quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Inspeção Sanitária Animal no Haiti

Inspeção Sanitária Animal no Haiti –
Major Veterinário Francisco Augusto Pereira dos Santos
 A Resolução nº 1.542 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), de 30 de abril de 2004 criou a Missão das Nações Unidas para a Estabilização  do Haiti (MINUSTAH), com a finalidade de pacificação dos conflitos internos daquele país, atribuindo ao Brasil a liderança da missão em sua capital Porto Príncipe.
 Com o advento do terremoto de 7.0 graus na escala Richter que atingiu aquele país em janeiro de 2010, causando um total estimado de 200.000 mortes, centenas de desabrigados e prejuízos incontáveis ao já deficiente sistema sanitário, o Comando de Operações Terrestres (COTER), órgão do Exército Brasileiro responsável pela manutenção da missão no Haiti, em maio deste ano, designou uma equipe com dois oficiais veterinários e um sargento de saúde, a fim de proceder a uma avaliação higiênicosanitária, ambiental e epidemiológica no Contingente Brasileiro (CONTBRAS). O efetivo empregado foi oriundo do Instituto de Biologia do Exército (IBEx) no Rio de Janeiro, instituição responsável pela realização dos exames laboratoriais no Contingente Brasileiro por ocasião de sua partida do Brasil e retorno do Haiti.
  O IBEx também possui em seus quadros, uma Divisão de Ensino e Pesquisa com profissionais capazes de avaliar os resultados obtidos nas diversas análises utilizadas.
 Foram empregados na missão, no período de 5 a 19 de maio, o Major Veterinário Francisco Augusto Pereira dos Santos, formado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, especialista em Inspeção de Alimentos e a 1º Tenente Veterinária Karen Gomes de Souza, formada na Faculdade Estácio de Sá e com Pós-Graduação em Higiene e Saúde Pública e Inspeção de Alimentos de Origem Animal.
 Para atingir os objetivos definidos, foram utilizados equipamentos tais como termômetro espeto, termômetro infra-vermelho, balanças convencionais e analíticas, phmetro, lupas, entre outros, e acondicionados em “cases” especialmente confeccionados para a missão.
 Dividimos em sete as categorias a serem observadas:
 1. Gestão do Controle de Vetores
2. Gestão da Segurança Alimentar
3. Gestão dos Resíduos de Saúde
4. Gestão da Água
5. Gestão do Controle de Pragas
6. Gestão da Prevenção de Zoonoses
7. Gestão dos Resíduos Sólidos e Líquidos de Viaturas e Geradores
 1. Gestão do Controle de Vetores
 Segundo dados da ONU, o Haiti é considerado endêmico para o dengue com transmissão através do mosquito do gênero Aedes aegypti e possui alto risco de acometimento por malária durante todo o ano, tendo como principal transmissor o mosquito do gênero Anopheles albimanus. Em 2008, foram relatados 36.774 casos de malária dos quais 740 ocorreram na capital, Porto Príncipe.
 Quase todos os casos são pelo Plasmodium falciparum, protozoário sensível ao tratamento por cloroquina, droga preconizada como primeira linha de prevenção e tratamento. Com a finalidade de monitoramento da atividade dos mosquitos na Base Brasileira no Haiti, foi realizada uma pesquisa em armadilhas (PAr). Foram colocadas ovitrampas em locais estratégicos da Base. Ovitrampas são depósitos de plástico preto com capacidade de 500 mL, com infusão atrativa para mosquitos e uma paleta de Eucatex, presa por um clips simples e que tem a finalidade de atrair fêmeas do mosquito para oviposição.
 Elas foram instaladas em locais estratégicos da Base a uma certa altura do solo e retiradas 5 dias após. As ovitrampas constituem método sensível e econômico na detecção da presença de Aedes. São especialmente úteis na detecção precoce de novas infestações em áreas onde o mosquito foi eliminado. Após a eclosão dos ovos, foi possível realizar a identificação do vetor e serão realizados ensaios biológicos, moleculares e bioquímicos com a finalidade de avaliar o “status” de resistência aos inseticidas empregados, visando sua utilização de maneira adequada e eficiente, juntamente com outros métodos de controle preconizados como utilização de mosquiteiros, eliminação de focos, uso de repelentes, etc.
 2. Gestão da Segurança Alimentar
 A Portaria Nº 854/SELOM, de 4 de julho de 2005 (Regulamento Técnico de Boas Práticas em Segurança Alimentar nas Organizações Militares), é o regulamento do Ministério da Defesa que estabelece os critérios de higiene e de boas práticas operacionais para alimentos produzidos, fabricados, manipulados e prontos para o consumo no âmbito das Organizações Militares das três Forças Armadas (Marinha, Exército e Força Aérea). Possui uma lista de verificação com todos os itens ligados a saúde dos manipuladores, água para consumo e preparo de alimentos, controle integrado de pragas, estrutura e edificação, higiene do manipulador, transporte, recebimento e armazenamento de gêneros e higiene ambiental. Com o emprego desta lista, foi possível fazer uma avaliação precisa das condições higiênico-sanitária das cozinhas militares do CONTBRAS e propor medidas corretivas para os óbices encontrados. Foram analisados também, aspectos relativos à correta destinação dos resíduos de alimentos.
