Na ponta do lápis
As infecções pelo circovírus suíno tipo 2 (PCV2) causam uma série de diferentes manifestações clínicas, geralmente sendo referidas como a Síndrome Multissistêmica de Definhamento dos Suínos (SMDS). Recentemente tem se prestado um pouco mais de atenção às falhas reprodutivas causadas por este vírus, tendo sido descrita com "abortos, natimortos e mumificação fetal" (Gillespie, 2007). É sobre este assunto que vamos falar nesta e na próxima edição deste boletim. Abordaremos nesta edição alguns dados experimentais e epidemiológicos sobre o assunto. Na edição seguinte, falaremos sobre testes clínicos e relatos de campo, e faremos nossas considerações finais sobre o assunto.
A pergunta que pretendemos abordar é: A infecção causada pelo PCV2 pode ser considerada como causa de falha reprodutiva em porcas? Para responder a esta questão foi realizada uma ampla revisão da literatura científica disponível sobre o assunto, englobando trabalhos realizados com rebanhos de porcas, e também trabalhos com infecções experimentais, onde fossem relatadas falhas reprodutivas.
Tivemos sempre em mente, durante a avaliação dos estudos analisados, a comparação entre as médias regionais/ nacionais das performances reprodutivas, tanto com as porcas "controle" incluídas nos estudos, como também com os resultados dos testes com infecção experimental. No total, 59 estudos foram avaliados.
Dados Experimentais
Passaremos agora a descrever brevemente os estudos que consideramos nesta revisão, classificando-os por tipo de protocolo experimental.
Testes com Inoculação trans-uterina de fetos com o vírus da Circovirose
Neste tipo de estudo o vírus da Circovirose era injetado cirurgicamente diretamente no útero de porcas em final de gestação, visando a investigar se a infecção dos fetos com o circovírus poderia ser responsável por falhas reprodutivas. De um modo geral, observou-se a presença de natimortos e de fetos mumificados, sendo que na maioria dos estudos pode-se isolar o vírus dos fetos, de leitões natimortos e de leitões sacrificados no nascimento. Também foi interessante observar que os leitões apresentavam anticorpos contra o vírus, demonstrando que ocorre a infecção e a replicação do vírus em fetos tardios. Outro ponto digno de nota foi à ausência de doença clínica após o desmame dos leitões sobreviventes, o que sugere que o desenvolvimento da SMDS pode não acontecer depois da infecção congênita.
Outros estudos do mesmo tipo permitiram concluir que o vírus é capaz de se replicar em fetos em diferentes estágios da gestação e causar patologia fetal e morte, sem afetar o curso da prenhez. A difusão lenta do vírus no útero parece ter sido responsável pela continuação sem intercorrências da gestação.
Inoculação oronasal de marrãs SPF não prenhes
Nestes estudos foi utilizada a técnica de administrar o vírus por boca ou pelo nariz, em fêmeas não prenhes, e que tenham sido criadas em ambiente estéril, livres de quaisquer vírus ou bactérias. O objetivo era determinar se a infecção pelo vírus, mesmo em nível baixo, se manteria de forma duradoura. Apesar de nenhum sinal clínico ter sido observado, ficou comprovado que a infecção se estabelece e que ela perdura por longos períodos, tornado assim estas fêmeas portadoras e capazes de transmitir o vírus para suas leitegadas.
Inoculação oronasal de porcas prenhes
A mesma técnica do grupo de estudos anteriormente citados foi agora utilizado com porcas prenhes. De uma maneira geral, constatou-se que os animais inoculados desenvolveram a doença, com quadros de febre, anorexia, eventuais abortamentos e lesões cutâneas. Pode-se concluir que a inoculação de porcas prenhes com o vírus desencadeia sinais clínicos similares àqueles observados a campo; induz falha reprodutiva grave e não produz infecção transplacental de fetos.
Inoculação intra-uterina de porcas negativas para a Circovirose
O objetivo deste tipo de estudo é avaliar o efeito da infecção pelo vírus quando realizada através de sêmen contaminado. Neste tipo de protocolo as porcas são inseminadas normalmente e o cateter da inseminação é usado para inocular uma suspensão viral. A maioria das porcas não desenvolveu qualquer sinal clínico, apenas algumas delas tiveram uma febre transitória. Mas todas se tornaram positivas para a Circovirose. Pode-se concluir que este tipo de infecção em animais livres da doença não desencadeia sintomas típicos (com exceção da febre transitória que pode ocorrer mais tarde depois de infecção e pode causar aborto), mas que os animais infectados com altas doses de vírus tiveram falhas reprodutivas típicas. O vírus não foi detectado nem em embriões nem em fetos mumificados.
Exposição do embrião ao vírus
Neste tipo de teste, avaliou-se a capacidade do vírus infectar os embriões. Os testes mostram que, contanto que a zona pelúcida do embrião do suíno esteja intacta, a contaminação pelo vírus não acontece, mesmo após 48h de exposição. Se a exposição no entanto ocorrer numa fase mais tardia do desenvolvimento embrionário, pode ocorrer uma menor taxa de sobrevivência embrionária para embriões expostos ao vírus, sugerindo que a infecção de embriões pode levar à morte embrionária e perda da gestação.
