domingo, 2 de dezembro de 2012

métodos de análise e quantificação de gases do efeito estufa (GEE) nos EUA


Veja como são os métodos de análise e quantificação de gases do efeito estufa (GEE) nos EUA

Por Matheus Gabriel Maidana Capelari*
O aumento de renda da população mundial e o crescimento da classe média, principalmente nos países em desenvolvimento, levarão  a um contínuo aumento no consumo de alimentos de melhor qualidade. Em uma perspectiva mundial, a classe média alcançará três bilhões de pessoas e a população mundial deve chegar perto de 9.15 bilhões no ano de 2050. A China, por exemplo, com uma classe média atual do tamanho da população brasileira, triplicará esta mesma classe para 600 milhões em 2050. Segundo estimativas do IBGE (2010), a classe C brasileira cresceu de 34% em 2001 para 54% da população em 2011, atingindo 105 milhões de pessoas.
Para atender a esse aumento de consumo, a FAO (2009) estima que será necessário um incremento de 60% na produção de alimentos até 2050. Dessa forma, suprir a demanda mundial por alimentos será um grande desafio, principalmente quando se fala em produção de alimentos de forma sustentável (ELKINGTON, 2001).
Diretamente associadas ao aumento da produção de alimentos estão às discussões relacionadas aos impactos ambientais causados pela bovinocultura. Tais discussões ganharam repercussão, principalmente, após a publicação do relatório de quase 400 páginas, que a FAO (2006) produziu. Com o título “Livestock Long Shadow”, ou seja, “A grande sombra da pecuária”, em uma tradução livre,  o relatório mostrou o impacto ambiental de todo o ciclo pecuário com o uso da metodologia “Life cycle assessment” (LCA). Essa metodologia permite predizer o impacto ambiental de um determinado produto ou serviço durante o seu ciclo de vida (ISO, 2006). A conclusão do estudo foi que a produção pecuária mundial responderia por 7.100 Tg (Teragramas) de CO2 equivalente, o que representa 18% das emissões antropogênicas global de GEE. A título de comparação, o mesmo estudo relatou que a queima de combustíveis fósseis é responsável por 4.000 a 5.200 Tg de CO2 equivalente (FAO, 2006).
Com base nessas informações, não demorou muito para que as mais diversas interpretações fossem feitas, especialmente pela mídia, atingindo toda a sociedade e afetando diretamente a cadeia de produção de carne. Reduzir ou até eliminar a carne da dieta foi e continua sendo defendido por alguns como bom para o meio ambiente.
Três anos depois, o professor e pesquisador da Universidade da Califórnia-Davis, o PhD Frank Mitloeher, publicou o artigo “Clearing the Air: Livestock’s Contribution to Climate Change”, ou seja, “Limpando o ar: Contribuição da pecuária nas mudanças climáticas ”, em uma tradução livre, o qual aponta  a disparidade entre as metodologias utilizadas pela FAO para comparar as emissões de gases da pecuária com as emissões de gases da queima de combustíveis fósseis.  Enquanto, para a pecuária, utilizou-se o LCA-3, que quantifica todas as emissões de gases, sejam elas diretas (fermentação entérica e decomposição de fezes e urina) ou indiretas (emissões relacionadas a produção de alimento para os animais, processamento da carne, transporte, armazenamento e produção de insumos e outros), para a avaliação do setor de transporte, foi utilizada a LCA-1, quantificando apenas as emissões diretas, associadas principalmente com a combustão em si. Assim, emissões advindas do transporte e extração do combustível e da fabricação dos veículos não foram levadas em consideração pelo determinado estudo. Ainda, segundo o estudo de Mitloehner, nos EUA o setor de transporte é responsável por 26% na totalidade das emissões antrópicas de GEE enquanto a pecuária participa com menos de 3%.
Os pesquisadores da FAO responsáveis pelo relatório assumiram o erro, e o Professor Mitloehner no ano de 2012 foi convidado a assumir uma posição de liderança na entidade, trabalhando ao lado de produtores,  setor privado e indústrias,  a fim de desenvolver novos estudos e metodologias que quantifiquem os GEE na produção animal.
Sem dúvida, a metodologia “Life Cycle Assessment” (LCA) é a forma mais completa de se chegar a uma conclusão a respeito do real impacto ambiental de um sistema de produção, além de mostrar  as principais fontes de emissão para posterior desenvolvimento de tecnologias de mitigação específicas.  No entanto, um estudo que compara a pecuária com o setor de transporte utilizando um LAC completo  para a pecuária e outro simples  para o setor de transporte é, no mínimo, questionável. Assim, antes de se condenar uma atividade que gera emprego, renda e alimentos de alta qualidade, como é o caso da pecuária, os estudos devem ser primeiramente baseados em comparações equânimes, evitando interpretações e divulgações sensacionalistas.
O relatório, no entanto, não ameaça o futuro do setor, na verdade aponta muitos problemas reais que a pecuária enfrenta, responsabilidades que devem ser assumidas e desafios a serem superados para se produzir carne de forma realmente sustentável.
Estudos na Universidade da Califórnia-Davis
