zonas livres da doença com vacinação. Santa Catarina é o único que não vacina. Segundo Tietböhl, Viana enviou documento sobre a pretensão de suspender a vacinação a animais acima de 24 meses. O ofício, protocolado no ministério em junho, indicava a sugestão para que o Rio Grande do Sul acompanhasse a estratégia. “O Viana me ligou para reforçar o pleito. Deixei claro que respeitava a posição mineira, mas que não poderia me comprometer com a proposta sem consultar a cadeia produtiva”, recordou o secretário gaúcho. A meta do colega de Minas Gerais seria efetivar a alteração até 2011. 

Tietböhl dirá no Conseagri que não tem pressa em alterar o status. “Eles não dependem do Rio Grande do Sul para tomar uma decisão. A percepção é que se houver um movimento coordenado de várias regiões será mais eficiente para a relação com mercados externos”, justificou. “A mudança pode até ser gradual, mas não daremos nenhum passo sem nos reunirmos com a cadeia produtiva”, acautelou-se o secretário, que avisou: “O prazo não é de meses, mas de anos”, demarcou. Se adotasse o critério de idade, a vacinação atingiria 40% do rebanho de 13,5 milhões de cabeças.
Cadeia produtiva exige o fim de fatores de risco antes de mudança

O Rio Grande do Sul está dez pontos percentuais acima da exigência de cobertura vacinal, de 85% do rebanho. Na campanha de maio passado ostentou 95,3% de cobertura. Também cumpre critério como ter estados vizinhos com proteção. A fragilidade está nas fronteiras, segundo o secretário gaúcho Gilmar Tietböhl. A cautela reflete o temor de um repeteco do incidente de Joia, nas Missões, que protagonizou em junho de 2000 a volta da doença, após a conquista da zona livre sem vacinação em 1998. Além de perder o status, o Estado amargou restrições comerciais. O passivo mais visível foi a perda de 11 mil animais, um prejuízo calculado em R$ 10 milhões.

O presidente da Farsul, Carlos Sperotto, reforça que a cadeia produtiva nunca teve posição tão unânime como na condução da eliminação da vacina. Segundo Sperotto, a preocupação se concentra nas extensas fronteiras. Sejam no Sul ou no Oeste, com a Bolívia, mesmo sem contato direto com o Estado. “Estamos olhando mais a situação dos nossos vizinhos de fronteira que o quadro nacional. Pressão pode surgir, mas temos argumento robusto para não agir na euforia”, preveniu o dirigente.

O representante da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) na comissão de saúde animal do Comitê Veterinário Permanente do Mercosul, Luiz Alberto Pitta Pinheiro, ouviu comentários de dirigentes da pecuária de Minas de que o ritmo de eliminação da vacina estaria demorado. “Não somos contra a suspensão, mas não vamos fazer enquanto não tivermos garantia absoluta que o risco é desprezível”, justificou.

Na Expointer de 2010, de 28 de agosto a 5 de setembro, o governo pretende atrair representantes do Uruguai e Argentina para debater medidas de maior controle do fluxo de animais. Os convites serão feitos nesta semana durante visita de Tietböhl à feira argentina de Palermo, uma das maiores do setor na América do Sul.
Secretário mineiro aposta em apoio de colegas de pasta

Minas Gerais já adota a vacinação por idade. Há três anos a cobertura de todo o rebanho só ocorre em uma das duas campanhas anuais de imunização contra a aftosa, em novembro. Em maio, apenas os exemplares até dois anos recebem as doses. O titular da Seappa, Gilman Viana, solicitou, em junho, o aval do Ministério da Agricultura para suspender definitivamente as aplicações nos adultos. Segundo ele, o Mapa vetou alegando falta de segurança na aferição técnica da proteção do rebanho, o segundo maior do País, com 22 milhões de cabeças. O estado é o maior produtor de leite, somando 7,2 bilhões de litros.

Como o Mapa é o órgão que pode liberar ou não o procedimento, Viana aceitou a resposta, mas não desistiu da ideia. “Estamos com vacina há 15 anos. Se existir algum vírus ainda, ele já está morto e sepultado. Vamos ficar mais quanto tempo nesta situação?”, reagiu. “Isso parece missa. Tem de ir todo domingo e a fé é sempre insuficiente”, comparou à moda mineira, avisando ser católico pouco afeito a cultos. Mas contra a aftosa, o secretário garantiu que é aguerrido e investiu muito em estrutura sanitária, em pessoal e laboratórios.

Viana considera fundamental que sua pretensão tenha mais seguidores. Por isso, falou com o Rio Grande do Sul e vizinhos, como São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Bahia. “É importante formar pressão junto ao ministério. Isso não é rebeldia”, adiantou. Ele cita o exemplo dos catarinenses, únicos sem vacinação, como motivador para uma empreitada coletiva rumo ao mesmo status. “Não queremos buscar individualmente esta condição. Se os controles foram coordenados, temos maior chance de sucesso.” Já quanto ao temor de ataque pelas fronteiras, Viana apontou como única estratégia a tolerância zero.

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