  3. Gestão dos Resíduos de Saúde
 Em cooperação ao Médico do CONTBRAS, a equipe procedeu à avaliação da correta destinação dos resíduos oriundos das enfermarias. Todo material infectante é enviado à Log Yard, instalação da ONU responsável pela sua destinação final, em conformidade ao manual “Standard Operating Procedure for the Collection of Hazardous Waste and Other Materials for Disposal - DPKO – UN”. Seu acondicionamento é feito adequadamente, em sacos e caixas que atendem o preconizado pelos órgãos reguladores nacionais e internacionais.
 4.Gestão da água
 A interrupção do sistema de fornecimento de água no Haiti e conseqüente contaminação devido aos danos causados na infra-estrutura de esgotos pelo terremoto de 12 de janeiro podem resultar em risco ao consumo aumentando a probabilidade do surgimento de doenças de veiculação hídrica. A Salmonella typhi (causadora da febre tifóide) e a hepatite A estão presentes e possuem potencial epidêmico. A cólera não é endêmica no país. Para prevenir tais agentes, o CONTBRAS utiliza para tratamento de sua água, um equipamento de osmose reversa que é composto por vasos de pressão tubulares, contendo em seu interior as membranas de osmose reversa. As membranas são formadas por um conjunto de filtros semi-permeáveis, enroladas em forma de espiral. A bomba pressuriza a água para dentro dos vasos de forma que o fluxo de água percorre o vaso longitudinalmente no espaço entre a parede interna do vaso e a membrana de osmose reversa.
 Ao longo do vaso, parte do fluxo de água atravessa a membrana em espiral chegando até o meio da membrana livre de sais dissolvidos, onde então é recolhida. Essa parte do fluxo é chamada permeado. A parte que não atravessa a membrana, chamada rejeito, sai pela outra extremidade do vaso carregando consigo todos os sais e impurezas. Foram realizados exames bacteriológicos na água empregada para consumo direto, escovação de dentes e banho, lavagem de utensílios de cozinha e alimentos, utilizando-se o método do substrato cromogênico (Colilert®), obtendo-se resultados de potabilidade para todas as análises realizadas
 5.Gestão do Controle de Pragas
 Ainda com o emprego da lista de verificação do Regulamento Técnico de Boas Práticas em Segurança Alimentar nas Organizações Militares, foram observadas medidas para controle de pragas envolvendo telamento, proteção de ralos, principalmente em área de cozinha, bem como quanto à localização de latas de lixo e correta utilização de raticidas e inseticidas.
 6.Gestão de zoonoses
 Ainda segundo dados da ONU, o Haiti é o maior foco de raiva transmitida por cães das Américas e, ainda segundo seus relatórios, após o terremoto existe a possibilidade de um grande aumento de sua incidência. Graças a isso, especial atenção foi dada ao emprego de barreiras mecânicas para evitar a entrada de cães errantes na Base Brasileira.
 7.Gestão dos Resíduos Sólidos e Líquidos de Viaturas e Geradores
 Uma das principais preocupações da ONU é quanto ao dano ambiental causado pelas diversas missões de paz espalhadas no mundo. Tal preocupação é traduzida na obrigatoriedade do emprego de um oficial de Gestão Ambiental. Ele é o responsável pela fiel observância das medidas empregadas no sentido de minimizar os efeitos impactantes ao Meio Ambiente local. Graças a isso foi observado pela equipe o emprego de medidas de reflorestamento nativo, controle de resíduos perigosos (resíduos sólidos e líquidos de viaturas e geradores, baterias, etc.) que são recolhidos e enviados à mesma Log Yard para destinação final.
 Conclusão:
 A equipe propôs ao Comando do Exército, através das ações acima descritas, a necessidade do emprego regular do médico veterinário na Missão de Paz do Haiti. Ele é o profissional mais habilitado para atuar com os militares da Arma da Engenharia no monitoramento do tratamento da água, através de análises físico-químicas (pH, cor, turbidez) e bacteriológicas; atuar com o aprovisionador na correta gestão de resíduos de alimentos, armazenamento de gêneros secos e frigorificados, cobrança do cumprimento das Boas Práticas de Manipulação de Alimentos, armazenamento do material de sanitização e inspeção de gêneros alimentícios; atuar com o médico no correto emprego das medidas para controle dos vetores previstas no manual “Medical Support Manual for United Nations Peacekeeping Operations – DPKO – UN” e atuar com o médico no correto emprego das medidas para controle das zoonoses além de executar as medidas de controle de pragas (roedores e baratas) que causam prejuízos materiais e à saúde dos militares.
 Fonte: Informativo do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro I Ano XXII - Nº 229 - agosto de 2010
Enviado por Carlos Flávio

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