O sucesso da atividade leiteira é dependente de uma série de aspectos relacionados ao animal, às instalações e ao manejo. Com relação ao animal destaca-se a genética; nas instalações destacam-se os aspectos relacionados ao ambiente (facilidade de manejo, limpeza, desinfecção) e de conforto (bem-estar animal); no item manejo, devem ser incluídos, principalmente, os tópicos de manejo zootécnico (práticas de produção) e nutricional. Entretanto, outro aspecto não citado anteriormente, e que é um dos mais importantes para assegurar a produtividade e rentabilidade da atividade pecuária, é a saúde animal.
A saúde animal não é estática, ela é dinâmica, e está intrinsecamente relacionada com todos os tópicos anteriores. O presente artigo destina-se, fundamentalmente, a discutir formas de aumento da eficiência de vacinas na pecuária leiteira e, com isso, infelizmente essa inter-relação da saúde animal com outros tópicos da atividade leiteira não poderá ser discutida com maior propriedade. Entretanto, para falar de vacinas é obrigatório falar de saúde e para falar de saúde não podemos deixar de falar em doenças e nas formas como as mesmas ocorrem. Discutiremos mais adiante alguns aspectos relacionados exclusivamente às doenças, destacando-se como, porque e quando ocorrem, quem são os responsáveis, como o organismo animal procura combatê-las e como nós podemos auxiliar nessa defesa.
Discutindo resumidamente a inter-relação dos tópicos anteriores, no que tange ao animal, podemos dizer que a genética e a saúde animal podem constituir-se em duas faces da mesma moeda. Em todas as áreas do conhecimento da biologia é sabido que, quando procuramos melhorar uma determinada característica de um ser vivo, quase sempre, alteramos outra característica. Na pecuária leiteira teríamos uma série de exemplos que poderiam ser citados, mas um que qualquer produtor de leite sabe muito bem é que quanto mais especializada é a sua vaca na produção de leite maior é a susceptibilidade às mastites, tanto clínicas quanto subclínicas. Quanto mais pura (grau sanguíneo) for a sua bezerra, mais susceptível ela será aos episódios de diarreia neonatal e aos problemas respiratórios. Ou seja, quando melhoramos uma aptidão, com frequência, diminuímos a rusticidade do animal.
Os animais foram criados para serem livres na natureza. Porém, essa forma de criação é incompatível com a produção de proteína animal suficiente para o consumo humano. No nosso caso específico, a produção leiteira somente pode ser viabilizada por meio da criação dos animais em rebanhos, sejam ele confinados, semi-confinados ou em criação extensiva. Porém, temos que criá-los em número suficiente para que haja produção. Aí começam os problemas. Ao aumentarmos a densidade animal, aumentamos também os riscos sanitários. Ou seja, aumentamos a probabilidade de que microrganismos patogênicos para os animais, ou mesmo para o homem (zoonoses), possam ser transmitidos devido a maior densidade populacional. Porém, esse é um risco que obrigatoriamente temos que correr, pois sem o mesmo não há produção. O importante é que saibamos dos riscos e, com isso, possamos adotar medidas para diminuir (mitigar) os mesmos. E essa é a nossa função como produtores ou como profissionais com atuação em saúde animal.
Uma gama de diferentes tipos de instalações pode ser encontrada na atividade da pecuária leiteira. Embora esse não seja o foco do artigo, temos que ter em mente que algumas estruturas físicas facilitam a disseminação de doenças por proporcionar maior contato entre os animais; outras dificultam processos de limpeza e desinfecção que reduziriam a contaminação ambiental; outras proporcionam desconforto aos animais que, em situações de estresse, diminuem a produtividade e, principalmente, o potencial de resposta imune contra as infecções.
