Vinicius Zepeda
Secretaria de Turismo do Rio Grande do Sul
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Segundo o artigo, o estudo servirá para reorientar políticas de controle sanitário relacionadas aos suínos |
Um artigo científico publicado recentemente no periódico internacional Parasites and Vectors (arquivo em PDF), por três pesquisadores brasileiros e dois americanos, acaba de descrever e apontar fortes evidências científicas de que os parasitas intestinais Ascaris lumbricoides (que normalmente infecta seres humanos) e Ascaris suum (o verme encontrado em porcos) devem se tratar, na verdade, da mesma espécie. Para a bióloga Daniela Leles de Souza, professora adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF) e principal autora do artigo, a comprovação servirá para dar novos rumos às políticas de controle sanitário relacionadas ao contato de humanos e suínos.
Segundo Daniela, a hipótese defendida até então era de que oAscaris lumbricoides havia surgido primeiro nos seres humanos e, após a domesticação pelos homens, há cerca de 10 mil anos, os suínos teriam adquirido o parasita; neles, ao sofrer adaptações, passou a se chamar Ascaris summ. A bióloga explica que os porcos domesticados só vieram para as Américas com a chegada dos europeus ao continente. "Assim, os defensores dessa hipótese afirmavam que se encontrássemos Ascaris em excrementos fossilizados – os chamados coprólitos – dos homens que aqui viviam antes da chegada de Colombo às Américas (os chamados povos pré-colombianos) antes deste período, a origem humana da infecção estaria comprovada", afirma. Pela metodologia utlizada até então, que era a microscopia ótica, não se havia encontrado a presença desses parasitas. "Nesse método, os Ascarissó seriam encontrados se ovos estivessem intactos nos coprólitos. Resolvemos então usar outra técnica, o diagnóstico molecular (análise de DNA), e verificamos sua existência", lembra.
Gutemberg Brito/Fiocruz |
A bióloga Daniela Leles utilizou técnica de análise de DNA para identificar a presença do parasita ascaris em suínos |
Apesar dos dados, num primeiro momento, confirmarem que o parasita havia surgido primeiro no homem, Daniela e seus colegas de trabalho não haviam ficado totalmente convencidos. Eles resolveram então fazer uma revisão bibliográfica sobre o assunto. "Foi então que vimos que, apesar da literatura científica não mostrar a presença de porcos domesticados antes da chegada dos europeus, já havia aqui outros animais da mesma família, como porcos do mato, caititu e queixada, que poderiam estar infectados", complementa. Daniela explica que esses dados, somados à alta similaridade genética entre os parasitas Ascaris lumbricoides e Ascaris suum, são fortes evidências científicas de que os dois podem se constituir em uma mesma espécie. Com a constatação, a infecção transmitida pelo parasita – a ascaridíase – passaria a ser identificada como uma zoonose, doença que tanto pode ser transmitida do animal para o homem, como ao contrário.
Popularmente conhecido como lombriga, o ascaris é responsável pela transmissão da ascaridíase. A doença, que manifesta sintomas somente com alta carga parasitária, é comum em populações mais pobres e pode levar à obstrução intestinal e mesmo à morte em casos extremos. No estudo, a bióloga enumera algumas medidas que poderão ser tomadas no futuro. "Uma delas poderá ser extinguir a prática comum de utilização destes excrementos como adubo para a terra", destaca Daniela.
O artigo publicado no periódico internacional é um desdobramento do projeto desenvolvido por Daniela durante seu pós-doutorado no Laboratório de Paleoparasitologia – ciência que estuda doenças e parasitas em vestígios arqueológicos – da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Seu orientador, o médico e coordenador do laboratório Adauto Araújo, destaca o fato de que o parasita encontrado nos porcos futuramente apresentará resistência à medicação que também é usada nos homens. "Sendo os dois tipos de ascaris a mesma espécie, há o risco de que, a longo prazo, a medicação usada nos homens se torne ineficiente", alerta a bióloga. Adauto Araújo destaca também a importância do artigo ter sido publicado no Parasites and Vectors, que tem uma grande importância na comunidade científica internacional. "A publicação é constantemente consultada por especialistas e outros profissionais interessados não apenas na parasitologia, mas também nos aspectos da saúde pública que envolvem estas questões", afirma Araújo sobre o projeto, que contou com auxílio do Programa de Apoio ao Pós-Doutorado (PAPD) da FAPERJ, em parceria com a Capes.
Em 2011, após passar em concurso para professora adjunta da UFF, Daniela deixou o trabalho que vinha realizando na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp). Entretanto, ainda hoje ela continua colaborando com projetos desenvolvidos pela equipe coordenada por Adauto Araújo, que também a orientou durante o curso especialização, mestrado e doutorado, com co-orientação da bióloga Alena Mayo, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Sua participação no projeto de pós-doutorado teve como principal desdobramento estreitar a parceria entre o Laboratório de Paleoparasitologia da Ensp e o Departamento de Microbiologia e Parasitologia do Instituto Biomédico da UFF. "Há duas pesquisas principais em colaboração entre nossas equipes: o estudo das infecções por protozoários no passado e as infecções parasitárias em animais extintos. Nosso objetivo principal é conhecer melhor a origem e a evolução das infecções parasitárias para melhorar ainda mais as políticas de saúde pública voltadas à higiene e saneamento básico em nosso país", conclui Araújo.
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