sábado, 21 de maio de 2011

O lado positivo da malária: evitar uma superinfecção



Pesquisadores descobrem que a infecção pelo parasita da doença previne uma piora no caso de outras picadas
Isis Nóbile Diniz
Edição Online - 20/05/2011 
© SABRINA EPIPHANIO

Parasita no fígado, ao microscópio
Há cerca de 50 anos, acreditava-se ser possível erradicar a malária do planeta. A solução parecia simples: eliminar o mosquito transmissor e tratar os infectados. Porém, a Organização das Nações Unidas (ONU) alerta que, atualmente, mais de 780 mil pessoas – a maioria crianças – morrem por ano em consequência da doença. Um estudo publicado na Nature Medicine, em 15 de maio de 2011, liderado pela bióloga Maria Mota, do Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, Portugal, pode ajudar a diminuir essa mortalidade. O grupo descobriu que a infecção pelo parasita da malária previne a ocorrência de uma segunda infecção por outro parasita da doença, devido à restrição de ferro no fígado do organismo da pessoa contagiada. Assim, a primeira infecção impede que outras ocorram no indivíduo ao mesmo tempo, ou seja, evita uma “superinfecção”.
A malária é causada por protozoários do gênero Plasmodium transmitidos pela fêmea infectada do mosquito Anopheles. A doença é típica de países tropicais onde as populações são carentes economicamente e quase não dispõem de sistemas de saúde. É o caso da África Subsaariana, região com alto índice de ocorrência da malária onde é comum governo e grupos assistenciais oferecerem às crianças suplementos alimentares para combater outros problemas como a desnutrição e a anemia. O grupo luso-brasileiro mostrou que esse suplemento, que deveria fortalecer a saúde, na realidade prejudica as crianças que foram infectadas várias vezes seguidas pela malária. Estas que recebiam ferro como suplemento alimentar apresentavam mais casos de “superinfecção” pela doença, um detalhe que intrigava os médicos e os cientistas até a pesquisa atual solucionar esse quebra-cabeça.
Utilizando camundongos, o grupo entendeu a forma como os parasitas da malária se desenvolvem nas células do fígado (hepatócitos) e nos glóbulos vermelhos. Após a picada do mosquito infectado, os parasitas migram para o fígado do indivíduo onde se multiplicam (fase hepática e assintomática da infecção). Em seguida, invadem os glóbulos vermelhos (fase sanguínea e sintomática). Em ambas as fases, os parasitas necessitam de ferro para se desenvolver e os da primeira infecção, já presentes nos glóbulos vermelhos, sequestram o ferro na circulação sanguínea impedindo que a substância seja abundante no fígado. Com isso, os parasitas da segunda picada, no fígado, têm menos ferro disponível e não conseguem se multiplicar. Como consequência, a segunda infecção é incompleta. Em outras palavras, o risco de a pessoa apresentar uma superinfecção é menor graças à primeira infecção.
“O trabalho é importante por ser um dos raros que aborda a fase hepática e sanguínea ao mesmo tempo, simulando uma situação de áreas endêmicas”, explica a veterinária Sabrina Epiphanio, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que colaborou com o estudo. Geralmente, os pesquisadores estudam separadamente cada fase da infecção por malária. Porém, quem vive em locais onde a doença ocorre é constantemente picado e contaminado por vários parasitas ao mesmo tempo.
“Este é o momento de reverem os programas destinados às crianças das áreas endêmicas”, alerta a veterinária. De acordo com a Sabrina, o ferro é o principal elemento usado para suplementação mineral, o que favorece a fase hepática da segunda infecção. “Se a criança estiver com anemia e ingerindo ferro, contrair malária poderá piorar seu estado de saúde”, afirma Sabrina. Há nove anos estudando a doença, o próximo passo da pesquisadora é identificar fatores que antecipem quando uma pessoa, com malária, terá a síndrome respiratória aguda. “Apesar da incidência baixa, ela é altamente relevante porque 70% dos que adquirem morrem”, lembra.

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