Em termos de manejo zootécnico a inter-relação com saúde animal se manifesta de várias formas no dia-a-dia das fazendas leiteiras. Bezerras criadas em ambiente coletivo, com animais de diferentes faixas etárias, são muito mais susceptíveis a uma série de infecções (entéricas, respiratórias, entre outras) do que aquelas manejadas individualmente. Novilhas manejadas inadequadamente atrasam consideravelmente, por vários motivos, a idade ao primeiro parto e, consequentemente, à primeira lactação. Ainda com relação ao binômio "manejo x saúde", talvez o aspecto mais importante seja aquele relacionado ao manejo nutricional dos animais. Saúde e nutrição andam juntas. Apesar de quase sempre termos o hábito de relacionar os aspectos nutricionais com a produção leiteira e/ou com a reprodução de nossa novilha ou vaca, a nutrição está intrinsecamente relacionada com a saúde animal. Esse campo é vastíssimo em exemplos práticos, mas com relação ao binômio "nutrição x saúde", para nos atermos no tema principal desse artigo, teremos que nos concentrar apenas no potencial de resposta imunológica contra as infecções.
Não há produção sem saúde animal e, consequentemente, a falta de saúde implica em menor produtividade animal. Com isso, o nosso dever é promover a saúde. Na promoção da sanidade animal estamos buscando diminuir os riscos da ocorrência de doenças nos rebanhos. Para isso, temos uma série de ferramentas, muitas das quais já resumidamente comentadas anteriormente como: i) conhecer os riscos que o melhoramento genético, realizado com o objetivo de aumentar a produtividade, pode acarretar com a redução da rusticidade animal; ii) proporcionar instalações adequadas onde os riscos de contaminação ambiental possam ser melhor controlados; iii) proporcionar bem-estar aos animais; iv) praticar manejo adequado e específico para cada fase da criação; v) oferecer alimento de qualidade em quantidade adequada; dentre outros. Com essas condutas, estamos diminuindo os riscos sanitários para os rebanhos leiteiros e proporcionando condições ideais para que os animais possam responder prontamente a um desafio.
Os comentários anteriores foram realizados, porque é prática comum no campo, ao falarmos sobre uma doença qualquer, para a qual exista uma vacina disponível no mercado, mesmo que inconscientemente, jogarmos toda a responsabilidade no controle da doença para a vacina. Afinal, vacinamos os animais e, com isso, a vacina tem que resolver o problema. Porém, não podemos nunca esquecer que vacinar não é sinônimo de imunizar. Para que os animais de um rebanho estejam protegidos contra uma infecção eles precisam desenvolver uma resposta imune. Essa resposta tem que ocorrer num determinado tempo (ideal e/ou ótimo) e com magnitude suficiente para que, na hipótese de risco, os animais possam eliminar o agente infeccioso específico o mais rápido possível. Porém, para desenvolver a resposta imune o animal tem que estar apto para tal. Animais com deficiências (quantitativas e/ou qualitativas) nutricionais não respondem adequadamente às vacinas, ou seja, não têm capacidade de desenvolver resposta imunológica com intensidade suficiente para resistir a um desafio infeccioso. O mesmo acontece naqueles animais com infecções (bacterianas, parasitárias, virais) intercorrentes; animais submetidos a um desafio muito grande em virtude da contaminação ambiental; animais com níveis de cortisol sanguíneo elevado por um período de tempo relativamente longo em virtude de más condições ambientais e/ou da falta de condições de bem-estar (estresse); animais com infecções imunodepressoras.
As doenças, tanto na pecuária leiteira quanto em qualquer outro sistema de produção animal, são de apresentação muito diversificada. Quase sempre relacionamos doenças com um sinal clínico, porém isso não é regra, ou seja, nem sempre acontece. Existe uma gama de formas de apresentação clínica das infecções nos animais de um rebanho. Em um manejo sanitário que inclui um Programa de Vacinação, o conhecimento das formas de apresentação clínica das doenças é importante para definirmos os protocolos mais adequados para o uso de vacinas específicas, em momentos específicos e em categoria animal específica. Nesse artigo, somente serão citadas as possíveis formas de apresentação das doenças que deverão ser discorridas nos artigos subsequentes.
