quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Saúde Única: novas atribuições do Médico Veterinário

A convergência de pessoas, animais e do nosso ambiente criou uma nova dinâmica na qual a saúde de cada grupo está intimamente interligada. Os desaf ios associados a esta dinâmica, são exigentes, profundos, e sem precedentes. (AVMA, One Health, 2008, pg. 2,1º parágrafo). Nossa crescente interdependência com animais e seus produtos pode muito bem ser um fator decisivo de risco críticos para a nossa saúde e bem-estar no que diz respeito às doenças infecciosas (AVMA, One Health, 2008, p. 2, 2º parágrafo). A Medicina Veterinária é a prof issão de natural ar ticulação central no processo, por possuir em sua formação tanto a saúde animal, quanto saúde pública e saúde ambiental.
Existe uma preocupação crescente de que o mundo da atual geração possa ser o primeiro na história a experimentar uma redução na expectativa de vida e saúde de forma geral. Ainda hoje, a Medicina Veterinária e a Humana são consideradas entidades distintas e as evidentes ligações entre elas, frequentemente ignoradas (AVMA, 2008, p. 2, 3º parágrafo). Atualmente das 1.461 doenças conhecidas nos seres humanos, aproximadamente 60% são zoonoses, causadas por patógenos de mul ti-hospedeiros, car ac terizados por sua capacidade de circular entre diferentes espécies (Torrey EF, Yolken RH. Beasts of the ear th. New Brunswick, NJ: Rutgers Univer si t y Press, 2005). E, ao longo das úl timas três décadas cerca de 75% das nova s doenças infecciosas emergentes em humanos for am zoonoses (Taylor LH, Latham SM, Woolhouse ME. Risk factor s for human disease emergence. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci 2001;356:983–989; AVMA, One Health, 2008,p. 2, 3º par ágr afo).
Uma estratégia par a melhor compreender e resolver os problemas contempor âneos de saúde criados pela convergência humana, animal e ambient al é o conceito de “Saúde Única”. Esta abordagem vem incentivar a atuação conjunta de várias disciplinas de trabalho a nível local, nacional e globalmente, par a atingir saúde ótima par a as pessoas, animais e do nosso ambiente. (AVMA, One Health, 2008, p. 3, 4º par ágrafo).
O movimento da Saúde Única adota uma política que advoga o estreitamento de laços entre a medicina humana e a veterinária, convidando ambas prof issões para ações colaborativas e investigativas que auxiliem a avaliação, o tratamento e a prevenção das doenças de transmissão inter-espécies. Além disso, estimula a  discussão de estratégias, que reforcem a colaboração entre essas duas prof issões, na educação médica, cuidados clínicos, na saúde pública e na investigação biomédica ( JAVMA, One Health, 2007, p. 2, 1º ao 4º parágrafos).
Os benefícios da Saúde Única envolvem a:
1. Melhoria da saúde animal e humana a nível mundial por meio da colaboração entre todas as ciências da saúde, especialmente entre as profissões da medicina humana e da veterinária, para tratar de temas cruciais;
2. Reunião e discussão sobre os novos desafios globais através da colaboração entre as múltiplas profissões: medicina veterinária, medicina humana, saúde ambiental, saúde da vida selvagem e de saúde pública;
3. Desenvolver centros de excelência para a educação e formação em áreas específicas, através de uma maior colaboração entre faculdades e escolas de medicina veterinária, medicina humana e de saúde pública;
4. Aumento de opor tunidades para profissionais veterinários;
5. Utilizar o conhecimento científico veterinário na elaboração de programas inovadores que contribuam para a melhoria da saúde. (AVMA, One Health, 2008, p. 2, 1º parágrafo, 2ª coluna)
Em 14 de abril de 2007, o Conselho Executivo da Associação Americana de Médicos Veterinários (AVMA) tomou medidas para organizar uma iniciativa de Saúde Única, atendendo a uma recomendação feita pelo então presidente Roger K. Mahr, para constituir a Task Force One Health Initiative (OHITF). O objetivo da OHITF foi estudar a viabilidade de uma iniciativa que pudesse facilitar a colaboração e cooperação entre as profissões de saúde, instituições acadêmicas, órgãos governamentais e as indústrias e para ajudar na avaliação, tratamento e prevenção de doenças de transmissão interespécies e reciprocamente predominantes. As duas principais áreas de estudo da OHITF envolveriam:
1. Identificar questões e necessidades sociais globais e desenvolver soluções em colabor ação com as principais partes interessadas;
2. Assegurar que os países tenham infraestrutura e recursos para se preparar e responder a emergências ou desastres de Saúde Pública e Animal (AVMA, One Health, 2008, p. 11).
A OHITF também ficou encarregada, pelo Conselho Executivo da AVMA, de definir o conceito de “Saúde Única” e de apresentar recomendações e ações estratégicas que possam apoiar e expandir o conceito através de diferentes profissões per tencentes à área da saúde (AVMA, One Health, 2008, p. 11). Também ficou sob a responsabilidade da OHITF:
