quinta-feira, 15 de julho de 2010

Autópsias feitas em animais no Golfo do México revela apenas um mistério

Autópsias feitas em animais no Golfo do México revela apenas um mistério

The New York Times

Shaila Dewan,
Em Gainesville, na Flórida (Estados Unidos)


A tartaruga-de-Kemp jaz de barriga para cima na mesa metálica de autópsia, pálida como uma sopa de ervilhas amarelas, exceto pelo “X” de cor laranja brilhante pintado na sua carapaça, que prova que ela foi registrada como parte da “ocorrência incomum de mortalidade” que está em andamento no Golfo do México.

Cortada pela faca habilmente manejada do patologista veterinário Brian Stacy, o espécime começa a revelar os seus segredos: primeiro, quando a carapaça peitoral é levantada, surge uma massa de órgãos ressecados na poça de um líquido vermelho malcheiroso que é produzido à medida que avança o processo de decomposição. A seguir, aparecem as reservas de gordura, indicando boa saúde. Depois, quando Stacy abre o esôfago do animal, surge a pista mais reveladora: um pedaço de camarão, o último alimento que foi ingerido pela tartaruga.

“A gente não vê camarões sendo consumidos como parte da dieta normal das tartarugas-de-Kemp”, diz Stacy.

Essa tartaruga, que foi encontrada flutuando em Mississippi Sound em 18 de junho, é uma das milhares de criaturas mortas que foram coletadas ao longo da costa do Golfo do México desde que a plataforma de petróleo Deepwater Horizon explodiu. Examinadas para que se determine se elas contém petróleo, rotuladas e enroladas em “sacos de corpos” de plástico selados com fita de perícia legal, as carcaças – cujo número é muitas vezes superior ao que é normalmente encontrado nesta época do ano – estão se acumulando em caminhões frigoríficos estacionados ao longo da costa, aguardando que cientistas como Stacy, que trabalha para a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês), deem início ao processo de investigação para determinar o que matou esses animais.

Apesar do suspeito óbvio, o petróleo, a resposta está longe de ser clara. A grande maioria dos animais mortos que foram encontrados – 1.387 pássaros, 444 tartarugas, 53 golfinhos e um cachalote – não traz sinais visíveis de contaminação. Grande parte da evidência no caso das tartarugas aponta, na verdade, para a atividade de pesca do camarão ou outras modalidades de pesca comercial, mas outros suspeitos incluem gases de petróleo, alimentos contaminados pelo produto, os dispersantes utilizados para fragmentar o petróleo ou até mesmo doenças.

O rastro de evidências tem início nas patrulhas marítimas no Mississípi, onde mais da metade das tartarugas mortas foi encontrada, e termina em um laboratório de toxicologia em Lubbock, no Estado do Texas, e nesta sala de autópsia animal na Universidade da Flórida em Gainesville.

Os resultados ajudarão a determinar quantos milhões de dólares a British Petroleum pagará devido a processos civis e criminais – uma quantia que é bem maior em se tratando de espécies ameaçadas como as tartarugas marinhas –, e proporcionarão uma grande quantidade de informações relativas aos pouco conhecidos efeitos do petróleo sobre as espécies protegidas do Golfo do México.

Procurando uma pista

Em um laboratório da Universidade de Tecnologia do Texas, em Lubbock, Jennifer Cole, uma estudante de pós-graduação, está fatiando um precioso pedaço de tecido vivo de golfinho em seções de 0,3 milímetros de espessura.

Supervisionada por Celine Godard-Codding, uma toxicologista especializada em espécies ameaçadas, Cole está estudando o citocromo P450 1A1, uma enzima que degrada hidrocarbonetos.

As amostras de tecidos representam uma das únicas maneiras de se aprender mais a respeito de toxinas em mamíferos oceânicos e tartarugas marinhas. Mas a condição de animais protegidos dessas espécies limita os tipos de estudos que podem ser feitos sobre eles. Os pesquisadores não podem, por exemplo, realizar experimentos para determinar a intensidade de exposição ao petróleo que esses animais suportam.

O petróleo – inalado ou ingerido – pode provocar lesões cerebrais, pneumonia, danos aos rins, estresse e morte. Os cientistas que trabalham com o vazamento da British Petroleum viram animais cobertos de óleo que estão sofrendo de extrema exaustão e hipertermia, já que o petróleo flutuante atinge temperaturas superiores a 54ºC, diz Stacy.

Muito menos se sabe sobre os efeitos dos dispersantes, tanto no que se refere a estes produtos em si quanto à mistura deles com petróleo, embora quase oito milhões de litros dessas substâncias já tenham sido usadas pela British Petroleum na tentativa de amenizar os efeitos do vazamento.

Estudos revelam que os dispersantes, que fragmentam o petróleo em pequenas gotras e que podem fragmentar também membranas celulares, tornam o petróleo mais tóxico para certos animais, como filhotes de pássaros. E os solventes que eles contêm são capazes de romper as células vermelhas do sangue, provocando hemorragias.

Pairam suspeitas sobre os camaroneiros

Quando o tenente Donald Armes, da Patrulha Marítima do Mississípi, ouviu falar da grande quantidade de tartarugas que apareceram mortas nas costas do Estado, a primeira suspeita que lhe veio à mente não foi o petróleo, mas sim os barcos camaroneiros.