Particularmente em rebanhos bovinos leiteiros as infecções podem apresentar-se, mais classicamente, de forma:
i) Sintomática ou Assintomática.
Na forma sintomática, como o próprio nome diz, os animais apresentam algum tipo de sinal clínico (sintoma) que é facilmente identificado pelo produtor ou pelo tratador. Apesar de ser a forma de apresentação que mais preocupa, afinal os animais estão como alguma alteração clínica, esse tipo de infecção é o de mais fácil diagnóstico, pois a própria forma de manifestação clínica indica que algo está errado e, nessa situação, com frequência, o proprietário procura rapidamente auxílio de um profissional especializado (Médico Veterinário).
Já nas infecções assintomáticas, não há manifestação de sinal clínico, pelo menos aparente. Com isso, esse tipo de infecção pode passar completamente despercebido no rebanho, ou seja, elas são silenciosas ou estão camufladas. No geral, as infecções assintomáticas comprometem índices ou taxas utilizadas para avaliar a produção dos rebanhos. Naqueles rebanhos onde esses índices de produtividade não são avaliados cotidianamente as infecções assintomáticas, com frequência, não são diagnosticadas. Com isso, geralmente, esse tipo de infecção tende a se difundir no rebanho.
ii) Localizadas ou Sistêmicas.
Nas infecções localizadas, os animais apresentam sinal clínico que caracteriza um distúrbio em um aparelho ou sistema específico, como o digestório (diarreia); respiratório (pneumonia); reprodutivo (mortalidade embrionária e/ou fetal); mamário (mastites clínicas / subclínicas); locomotor (problemas de casco); sistema nervoso, dentre outros.
Nas infecções sistêmicas o microrganismo patogênico, além de um órgão específico, também tem a capacidade infectar outros órgãos por meio da circulação sanguínea. Ou seja, o microrganismo invasor tem capacidade de fazer viremia, bacteremia, septicemia ou parasitemia, conforme a classe de microrganismo e, com isso, comprometer também órgãos distantes do foco inicial de infecção. A manifestação clínica do animal não fica restrita a um sistema, mas a dois, três ou vários deles.
iii) Epidêmicas ou Endêmicas.
As infecções epidêmicas ocorrem na forma de foco ou de surto, no qual vários animais apresentam sinais clínicos específicos num curto período de tempo. Em geral, elas são sintomáticas e, com isso, mais fácil de serem identificadas.
Na forma endêmica, a infecção caracteriza-se por comprometer vários animais do rebanho ou de uma categoria (bezerras, novilhas, vacas). A forma endêmica pode ser sintomática (brucelose, tuberculose) ou, mais frequentemente, assintomática (IBR, BVD, Leptospirose, Campilobacteriose, Tricomonose, Neosporose), contribuindo com redução nos índices e/ou taxas de produção/reprodução. Para identificação da forma endêmica é fundamental lançar mão de técnicas de diagnóstico laboratorial.
Outras formas de infecções podem ocorrer, com menor frequência, em rebanhos bovinos. Entretanto, por sua baixa frequência, como por exemplo, algumas infecções imunodepressoras, não serão comentadas.
Imunidade
Quando falamos em vacina, pensamos em proteção, e quando pensamos em proteção, nos vem à mente a imunidade. Para a maioria dos leigos no tema, a imunidade é alcançada por meio de anticorpos. Porém, imunidade é um tema extremamente complexo que não é escopo desse artigo esmiuçá-lo. Serão abordadas apenas algumas definições básicas para que esse e os outros artigos da série possam ser melhor compreendidos. Existem vários tipos de imunidade, porém iremos nos concentrar basicamente naqueles tipos que podem ser modulados por vacinas.