Diversos estudos têm sido realizados pelo Departamento de Ciência Animal da UC Davis com o intuito de estudar  quantitativa e qualitativamente os GEE emitidos pela produção animal. Diferentes alternativas nutricionais, principalmente aditivos que aumentem a eficiência alimentar ou reduzam a quantidade de gases, são testados em  ensaios in vitro e in vivo.
Os ensaios realizados in vitro para a avaliação  de alimentos e aditivos alimentar, consistem em métodos que sintetizam o ambiente ruminal em laboratório,  permitindo que diferentes materiais sejam testados em um espaço de tempo consideravelmente curto e com a geração de um bom volume de dados. Na técnica, o líquido ruminal é coletado de animais canulados e é adicionado a uma solução tampão e ao alimento e/ou produto a ser testado. Na UC Davis, seringas de vidro com capacidade de 100 ml e que possibilitam a coleta de gás  são utilizadas como recipiente de análise. As seringas são então encubadas a 39 °C em banho-maria, e leituras com coleta do gás são feitas durante 18 h consecutivas dentro de intervalos predeterminados. O volume total de gás produzido é quantificado, e amostras (dos gases produzidos) são analisadas posteriormente com o uso de cromatografia a gás  projetada especificamente para os gases alvo (CO2, CH4, N20).  Os métodos in vitro são mais baratos quando comparados aos in vivo, por não necessitar  grande quantidade de alimento e principalmente, por evitar o uso de animais. Somado isso com a geração de resultados confiáveis, essa técnica tornou-se mundialmente difundida.
A decomposição do esterco bovino também é fonte importante de GEE. Quando em ambiente anaeróbico, o material é fermentado e CH4 é liberado. Além disso, ruminantes não têm um aproveitamento eficiente de nitrogênio.  Dependendo do valor na dieta, grandes quantidades de nitrogênio podem ser eliminadas pela urina e pelas fezes, passando pelos processos de nitrificação e denitrificação com consequente formação de N20. Nos experimentos, quantidades predeterminadas de fezes e urina são coletadas dos animais e misturadas em proporções adequadas. O material é então introduzido em pequenas câmaras conhecidas como “câmaras de fluxo de gás”  que são, por sua vez, conectadas aos equipamentos de análise. Diferentes tratamentos são testados como alternativas na diminuição da produção de gases  ou no padrão de fermentação dos substratos que dão origem aos mesmos.
Estudos com silagem também são realizados na UC Davis. Minissilos são adaptados com pequenos tubos coletores que ligam o interior do silo a um recipiente para armazenamento. Os gases coletados  são então analisados com uso de cromatografia a gás  para a avaliação de ácidos orgânicos e alcoóis, que são compostos presente em grande quantidade nas silagens e potencialmente voláteis. Esses compostos voláteis têm grande importância por serem potenciais reagentes na formação de ozônio. O gás ozônio,  quando em média altitude (troposfera),  é um GEE. Também para as silagens, diversos aditivos e tratamentos são testados.
Diferentes metodologias podem ser usadas para coleta e estudo dos gases usando animais, ou seja, in vivo. Na UC Davis, duas são as formas usualmente empregadas. A primeira é conhecida como “head chambers” ou “câmaras de cabeça” (Figura 1). Elas são utilizadas  com o intuito de mensurar os gases emitidos pelo processo de eructação e respiração animal. As câmaras permitem que o ar presente em seu interior e os gases produzidos pelos animais, através de uma pequena pressão negativa, sejam levados para equipamentos de análises.  Os principais gases analisados pelos equipamentos são: CO2, CH4, N20, 02, etanol, metanol e compostos orgânicos voláteis (VOC).
As câmaras foram desenvolvidas e fabricadas na UC Davis com características únicas que as diferem de outras câmaras utilizadas previamente. Feitas com policarbonato, permitem a visualização dos animais por todos os ângulos. Alimento e água  a vontade são ofertados dentro da mesma. Os animais utilizados passam por treinamento e adaptação antes de serem colocados nas câmaras.
A segunda forma de estudo com animais é com a utilização das estufas ou “bolhas”. Grupos de até 12 animais (Figura 2) são alocados em cada bolha. As amostras dos gases gerados dentro da estufa são transportadas por circuitos até os equipamentos de análise localizados entre as próprias estufas. Esse tipo de estudo permite a avaliação da quantidade de gases gerados em um determinado espaço de tempo e incluem, além dos gases emitidos pela eructação, os que são produzidos pela decomposição de fezes e urina.
Os resultados positivos no uso dessa tecnologia e a importância do assunto vão levar à construção de mais oito estufas, com previsão de serem concluídas até o segundo semestre de 2013. Ao final, a UC Davis terá doze dessas estufas (Figura 3).
Figura 1 – Câmaras sendo preparadas para uso em experimento (À direita cilindro com gases usados como padrão de comparação e armário para  instrumentação). Fonte: UC Davis (2012)
Figura 2 – Animais em experimento dentro de uma das estufas na UC Davis
. Fonte: UC Davis (2012). 
Figura 3 – Estufas ou “bolhas” do Departamento de Ciência Animal. Fonte: UC Davis (2012).
 