“A gente conclui instantaneamente que há algo de errado com os 'dispositivos' usados por certas pessoas”, disse ele recentemente. Por “dispositivos” ele se refere aos dispositivos excluidores de tartarugas, que os camaroneiros deveriam usar. Sem eles, as traineiras podem ser um dos maiores perigos para as tartarugas, que podem ficar presas nas redes e afogarem-se. Os dispositivos proporcionam a elas uma via de escape. Um outro tipo de rede para a pesca do camarão, chamada skimmer, não está sujeita à exigência legal de ser dotada de um dispositivo excluidor. Em vez disso, o período durante o qual as redes skimmer podem ser arrastadas pelas embarcações é limitado, a fim de proporcionar às tartarugas capturadas uma oportunidade de subirem à tona para respirar.

Quando a estação de pesca do camarão teve início no Mississípi, em 3 de junho, a patrulha marítima inspecionou todos os barcos e não encontrou qualquer violação à lei relativa aos excluidores, diz Armes. Mas, em 6 de junho, 12 tartarugas mortas foram encontradas no Mississípi em um único dia. Mortandades similares de tartarugas ocorreram quando trechos das águas da Luisiana foram abertos para a atuação dos camaroneiros, e como a maior parte das águas na área do vazamento da British Petroleum foi fechada para a pesca, as mortes de tartarugas diminuíram.

Os camaroneiros emergiram como um dos suspeitos principais na investigação feita pela NOAA, quando, após uma série de necrópsias realizadas em tartarugas no início de maio, Stacy anunciou que mais da metade das carcaças apresentava sedimentos nas vias aéreas ou nos pulmões – algo que evidencia morte por afogamento. Segundo Stacy, a única explicação plausível para um número tão elevado de mortes por afogamento é, conforme ele diz, “a interação com os pescadores”.

Os ambientalistas viram essa descoberta como uma confirmação das suas suspeitas de que os camaroneiros, aproveitando-se do fato de a Guarda Costeira e outras agências de inspeção estarem ocupadas com o vazamento de petróleo, desativaram os seus dispositivos de exclusão de tartarugas.

Autoridades nos Estados de Luisiana e Mississípi dizem que tartarugas morrem na temporada de pesca de camarão, mesmo quando os camaroneiros obedecem à lei, devido a colisões com embarcações e outros acidentes. Eles dizem ainda que uma quantidade muito menor de camaroneiros está trabalhando desde o início do vazamento, em parte porque muitos deles alugaram os seus barcos para a British Petroleum. Isso deveria significar uma diminuição, e não um aumento, de mortes de tartarugas.

Mas tem havido também atividades ilegais. Na Luisiana, agentes do governo apreenderam mais de 9.000 toneladas de camarão e autuaram mais de 350 pescadores profissionais que trabalhavam em águas que se encontravam fechadas para a atividade devido ao vazamento de petróleo. Em junho, no Mississípi, três traineiras foram pegas em flagrante excedendo o tempo máximo legal de arrasto – uma delas apenas horas após o camaroneiro ter recebido um folheto que explicava que o período máximo de arrasto de redes havia sido reduzido, conta Armes.

Identificando dificuldades

No laboratório de necrópsias em Gainesville, Stacy abre a delicada traqueia da tartaruga, em busca de traços de sedimentos, um sinal de morte por afogamento. Ele não descobre nada na traqueia, e a seguir examina a membrana ressecada, que mal pode ser reconhecida como sendo os pulmões do animal. Nos pulmões, ele também não encontra nada.

De certa forma, as necrópsias têm apresentado mais questões do que respostas, demonstrando como o petróleo tornou-se apenas mais uma variável em um ecossistema complexo. No final de junho, um golfinho examinado no Instituto de Estudos de Mamíferos Marinhos, em Gulfport, no Estado do Mississípi, apresentava sinais de emagrecimento, mas o seu estômago estava cheio de peixe, o que sugeria que ele poderia ter comido exageradamente após enfrentar um período de dificuldade para encontrar alimento.

Um outro golfinho, com costelas quebradas, foi atingido por um barco, uma catástrofe que os golfinhos geralmente são suficientemente ágeis para evitar. O veterinário, Connie Chevis, descobriu uma substância semelhante ao piche na garganta do golfinho. A substância será analisada para que se saiba se ela é oriunda do vazamento da British Petroleum, mas uma hipótese é que o animal possa ter ficado desorientado devido à exposição ao petróleo, que pode ter um efeito narcótico, fazendo com que os golfinhos fiquem incapazes de evitar uma colisão com um barco. Lori Deangelis, uma operadora de uma empresa turística de observação de golfinhos em Perdido Bay, diz que os golfinhos observados nos seus recentes passeios têm “agido como se tivessem tomado uns três martínis”.

O resultado gera questões quanto aos efeitos indiretos do petróleo. Seria o petróleo, por exemplo, responsável por um suposto aumento acentuado do número de tartarugas nas águas costeiras do Mississípi e da Luisiana? A população de tartarugas-de-Kemp tem se recuperado graças a anos de medidas de proteção. Mas alguns cientistas especulam que o vazamento de petróleo estaria fazendo com que os animais marinhos rumassem para a costa, saturando áreas nas quais existe um maior tráfego de embarcações, e criando as condições para que ocorram acidentes fatais.

Tradução: UOL

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