Tipos de imunidade
Imunidade Inata
A imunidade inata ou natural, como o próprio nome diz, já está presente desde o nascimento dos animais. Ela é completamente inespecífica e não é modulada por infecções recorrentes. Ela está presente mesmo antes de qualquer infecção e é composta por estruturas, células e moléculas, que formam barreiras com ação sistêmica ou localizada, e que têm por função proteger o organismo de forma inespecífica, ou seja, independente do tipo de microrganismo invasor. São exemplos de imunidade inata: i) integridade da pele; ii) pH estomacal; iii) microbiota genital e intestinal; iv) lágrima; v) epitélio ciliado, secreções (muco), afunilamento das estruturas anatômicas como o de trato respiratório superior; vi) reflexo da tosse; vii) células como neutrófilos, macrófagos e monócitos; viii) moléculas como fibrinogênio, proteínas de fase aguda, proteínas do complemento. Em geral, a imunidade inata não pode ser modulada. Ou seja, não conseguimos interferir (manejo sanitário) com o objetivo de aumentar esse tipo de imunidade. A imunidade inata está presente desde o nascimento do animal, ou seja, faz parte do indivíduo, porém pode ser significativamente afetada por influências hereditárias, nutricionais e ambientais. Com isso, apesar de não podermos utilizar o recurso vacinal para modulá-la, podemos sim, por meio do manejo e nutrição adequados, contribuir com a sua eficiência, ou mais frequentemente, não prejudicar (atrapalhar) a mesma.
Imunidade Adquirida
A imunidade adquirida pode ser passiva ou ativa. A Imunidade passiva é aquela que o animal já recebe pronta. Os exemplos mais clássicos de imunidade passiva é a imunidade colostral, na qual os bezerros, por meio da ingestão do colostro, adquirem (passivamente) anticorpos provenientes das mães; e a imunidade passiva que é obtida por meio da administração de soros hiperimunes, como o soro antiofídico, soro antitetânico, pelos quais os animais recebem anticorpos pré-formados contra um determinado veneno ou toxina, respectivamente.
A imunidade adquirida ativa é aquela na qual o animal precisa primeiro ser apresentado a um microrganismo para que, posteriormente, o reconheça como invasor e, com isso, desenvolva, ele próprio, uma resposta imune contra o agente. Essa exposição do organismo animal a um antígeno constituinte de um microrganismo pode ser natural, decorrente de uma infecção, ou artificial, decorrente de uma vacinação. Fazem parte da constituição dos microrganismos patogênicos, além de outras estruturas, os antígenos que, quimicamente, nada mais são do que proteínas e/ou glicoproteínas presentes em sua superfície e, em algumas situações, também em estruturas internas. Os antígenos são reconhecidos pelo organismo animal como moléculas estranhas. Contra moléculas estranhas, o sistema imune tem a capacidade de desenvolver uma resposta imunológica, que constitui a imunidade adquirida.
Na dependência do tipo de antígeno infectante, a imunidade adquirida por ser classificada também em imunidade humoral ou imunidade celular. Ambos os tipos de imunidade são bastante complexos, sendo constituídos por diferentes tipos de células e moléculas (anticorpos e interleucinas). Porém, nesse artigo somente iremos nos deter nos componentes efetores da imunidade adquirida humoral e celular. Na imunidade humoral, a molécula efetora mais importante é o anticorpo, e na imunidade celular, como o próprio nome diz, é uma célula, o Linfócito T Citotóxico.
Antígenos distintos induzem diferentes tipos de imunidade adquirida. Em geral, os antígenos não replicantes, como as toxinas (venenos) e microrganismos, mesmo patogênicos, mortos ou inativados (que não se replicam no organismo do animal), induzem resposta imune humoral. Já os antígenos constituintes de microrganismos vivos, como vírus, bactérias e parasitas, que conseguem se multiplicar no organismo do animal, e por isso são denominados antígenos replicantes, induzem tanto a imunidade humoral quanto, principalmente, a imunidade celular. Esses conceitos serão fundamentais para que possamos compreender o mecanismo de ação das vacinas inativadas (mortas) e das vacinas atenuadas (vivas) que deverão ser muito explorados nos artigos posteriores dessa série.