1. Articular uma visão de Saúde Única que irá melhorar a integração da saúde animal, humana e ambiental para o benefício mútuo;
2. Identificar as áreas onde essa integração já existe e onde ela ainda é necessária;
3. Identificar potenciais barreiras ou desafios p a r a e s s a i n t e g r a ç ã o;
4. Identificar possíveis soluções para a superação de barreiras ou desafios encontrados;
5. Preparar um relatório escrito para a Comissão Executiva detalhando as suas conclusões e recomendações (AVMA, One Health, 2008, p. 17).
O atual momento representa uma fase de transformação, no que se refere aos cuidados de saúde e prevenção de doenças, na qual a promoção da saúde das pessoas, animais e meio ambiente torna-se uma estratégia fundamental. As recomendações propostas pela OHITF podem servir como um plano de ação destinado a orientar indivíduos e profissionais durante o processo de mudança. (AVMA, One Health, 2008, p. 9, parágrafo do tópico “Call do Action”).
As decisões tomadas hoje tem impacto futuro. Vive-se em um mundo no qual a diferença entre o que pode ser imaginado e que pode ser feito nunca foi tão pequena. Contudo, para que ocorra uma transformação da magnitude desejada, são necessários espírito visionário e liderança. Embora a AVMA (Associação Americana de Medicina Veterinária) e a AMA (Associação Americana de Médicos) estejam ansiosas e dispostas a assumir a liderança neste esforço, não haverá êxito sem o devido apoio. A relutância de nossa prof issão ou de outras ciências da saúde em dar esse passo inicial poderá resultar, sem dúvida, em uma opor tunidade perdida. A prof issão de Medicina Humana também sofre com esse mesmo dilema, mas também deve decidir sobre seu futuro papel na Saúde Única. Para a Medicina Veterinária e para as outras ciências da área da saúde, o momento é agora (AVMA, One Health, 2008, p. 9, parágrafo do tópico “Call do Action”).
A Medicina Veterinária encontra-se em uma posição única. Os prof issionais médicos veterinários es tão bem ins truídos em ques tões como saúde pública, medicina comparada e medicina preventiva. A prof issão tem o potencial necessário para ajudar a conduzir os esforços da Saúde Única. A parceria é fundamental para o sucesso do conceito da “Saúde Única” (AVMA, One Health, 2008, p. 9, parágrafo do tópico “Call do Ac tion”). O prof issional médico veterinário deve auxiliar na implementação de soluções para os desaf ios decisivos a serem enfrentados por esse esforço em conjunto, através da colaboração com várias outras prof issões, incluindo a saúde pública, Medicina Humana, a Bioengenharia, a Ciência Animal, a Ciência Ambiental e a vida selvagem. Com o trabalho em conjunto, mais pode ser realizado para melhorar a saúde mundial, e a prof issão da medicina veterinária tem a responsabilidade necessária para assumir um impor tante papel nesse esforço (AVMA, One Health, 2008, p. 2 e 3, último parágrafo da 2ª coluna e primeiro parágrafo da 1ª coluna respec tivamente).
Ações inovadoras e ousadas incluem disciplinas conjuntas de graduação e pós-graduação de médicos e médicos veterinários, em par ticular nas áreas de saúde pública, zoonoses e saúde ambiental. No entanto, como citado no tex to acima, todas as áreas correlatas são de impor tância. Numa ação de vanguarda da UFPR, pretende-se criar um curso de cirurgia experimental que aceitará matrícula de alunos dos cursos de Medicina e Medicina Veterinária. Mas f ica a pergunta no ar: os alunos desta disciplina poderiam realizar programas de es terilização de cães e gatos durante as aulas? Devemos es tar preparados par a uma saúde única, que deve acontecer sem riscos de atribuição prof issional de cada área; ao contrário, que venha somar esforços em prol de benef icio comum: a saúde de todos.
O Paraná tem demons trado vanguarda na criação da Comissão de Zoonoses e Bem-Es tar Animal do CRMV-PR, e agora nosso desaf io é envolver de modo efetivo e propositivo a classe médica nes te processo. Em resumo, faz-se necessário que orientemos nossas ações para a convergência com as prof issões afins, de modo a cons tituir num futuro próximo uma medicina única tendo por objetivo uma saúde única, visando a saúde e o bem-es tar de pessoas, animais e meio ambiente.

Alexander Welker Biondo
Méd. Vet., docente da área de Zoonoses, UFPR
Marcelo Beltrão Molento
Méd. Vet., docente da área de Enfermidades Parasitárias, UFPR
Walfrido Kuhl Svoboda
Méd. Vet., docente da área de Saúde Ambiental, UFPR
Juliano Leônidas Hoffmann
Méd. Vet., Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema Único de Saúde (EPISUS) da Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde
Jonatas Campos de Almeida
Acadêmico do curso medicina veterinária UFPR zoonoses@ufpr.br

Disponível no Jornal do CRMV-PR

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