quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Ecotoxicologia



Helena Cristina da Silva de Assis
Méd. Vet., Dep. Farmacologia da Universidade
Federal do Paraná e membro da Comissão de
Meio Ambiente do CRMV-PR.
helassis@ufpr.br

O desenvolvimento industrial trouxe muitas comodidades ao homem, mas também contribuiu para a degradação ambiental, seja pela emissão de poluentes atmosféricos, contaminação do solo e da água ou ainda, por acidentes ambientais. Os contaminantes liberados ao meio ambiente pela ação antrópica, de uma maneira geral, podem causar diversos tipos de danos aos organismos vivos de um ecossistema, tais como comprometer os processos fisiológicos vitais como a respiração, reprodução e crescimento. Muitas substâncias além de apresentar toxicidade ainda persistem no meio ambiente, e podem vir a bioacumular na cadeia alimentar, promovendo riscos à saúde animal e humana. Entre os contaminantes destacam-se entre muitos outros, os metais pesados, organoclorados e os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos sendo muitos deles reconhecidamente carcinogênicos (Pedrozo et al. 2002).
Nos anos 60, Rachel Carson publicou seu famoso livro considerado um marco na história da poluição ambiental, (em português, Primavera Silenciosa), chamando a atenção para a insuficiência reprodutiva em aves e peixes, provocada pela bioacumulação de pesticidas organoclorados persistentes como o DDT (diclorodifeniltricloroetano). Além disso, ela sugeriu que tais efeitos poluentes na vida silvestre poderiam estar afetando de alguma forma à saúde humana. Esta obra trouxe à tona o temor da sociedade moderna com relação à introdução de substâncias sintéticas no ambiente e renovou o interesse público e governamental na ciência da toxicologia.
Com o início das investigações epidemiológicas, foi-se confirmando a hipótese de muitos xenobióticos serem perigosos para os seres vivos, bem como para a sua respectiva descendência, exercendo efeitos tóxicos em curto, médio ou longo prazo (Reys, 2001). O comprometimento da função reprodutiva nas espécies animais tem sido motivo de especial preocupação nos últimos anos. Com isso, percebeu-se que a utilização de compostos químicos desacompanhada da avaliação dos riscos para o ecossistema, constituía uma potencial ameaça para a saúde animal e humana. A partir de então, iniciou-se o desenvolvimento de estudos dos efeitos das novas substâncias introduzidas no meio ambiente, bem como seus respectivos produtos de degradação, com o intuito de minimizar os danos ambientais. As pesquisas realizadas nas universidades, nas indústrias químicas e em laboratórios privados estimularam o surgimento de uma nova área da toxicologia, a Ecotoxicologia ou Toxicologia Ambiental.
A Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia def ine ecotoxicologia como “a ciência que tem como princípio básico o es tudo dos efeitos dos agentes físicos, químicos e biológicos sobre os organismos vivos, particularmente sobre populações e comunidades em seus ecossistemas, incluindo as formas de transporte, distribuição, transformação, interações e destino final desses agentes nos diferentes compartimentos do ambiente”. Já a Toxicologia Ambiental incluiria ainda os efeitos dos contaminantes ambientais e outros agentes no homem. Entretanto, estes termos são geralmente utilizados como sinônimos.
Mais recentemente surgiu a Toxicologia Aquática, que foi definida como o estudo dos efeitos de substâncias químicas e outros compostos de origem antrópica ou natural sobre organismos aquáticos. O ambiente aquático é um meio invariavelmente atingido pelos poluentes ambientais. Isto pode ocorrer pela evaporação e posterior precipitação com as chuvas, ou pelo escoamento superficial ou despejo direto de efluentes em corpos d’água. A ocorrência de fármacos de uso humano e veterinário também vem sendo detectada em águas superficiais, sedimentos e esgotos domésticos no mundo todo. São representados por diversas substâncias, como antiinflamatórios, analgésicos, antibióticos, hormônios esteróides, compostos neuroativos, etc. Embora tenham sido submetidos a estudos farmacocinéticos, pouca informação se tem sobre o seu destino no ambiente e seus efeitos tóxicos em diversos organismos da fauna e flora aquáticas, certamente afetados, bem como dos animais que utilizam estas fontes como alimento. Existem também inúmeros relatos de criações, animais domésticos e silvestres e de populações humanas afetados pela ingestão de plantas e alimentos contaminados por substâncias tóxicas, principalmente por agrotóxicos, além do impacto em comunidades e ecossistemas próximos às áreas de plantações e pastos, onde estes produtos são utilizados. Dessa maneira, além do impacto sobre uma população específica de animais ou plantas, a dispersão de agrotóxicos no ambiente, por exemplo, pode causar um desequilíbrio ecológico na interação natural de duas ou mais espécies (Silva de Assis e Dalsenter, 2009).