Para o controle de algumas doenças que afligem os rebanhos bovinos, o estímulo da imunidade adquirida humoral é suficiente. Já para outras infecções, será necessário estimularmos a imunidade adquirida mediada por células (imunidade celular). Quando pensamos em vacinas, em outras palavras, podemos dizer que algumas doenças podem ser controladas por vacinas inativadas (mortas), pois a principal forma de controle é por meio do aumento do título de anticorpos circulantes. Entretanto, o controle eficaz de algumas doenças específicas, somente pode ser conseguido por meio de vacinas atenuadas (vivas), constituídas por antígenos replicantes, pois a imunidade mais eficaz, nessa situação, será a celular. Sem dúvida, a seleção de um ou outro tipo de vacina deve ficar a critério de um profissional habilitado para isso, ou seja, o Médico Veterinário, que irá selecionar o tipo de vacina ideal a ser incluído no Programa Imunoprofilático de cada rebanho.
Programas de Vacinação
Os rebanhos bovinos brasileiros, inseridos na cadeia produtiva do leite, estão distribuídos em diferentes regiões, que caracterizam-se por clima, geografia e condições sócio, econômicas e culturais extremamente heterogêneos. Mesmo ao analisarmos apenas uma região geográfica, vamos observar que as formas de manejo e nutrição, as instalações e o perfil sanitário divergem enormemente entre os rebanhos. Com isso, o grau de estresse, os padrões de resistência a doenças, o potencial de exposição aos patógenos, os riscos e desafios sanitários (rebanhos abertos x rebanhos semi-abertos x rebanhos fechados) são variáveis e únicos para cada rebanho. Essas características, completamente distintas entre os rebanhos, fazem com que não seja possível o estabelecimento de um Programa de Vacinação único, que se ajuste a todos os diferentes tipos de rebanhos leiteiros. Ou seja, não há como elaborar um Programa de Vacinação que seja capaz de se adaptar, e que possa ser utilizado universalmente, frente às distintas condições características de cada rebanho.
Com isso, Programas de Vacinação não podem ser vistos como receitas de bolo. Um determinado programa pode ser excelente quando aplicado em um rebanho, e um completo desastre quando extrapolado para outro em condições distintas. Infelizmente, os microrganismos patogênicos não se distribuem de maneira uniforme entre todos os rebanhos. Em outras palavras, a epidemiologia de cada doença infecciosa apresenta características distintas entre os sistemas de produção. Para que se alcance o sucesso desejado, antes de elaborar um Programa de Vacinação para um determinado rebanho, o profissional da área de saúde animal deve conhecer: i) a epidemiologia das infecções no rebanho para o qual o programa está sendo elaborado; ii) a genética dos animais; iii) o tipo de manejo; iv) a nutrição; v) o tipo de instalações; vi) os métodos utilizados na reprodução; vii) as formas de reposição de animais (rebanho aberto x rebanho fechado); viii) a categoria animal para a qual o programa está sendo proposto; dentre outras características que podem ser específicas para cada rebanho em particular. Somente com a análise do conjunto dessas informações é que poderemos definir:
Por que vacinar? Com que vacinar? Quando vacinar? Como vacinar?
Pelos comentários anteriores, fica claro que o sucesso de um Programa de Vacinação em rebanhos leiteiros está condicionado a vários fatores intrínsecos de cada propriedade, que devem ser avaliados individualmente. Também não podemos considerar um Programa de Vacinação estático. Com a evolução do rebanho e das práticas de manejo, o Programa de Vacinação deve ser dinâmico o suficiente para se adaptar às novas condições de criação. Ou seja, ele pode e deve ser modificado de acordo com as alterações que ocorram dentro do rebanho ao longo do tempo.
