sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Novo índice social da ONU aponta falhas na saúde brasileira

 O esforço do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para tentar traduzir em números algumas vivências e a influência dos valores nos avanços da sociedade brasileira revela que a saúde tem o pior desempenho entre os setores avaliados pelo Índice de Valores Humanos (IVH) - educação e trabalho completam as áreas analisadas. Lançado ontem em Brasília, o indicador é uma espécie de "filhote" do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que completa 20 anos em 2010.

Em uma escala de zero a um, sendo um o melhor resultado, o Brasil tem um IVH de 0,59. O item trabalho (IVH-T) teve nota 0,79 e educação (IVH-E), 0,54. O resultado para o indicador da saúde (IVH-S) fechou em 0,45. Os dados foram coletados em pesquisa feita no início deste ano pelo Instituto Paulo Montenegro, com amostragem nacional do Ibope, com 2.002 entrevistados em 148 municípios de 24 Estados. Um dos objetivos do novo mecanismo é contribuir para a discussão de problemas sociais e propostas de políticas para solucioná-los, com participação de pessoas, empresas e governos.

O Pnud utilizou metodologia que mescla questões objetivas e subjetivas para chegar ao resultado do IVH. Na área da saúde, o foco foi concreto: considerou o tempo de espera para atendimento médico ou hospitalar, a compreensão da linguagem usada por médicos e enfermeiros e o interesse do profissional do setor percebido pelo paciente. Sem distinguir setor público e privado, o IVH-S mostra que a saúde é pior para os brasileiros da região Norte, com nota de 0,48, e um pouco melhor no Sudeste (0,51), relação que se repete no resultado do IVH nacional e IVH-E. 

Esse resultado provocou polêmica. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, é veemente ao refutar o IVH. "É sempre muito positivo a construção de novos índices, que busquem avaliar a satisfação e a qualidade de vida da população, mas técnicos do ministério afirmam que o IVH tem várias fragilidades metodológicas e não mede o que pretende medir." 

Temporão se refere às perguntas usadas para avaliar a área da saúde, de caráter objetivo, enquanto as questões do IVH-E e IVH-T são mais subjetivas e "sentimentalistas", como liberdade de expressão, sofrimento e prazer ou ideal de educação. "O resultado soa como ilação, e comparar os temas é misturar banana, abacaxi e tomate", afirmou o ministro. 

Segundo ele, o mais seguro para avaliar a qualidade na saúde é usar levantamento feito com base em dados da mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), com 340 mil pessoas. "São números muito robustos, que mostraram que 86,4% dos entrevistados que haviam utilizado o serviço de saúde nas duas semanas anteriores à coleta de dados consideraram o atendimento bom ou muito bom", disse Temporão, que desqualificou o instituto de pesquisa responsável pela coleta de dados do IVH e também disse que o novo indicador não será considerado para nortear ações do Ministério da Saúde. 

Flávio Comim, economista-chefe do Pnud, explicou que as variáveis obtidas no IVH não são definitivas, embora sirvam como bom termômetro para o desenvolvimento social. "O primeiro objetivo das questões é envolver o cidadão com os temas e caminhar para a humanização de políticas. As perguntas colocadas são definidas internacionalmente, nenhuma foi inventada. Uma prova de que o resultado é robusto é que as pessoas mais pobres não disseram que estava tudo bem porque são pobres, há entendimento sobre os problemas do setor", afirma. 

Se pudesse dar uma nota à saúde pública em São Paulo, a frentista Jackeline Duarte Silva, de 27 anos, não seria muito generosa. Entre quatro idas e vindas a um hospital público, na zona oeste da capital paulista, por causa de uma torção do tornozelo, ela reclama do tempo de espera e "do pouco caso" dos médicos que a atenderam. "Ele só olhava para o meu pé, colocou uma tala e me liberou para voltar ao trabalho. Não deu três dias e o tornozelo voltou a inchar. Voltei e fui atendida por outro médico, que teve a mesma relação distante. Ele engessou meu pé. Agora, depois de seis dias, vim tirar o gesso e estou voltando para casa liberada, mas com o pé ainda inchado", relata Jackeline. 

Com mal-estar, a assistente administrativa Núbia Oliveira não reclamou ao esperar 40 minutos para ser atendida, ontem, em um hospital privado também em São Paulo. Ela conta que a demora foi compensada pelo serviço satisfatório recebido. "Tinha muita gente aqui, não sei quantos médicos estavam disponíveis. Mas quando entrei foram muito atenciosos e isso te dá segurança." O IVH também destacou a desigualdade. Um recorte mais detalhado do índice mostra que as pessoas mais pobres e menos escolarizadas são menos bem atendidas nos hospitais e postos de saúde, têm as expectativas mais baixas quanto à educação e experimentam as piores vivências no trabalho. O IVH nacional para quem recebe até um salário mínimo ficou em 0,55, enquanto o indicador para brasileiros que ganham entre 10 e 20 mínimos teve nota de 0,71. 


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