Com o objetivo de monitorar, detectar, prever danos ambientais ou minimizar os possíveis impactos existentes numa região, os estudos de biomonitoramento devem ser realizados continuamente. O monitoramento biológico consiste na avaliação de certos organismos expostos visando detectar efeitos adversos. A inserção dos ensaios ecotoxicológicos como ferramenta de avaliação ambiental é de fundamental importância, pois não dependem da substância química estar ou não isolada, preenchendo a lacuna deixada pelas análises químicas. Os ensaios ecotoxicológicos têm por finalidade saber se as substâncias químicas, isoladas ou em forma de mistura, são nocivas a sistemas vivos, que podem ser fitoplancton, zooplancton, peixes, invertebrados ou outros, e como e onde se manifestam seus efeitos (Knie e Lopes, 2004). Podem ser utilizados para diversos fins, como por exemplo, no licenciamento de produtos químicos, na fiscalização de efluentes, no monitoramento da qualidade das águas. Cada aplicação dos testes, dependendo do objetivo da investigação, exige diferentes critérios na seleção do método e do organismo-teste. Atualmente, vários ensaios de toxicidade já estão bem estabelecidos, sendo alguns padronizados nacional e internacionalmente por associação ou organizações de nomalização, como Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), American Society for Testing and Materials (ASTM), American Water Work Association (AWWA), Deutsches Institut für Normung (DIN), International Organization for Standardization(ISO) e Organization for Economic Co-Operation and Development (OECD). Além dos testes ecotoxicológicos padronizados diversos testes têm sido aperfeiçoados e começa a existir um consenso sobre a utilização de biomarcadores como forma de incluir respostas a múltiplos fatores de estresse como as metalotioneinas, vitelogenina,proteínas de estresse entre outros.
De maneira geral, biomarcadores podem ser definidos como respostas biológicas aos poluentes ambientais que podem ser mensuradas indicando a presença e, em alguns casos, o grau de contaminação (Walker et al., 2001). Têm sido pesquisados e utilizados como metodologia alternativa e/ou complementar aos testes de toxicidade.
Biomarcadores podem ser identificados em cada um dos níveis organizacionais. Porém, é nos níveis mais básicos, nas respostas bioquímicas e moleculares, que os efeitos iniciais dos poluentes são observados. Nestas situações as alterações dos poluentes podem ser reversíveis, de forma que ações reparadoras possam ser tomadas evitando o comprometimento mais severo do ambiente. Uma questão que pode ser respondida por biomarcadores é se há contaminação ambiental em grau suficiente para causar efeitos fisiológicos. Se a resposta for positiva, investigações adicionais podem ser justificadas para determinar a natureza e o grau de contaminação. Por estas razões biomarcadores devem ser considerados como indicadores precoces de contaminação (Walker et al., 2001).
Em estudos ecotoxicológicos é recomendada a utilização de uma bateria de biomarcadores, uma vez que apenas a avaliação de uma única resposta biológica pode não refletir de forma ampla os danos à saúde dos organismos vivos de determinado ambiente impactado. Esse mesmo tipo de abordagem é o fundamento da técnica dos biochips, na qual a ativação de genes específicos em resposta a poluentes nos organismos permite que se construa uma espécie de chip com estes genes e genes sinalizadores, de forma que a indução do gene dos mecanismos de defesa é reportada pelo gene sinalizador (Lombardi e Fernandez, 2008). Desta maneira teríamos um organismo que emitiria uma resposta frente a um determinado poluente.
A ecotoxicologia desenvolveu-se como um campo de estudo multidisciplinar e esta área requer a atenção de novos profissionais para a prevenção e diagnóstico de efeitos tóxicos, uso racional e conservação ambiental. O médico veterinário é um profissional muito importante neste contexto e deve exercer a Medicina Veterinária contextualizando meio ambiente em todas as suas áreas de atuação.
Referências
Knie, J.L.W. e Lopes, E.W.B. Testes Toxicológicos: Métodos, Técnicas e Aplicações. FATMA/GTZ, Florianópolis, 2004.
Lombardi, A.T e Fernandez, M. Ecotoxicologia. In: Poluição Marinha (org. J.A. Batista Neto, M. Wallner-Kersanach, S.M. Patchineelam),  Ed. Interciência Ltda, Rio de Janeiro, p.369-394, 2008.
Pedrozo, M.F.M., Barbosa, E.M., Corseuil, H.X., Scheneider, M.R., Linhares, M.M. Ecotoxicologia e Avaliação de Risco do Petróleo. Série Cadernos de Referência Ambiental v.12. Salvador, 2002.
Reys, L. L. Tóxicos ambientais desreguladores do sistema endócrino. RFML, Grupo de Medicina Preventiva e Ciências Sociais. Faculdade de Medicina de Lisboa. Série III; p.213-225, 2001
Silva de Assis, H.C e Dalsenter, P.R. Agrotóxicos: Testes Toxicológicos Pré-Clínicos e Ecotoxicológicos. In: Toxicovigilância - Toxicologia Clínica, CIT Rio Grande do Sul, p. 29-38, 2009.
Walker, C.H., Hopkin, S.P., Sibly, R.M., Peakall, D.B. Principles of Ecotoxicology. Taylor & Francis. London. 2001.

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