Mesmo considerando todos os aspectos já discutidos, temos que ter em mente que nenhuma vacina, nem as de uso humano, tem capacidade de proporcionar imunidade em 100% dos animais do rebanho. Em uma vacinação bem conduzida, espera-se que a grande maioria dos animais responda adequadamente por meio da elaboração de uma resposta imune suficiente para a proteção frente a um desafio de campo. Entretanto, como o potencial de resposta imunológica não é homogêneo para todos os animais, alguns poderão responder com títulos superiores à média, enquanto que outros poderão não responder ou responder em títulos abaixo do esperado. Essa heterogeneidade na resposta imunológica é característica quando avaliamos a resposta vacinal de animais constituintes de diferentes rebanhos. Só para diferenciarmos, em medicina humana, que avaliamos o indivíduo, ou mesmo em medicina veterinária de animais de companhia (cão, gato) ou esporte, como os equinos, a análise da eficiência de uma vacinação é individual, ou seja, avalia-se a resposta imune do indivíduo. Porém, em medicina de produção temos que considerar o grau de proteção coletivo do rebanho como um todo, e não especificamente de um indivíduo.
Mesmo conhecendo todos esses aspectos relacionados à imunidade coletiva, o nosso objetivo ao estabelecer um Programa de Vacinação é obtermos uma resposta imune o mais homogênea possível. Ou seja, que a expressiva maioria dos animais responda adequadamente, e que a proporção de animais com baixo título de resposta imune seja a menor possível. Nesse intuito, vários tópicos de extrema importância já foram abordados. Com isso, tanto produtores quanto, principalmente, os Médicos Veterinários, podem e devem atuar com o objetivo de potencializar a resposta imune dos rebanhos, providenciando manejo, nutrição e ambiente adequados.
Entretanto, alguns aspectos relativos ao animal, à vacina e à vacinação podem fazer com que a heterogeneidade de resposta imune dos animais aumente ainda mais do que o esperado. Conhecer esses aspectos é importante no sentido de tornarmos a resposta imune mais homogênea, para aumentarmos a eficiência da vacina e, consequentemente, reduzirmos as falhas vacinais.
Alguns aspectos relacionados às falhas vacinais
Fatores associados ao animal
1) Idade
Animais muito jovens são considerados imaturos imunologicamente, ou seja, o potencial de resposta imune ainda é muito baixo. Esses animais podem ainda ser considerados imunodeficientes, não apresentando potencial de resposta às vacinas. Animais muito velhos apresentam várias deficiências em sua capacidade imunológica e também não respondem adequadamente às vacinas.
Animais jovens, com até um, dois, ou mesmo até mais meses de vida (a idade depende do antígeno), que receberam colostro em quantidade e qualidade adequadas, possuem anticorpos passivos adquiridos de suas mães. Altos títulos de anticorpos passivos são fundamentais para a proteção contra as principais infecções que ocorrem no período neonatal. Porém, esses anticorpos passivos, por neutralizarem os antígenos vacinais, impedem que os animais possam desenvolver a sua própria resposta imune ativa, sendo responsáveis, quando vacinados, por falhas de vacinação.
2) Variação biológica
Alguns animais, devido às características hereditárias, respondem menos do que a população normal, tanto nos casos da apresentação do antígeno ocorrer por infecção natural, quanto por meio de vacinação. Mesmo sendo vacinados, esses animais não serão imunizados.
3) Nível nutricional
Toda a resposta imune, seja humoral ou celular, depende fundamentalmente de síntese proteica e de divisão celular, em níveis exponenciais. Para isso, os animais gastam energia e nutrientes em abundância. Consequentemente, animais com algum tipo de deficiência nutricional respondem muito pobremente às vacinas. Essa constatação científica dá voz ao jargão popular que diz "vacinar animais com fome é o mesmo que rasgar dinheiro". Primeiro, temos que providenciar nutrição adequada para que, depois, o animal possa apresentar uma resposta imune também adequada.