Considerações finais
A pecuária tem uma importante contribuição na geração de gases do efeito estufa. Pesquisas realizadas na UC Davis pelo professor Frank Mitloehner constataram que a produção   pecuária não tem um impacto maior que o setor de transporte nas emissões  de GEE. Metodologias para avaliação das principais fontes de emissão e estudos em alimentos e/ou produtos mitigadores ainda se fazem necessários. Para o Brasil, e outros países em desenvolvimento, o baixo uso de tecnologia e a baixa eficiência de produção colaboram para uma taxa maior de participação da pecuária nas emissões antropogênicas de GEE.
Apesar de estudos mostrarem que a capacidade de retenção de carbono pelas pastagens pode variar de 0.8-2 t/ha/ano, aproximadamente 50% dos mais de 200 milhões  de hectares de pastagens no Brasil encontram-se degradados ou em processo de degradação. Ao Brasil cabe agora, atrelado ao novo Código Florestal, primeiramente não avançar sobre novas áreas florestais. A prática da agricultura de baixo carbono (ABC), já utilizada por alguns produtores, pode revolucionar o campo pelos resultados que proporciona para os produtores e para o meio ambiente através da integração lavoura, pecuária e floresta, manejo de pastagens, recuperação de áreas degradadas, plantio direto e produção de biogás e bioenergia.
O aumento da eficiência de produção com terminação de animais mais jovens em menor espaço de terra nos manterá como líderes de produção,  ajudando a suprir a crescente demanda mundial por alimento de uma forma que os produtores sairão ganhando e o planeta será menos atingido.
Matheus Gabriel Maidana Capelari – estudante do quinto ano de Medicina Veterinária da Universidade Estadual de Londrina/Universidade da Califórnia- Davis.
Referências Bibliográficas
ELKINGTON, J. Canibais com garfo e faca. São Paulo: Makron Books, 2001.
FAO.FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATION. Livestock´s Long Shadow, 2006. Disponível em: < http://www.fao.org/docrep/010/a0701e/a0701e00.HTM.>. Acesso em: 12 nov. 2012.
FAO,FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATION, Global Agriculture toward 2050, 2009, Disponível em: . Acesso em: 12 nov. 2012
IBGE 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísca. Disponível em http://IBGE.gov.br. Acesso em 10 de novembro de 2010.
ISO.INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 14040 – Environmental Management – Life Cycle Assessment – Principles and Framework, 2006. Disponível em: < http://www.iso.org/iso/iso_catalogue/catalogue_tc/catalogue_detail.htm?csnumber=37456>. Acesso em: 10 nov. 2012
KROLL, A. A Tearful, Reluctant Farewell to My Favorite Food: Meat. Fox News USA, 2009. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2012
PITESKY, M. K.; MITLOEHNER, F. M. Clearing the Air: Livestock’s Contribution to Climate Change. Advances in Agronomy, U.S.A, v.103, 2009.
PLACE, S. E.; PAN, Y.; ZHAO, Y.; MITLOEHNER, F. M. Construction and Operation of a Ventilated Hood System for Measuring Greenhouse Gas and Volatile Organic Compound Emissions From Cattle. Animals, U.S.A, n.1, 2011.

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