quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O atual limite de CCS do leite no Brasil está adequado?


Enviado por Roberto Amaral

Por Marcos Veiga Santos 
postado há 1 hora e 26 minutos atrás


A decisão do MAPA em prorrogar por seis meses a entrada em vigor dos novos limites máximos microbiológicos e de células somáticas do leite intensificou a discussão sobre os critérios para definição dos atuais limites utilizados na legislação. Além da prorrogação dos limites de CCS e CBT, por meio da Instrução Normativa 32/2011 (12/07/2011), o MAPA nomeou um Grupo de Trabalho com representantes do agronegócio do leite para "estabelecer novas diretrizes do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite, bem como definir competências e compromissos de cada elo envolvido na cadeia produtiva do leite, e apresentar proposta conclusiva dentro do prazo da presente prorrogação". Vale mencionar que este é o primeiro reconhecimento oficial da existência do PNMQL.

Dentro deste cenário de prorrogação, alguns representantes do setor produtivo e das indústrias têm questionado a viabilidade da adoção de um limite de 400.000 células/ml para o leite do Brasil. Os principais argumentos contrários são de que este limite é excessivamente rígido e, consequentemente, não seria atendido por uma grande parcela dos produtores. De acordo com dados compilados dos laboratórios da Rede Brasileira de Qualidade do Leite (RBQL), cerca de 50% dos produtores avaliados em 2010 não atenderiam ao critério de produção de leite com < 400.000 células/ml, 30% estariam entre 400.000 e 750.000 células/ml, e 20% acima de 750.000 células/ml.

Um pouco de história

No Brasil, a adoção de limites máximos de CCS do leite foi definida pela IN 51/2002 (MAPA), a qual estabeleceu um período de adaptação inicial de 3 anos para entrada em vigor do limite de 1.000.000 células/ml, em 2005, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste. Este legislação previa ainda que haveria reduções deste limite para 750.000 células/ml, em 2008 e, finalmente, para 400.000 células/ml, em 2011 (prorrogado para 01/2012). Para as demais regiões (Norte e Nordeste), os limites entrariam em vigor dois anos após as primeiras regiões. É importante lembrar que desde dezembro/1999, o assunto de mudança de legislação já era discutido, uma vez que pela Portaria MAPA 56/1999 foi submetida à consulta pública os regulamentos técnicos de qualidade do leite, que posteriormente foram adotados na legislação.

Com base cronograma proposto, a IN 51/2002 buscava, dentro de um período de 6 anos, sair de uma situação de ausência total de limites para um patamar similar ao padrão europeu de CCS do leite, o que indica um enorme desafio para a cadeia produtiva. A IN 51/2002 estabelece que a avaliação da CCS dos produtores seja feita com base na média geométrica dos últimos 3 meses. Como definição, a média geométrica de três amostras nada mais é do que a raiz cúbica da multiplicação dos três va lores em questão. Para facilitar a compreensão deste conceito, exemplificaremos a média geométrica de 3 valores: 10, 100 e 1000. Aplicando-se o conceito acima, inicialmente é necessário calcular o produto (multiplicação) entre os valores (10 x 100 x 1000 = 1.000.000) e posteriormente calcular a raiz cúbica deste produto (1.000.0001/3 = 100). Desta forma, a média geométrica dos valores 10, 100 e 1000 é igual a 100.

Nos EUA, o primeiro limite legal de CCS foi de 1.500.000 células/ml, adotado em 1970. Esta legislação somente foi alterada em 1986, passando para 1.000.000 células/ml, e em 1991 foi estabelecido o limite atual de 750.000 células/ml. Os estados podem definir limites diferenciados de CCS, como a Califórnia que adota o 600.000 células/ml. Desde 1997, entidades como o National Mastitis Council (NMC, Conselho Nacional de Mastite dos EUA) vêm propondo a redução deste limite para 400.000 células/ml, sem obter sucesso. Contudo, é necessá rio destacar que a definição de limites de CCS nos EUA é decidida por votação dos representantes de serviços de inspeção dos estados e não por representantes da cadeia produtiva. Mesmo com o limite de 750.000 células/ml, a média de CCS dos rebanhos norte americanos em 2010 foi de 228.000 células/ml (97% dos rebanhos sob controle de CCS) e apenas dois estados apresentam média acima de 400.000 células/ml.

Na União Europeia, foi adotado em 1985 o limite de 400.000 células/ml para o leite fluido de consumo humano, comercializado dentro da UE. Em 1992, este mesmo padrão foi estabelecido para todos os derivados lácteos, além do leite fluido (Council Directive 92/46/ECC). Considerando a grande influência dos padrões europeus sobre o mercado lácteo internacional, os principais países exportadores também adotaram padrão semelhante, entre os quais Nova Zelândia e Austrália.

Reduzir ou não o limite?

Os limite s máximos de CCS são usados para definir se o leite está ou não adequado para o consumo humano. A definição de um limite legal máximo de CCS do leite tem como pressuposto a proteção da saúde do consumidor. No entanto, a maioria dos especialistas concorda que o limite de CCS não está associado com riscos a saúde pública, pois as células somáticas estão naturalmente presentes no leite. Deste modo, não se pode considerar que haja diferença de segurança quanto ao consumo de leite com 400.000 ou 750.000 células/ml. Por outro lado, pesquisas científicas indicam que fazendas leiteiras com alta CCS apresentam risco aumentado de ocorrência de resíduos de antibiótico no leite. Considerados estes dois aspectos, pode-se questionar quais as razões e potenciais benefícios da adoção de limites mais rígidos de CCS no Brasil.

A CCS do tanque é um indicativo da ocorrência de mastite subclínica no rebanho. Além disso, está ligada às condições hi giênicas de produção de leite e a qualidade/rendimento industrial da fabricação dos derivados lácteos. Desta forma, ainda que não tenha relação com riscos à saúde pública, a CCS do leite está intimamente associada com a qualidade industrial do leite, com prejuízos aos produtores e indústria processadora, além de ter trazer restrições a entrada no mercado internacional. Além dos potenciais benefícios econômicos gerados pela redução da CCS do leite, pode-se citar algumas vantagens adicionais: a) aumento da confiança de consumidores no fornecimento de leite de alta qualidade para o consumo; b) harmonização de padrões internacionais de qualidade para o comércio de leite entre países; c) aumento da competividade dos produtos lácteos no mercado internacional; d) redução do risco de resíduos de antibióticos no leite; e) redução de custos de produção do leite em nível de rebanho. 

Dentre todos os potenciais benefícios da redução do limite legal da CCS, um dos mais significativos para a cadeia produtiva é a harmonização do limite legal com aquele adotado por outros países exportadores, o que poderia aumentar a competividade do leite brasileiro. Contudo, se o mercado externo não for uma das metas a serem buscadas pelo agronegócio do leite, a adoção de limites mais rígidos de CCS não parece ser limitante do ponto de vista de segurança e saúde pública para consumo interno.

Para os produtores, independentemente dos limites legais máximos a serem adotados para o leite, os atuais programa de pagamento por qualidade bonificam aqueles que entregam leite com menos de 400.000 células/ml. Em algumas empresas os maiores valores de bonificação somente são atingidos quando o leite apresenta CCS 200.000 células/ml e ocorre forte penalização do preço quando este valor ultrapassa 400.000 células/ml. Estes dados sobre os sistemas de pagamento por qualidade, cada vez mais comuns, indic am que o mercado se antecipa e define padrões de excelência de qualidade muito mais rígidos do que a legislação estabelece. Contudo, a legislação além de proteger a saúde da população, deve também criar condições para maior competividade do setor.

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