Ainda com relação ao aspecto nutricional, particularmente na pecuária leiteira, temos que atentar para uma situação muito especial. Em geral, os bovinos leiteiros recebem suplementação alimentar constituída por feno ou silagem. Não vamos discutir a qualidade nutricional desses alimentos. Porém, como são alimentos estocados, temos que lembrar que os mesmos podem ser contaminados por fungos micotoxigênicos. A grande maioria das micotoxinas predominantes em silagens e fenos é potencialmente imunodepressora. Cada micotoxina tem o seu mecanismo de ação e seu efeito deletério próprio ou característico na saúde animal. Porém, secundariamente, todas comprometem em maior ou menor intensidade o sistema imune do animal. O potencial de resposta imunológica dos animais será diretamente comprometido na dependência da concentração da toxina no alimento e do tempo que o animal está recebendo esse alimento contaminado. Com isso, a resposta às vacinas pode estar diminuída ou mesmo suprimida em casos mais graves. Avaliar os níveis de micotoxinas na ração é uma forma de prevenir falhas vacinais, assim como o uso de silagem e feno livres de micotoxinas é um meio de potencializar as respostas vacinais.
4) Interferência de infecções concomitantes
Algumas infecções, quando já presentes no animal por ocasião da vacinação, podem comprometer a resposta imune. Esse tema também deverá ser melhor explorado nos artigos subsequentes dessa série "Vacinas e Vacinações na Pecuária Leiteira".
5) Stress
Todo o tipo de condição estressante, que comprometa o bem-estar animal, pode induzir a produção de hormônios e desequilíbrios químicos que suprimem o sistema imune e, consequentemente, o seu potencial de resposta às vacinas. Um dos exemplos mais clássicos são os altos níveis de cortisol que podem ser identificados em animais mal manejados, criados em instalações inadequadas, em condições de calor e/ou frio excessivos, e em animais com dor ou desconforto (problemas de casco). Em resumo, condições estressantes de qualquer natureza e falhas vacinais caminham juntas.
Fatores associados ao antígeno
1) Diversidade de sorotipos
O sistema imune, tanto com relação à resposta imune humoral, quanto celular, é extremamente específico. Alguns microrganismos apresentam mutações (alteração no acido nucleico: DNA ou RNA) que podem ser responsáveis por alterações na constituição dos determinantes antigênicos presentes em sua superfície. Essas alterações podem se expressar na diversidade de distintos sorotipos encontrados em alguns microrganismos. Em algumas situações, o sorotipo de determinado microrganismo presente no rebanho não necessariamente é o mesmo sorotipo do mesmo microrganismo presente na vacina. Essas mutações e diversidades antigênicas, expressas nos diferentes sorotipos de microrganismos patogênicos, são grandes responsáveis por falhas vacinais.
2) Potência e Pureza
Toda vacina, inativada (morta) ou atenuada (viva), deve ter uma massa antigênica suficientemente adequada para estimular o sistema imune. A pureza de uma vacina é importante para a preservação dos determinantes antigênicos íntegros, evitando a sua destruição, principalmente por reações enzimáticas. A pureza também evita efeitos colaterais adversos, como reações alérgicas (locais / sistêmicas), e a formação de abscessos no local da aplicação. A pureza da vacina também refere-se à ausência de contaminação com outro microrganismo qualquer, que podem ser responsável pela introdução de uma nova doença no rebanho. Com relação às vacinas controladas por órgãos oficiais, tanto a potência, quanto a pureza dos imunógenos são controladas e, somente partidas aprovadas, são liberadas. Entretanto, com relação às vacinas não controladas oficialmente, devem ser consideradas, no momento da aquisição do produto, referências quanto à idoneidade, responsabilidade, profissionalismo, dentre outros atributos do laboratório produtor das mesmas.
3) Prazo de validade
Vacinas com prazo de validade vencido podem não conter todas as propriedades antigênicas do produto original. Nessa situação, pode estar alterada a massa antigênica, que é a quantidade mínima de antígeno para induzir resposta imune. Paralelamente, por meio de reações químicas proteolíticas, alguns antígenos podem ser destruídos, alterando importantes características antigênicas do microrganismo presente na vacina. Ambas as situações são responsáveis por falhas vacinais. Na prática, essa é uma economia que sai caro.
4) Limitações da vacina
Todas as vacinas têm limitações. Essas limitações variam de acordo com o microrganismo constituinte ou com a forma e/ou procedimentos utilizados para a fabricação das mesmas. Alguns antígenos são imunogenicamente fracos e, com isso, as vacinas, ocasionalmente, não induzem imunidade suficiente para a proteção adequada contra a infecção e/ou doença. A aplicação de doses repetidas (boosters vacinal) pode ser, em algumas situações, uma forma de tentar contornar essa limitação. Quando possível, os laboratórios produtores procuram reduzir esse problema por meio do uso de adjuvantes imunológicos. Adjuvantes são produtos químicos que têm o potencial de, inespecificamente, aumentarem a resposta imune, e quando mesclados a um determinado antígeno, aumentam a sua imunogenicidade, ou seja, o seu potencial de induzir resposta imune.
Fatores associados ao manuseio da vacina
1) Manipulação
Toda vacina deve ser estocada e manipulada de acordo com os procedimentos estipulados pelo fabricante. Exposição à luz solar, produtos químicos, variações de temperatura, e temperaturas adversas, podem reduzir ou mesmo eliminar completamente a eficiência da vacina. Vacinas que necessitam ser diluídas, ou mesmo misturadas (fração aquosa/fração sólida), devem ser utilizadas imediatamente após a diluição/mistura. Sobras de vacinas não devem ser guardadas, mesmo que em temperatura adequada, para uso posterior. Sempre que possível, somente utilizar seringas e agulhas descartáveis. Quando utilizar pistolas, atentar para a correta lavagem e esterilização, bem como certificar-se da ausência de resíduos de desinfetantes, que podem destruir os antígenos vacinais. Para as vacinas inativadas associadas a adjuvantes imunológicos, a completa emulsão antígeno x adjuvante é fundamental para o sucesso da vacina. Variações bruscas de temperatura quebram essa emulsão e também são responsáveis por falhas vacinais.
2) Via de administração
Atentar para a recomendação do fabricante. Os laboratórios produtores de vacinas fazem testes exaustivos para definir qual a via de aplicação que proporciona a melhor resposta imune. Vacinas de uso intramuscular não devem ser utilizadas pela via subcutânea e vice-versa. Observar também o comprimento e diâmetro adequados da agulha para as diferentes vias de aplicação (intramuscular x subcutânea) e o rótulo ou a bula do produto que indica o local mais indicado para a mesma.
Considerações finais
Esse artigo foi delineado com o objetivo de apresentar aos leitores alguns aspectos que podem ser responsáveis pelo sucesso ou por falhas em Programas de Vacinação. Evitou-se abordar vacinas, infecções e/ou doenças específicas e de maior frequência de ocorrência na pecuária bovina leiteira brasileira. Na realidade, foi objetivo principal mostrar a complexidade do tema que é envolto por uma gama de variáveis. Para isso, foram abordados, mesmo que superficialmente, alguns conceitos básicos de imunologia, de formas de apresentação de doenças infecciosas e de vacinologia, sempre tendo como norte o aumento da eficiência das vacinas utilizadas na pecuária bovina leiteira. Nos artigos subsequentes, o leitor terá a oportunidade de entrar em contato com temas mais práticos e, com isso, talvez mais conhecidos em seu dia-a-dia de trabalho. Como sugestão final, se fosse para reduzir esse artigo em uma só frase que pudesse representar tudo aquilo que foi abordado e, principalmente, que representasse a síntese de nosso objetivo principal para reflexão posterior, sem dúvida, eu selecionaria a seguinte: "VACINAR NÃO É SINÔNIMO DE IMUNIZAR".
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