Dados Epidemiológicos
Os estudos epidemiológicos lidam com o impacto das infecções comprovadas sobre a performance das granjas afetadas. Estes estudos podem ser divididos em dois grupos: provas diretas (baseadas em amostras colhidas dos animais com histórico de falha reprodutiva, como tecidos e soro) e indiretas (que levam em conta apenas a presença da doença no rebanho analisado).
Provas Indiretas
Em um estudo realizado com 199 leitegadas de 4 granjas francesas, acompanhando os animais do nascimento ao abate, 14,5 % das leitegadas estudadas apresentaram 51,6 % por cento da taxa de mortalidade associada à Circovirose (Madec et al, 1999). Um estudo realizado na Espanha com sete granjas afetadas pela doença confirmou estes resultados (Calsamiglia et al, 2007). As análises mostraram que a presença do vírus nas porcas estava significantemente relacionada à mortalidade dos leitões, sendo que 39 % dos leitões que nasceram de porcas com níveis baixos de anticorpos contra o vírus morreram, contra 18 % daqueles nascidos de porcas com titulações de anticorpos de médias ou altas. Isso atesta que o estado de imunidade da porca teve efeito significante na mortalidade da leitegada.
Outra evidência do efeito do vírus sobre a performance reprodutiva vêm da comparação das performances antes e depois da vacinação com Circovac®. Em um estudo realizado na Dinamarca número de leitões natimortos por leitegada diminuiu significantemente durante após a vacinação (Ebbesen e Kunstmann, 2008). Da mesma forma, em outro teste feito na Alemanha, uma melhora das performances reprodutivas foi consistentemente relatada por produtores e veterinários. Um estudo a campo de grande escala avaliou este efeito em granjas com 277 porcas que estavam usando Circovac® por pelo menos seis meses (Joisel et al, 2008). Em média, o número de leitões desmamados por porca por ano aumentou em 1.13. Semelhantemente, o impacto da vacinação contra PCV2 na produtividade em 34 rebanhos Dinamarqueses positivos para a Circovirose foi avaliado através da análise dos registros da granja em um estudo que incluiu um total de 14,510 porcas (Kunstmann e Lau, 2008). O número de leitões desmamados por porca por ano aumentou em 1.23 após a vacinação, e retornou aos níveis nacionais.
Provas Diretas
Como dissemos anteriormente, as provas diretas se baseiam no estudo de material coletado de animais com histórico de falha reprodutiva. Os resultados variam. Alguns estudos não identificam o vírus da Circovirose como responsável pelas falhas, ao passo que em outros foi possível comprovar que a transmissão vertical do PCV2 acontece, e que o vírus é capaz de induzir morte fetal sob condições de campo. Por exemplo, em um estudo conduzido pelo laboratório de diagnóstico da universidade de Munique (Ritzmann et al, 2005), foram analisados 252 fetos abortados, mumificados, natimortos e leitões neonatais não viáveis, pela técnica do PCR para presença do vírus. Os resultados mostraram que 27.1 % das amostras foram positivas.
Referências
Calsamiglia M, Fraile L, Espinal A, Cuxart A, Seminati C, Martín M, Mateu E, Domingo M, Segalés J. "Sow porcine circovirus type 2 (PCV2) status effect on litter mortality in postweaning multisystemic wasting syndrome (PMWS)".
Res. Vet. Sci., 2007, vol. 82, n°3, p. 299-304.
Ebbesen T., Kunstmann L. "Effect of sow vaccination with Circovac® on stillborn piglets". 20th IPVS Durban (RSA) 22-26 June 2008, vol. 2, p. 81.
Gillespie T. "PCVD: when immunology goes wrong, life on the farm becomes very expensive". in Proceedings of the 48th annual George A. Young Swine Health and management conference, August 16, 2007, University of Nebraska-Lincoln, p. 1-6.
Joisel F., Brune A., Schade A., Longo S., Charreyre C. (2008) Improvement of reproduction performance induced by PCV2 vaccination of sows and gilts with Circovac® in 277 German sow farms. 20th IPVS Durban (RSA) 22-26 June 2008, vol. 2, p. 72.
Kunstmann L., Lau L. (2008) Effect of sow vaccination with Circovac® on the performances of 34 Danish herds. 20th IPVS Durban (RSA), 22-26 June 2008, vol. 2, p. 75.
Madec F, Eveno E, Morvan P, Hamon L, Morvan H, Albina E, Truong C, Hutet E, Cariolet R, Arnaud C, Jestin A. "La Maladie de l'Amaigrissement du Porcelet (MAP). 1. Aspects descriptifs, impact en élevage". In Actes des 31èmes Journées de la Recherche Porcine, Paris 2-4 Février 1999, p. 347-354. Available online at : http://www.journees-recherche-porcine.com/texte/index.htm(accessed on 24/04/2008).
Ritzmann M, Wilhelm S, Zimmermann P, Etschmann B, Bogner KH, Selbitz HJ, Heinritzi K, Truyen U. "Prevalence and association of porcine circovirus type 2 (PCV2), porcine parvovirus (PPV) and porcine reproductive and respiratory syndrome virus (PRRSV) in aborted fetuses, mummified fetuses, stillborn and nonviable neonatal piglets [Article in German]". Dtsch. Tierarztl. Wochenschr., 2005, vol. 112, n°9, p. 348-351.
Assessoria de Imprensa Merialhttp://www.suinoculturaindustrial.com.br/PortalGessulli/WebSite/Noticias/na-ponta-do-lapis,20110215085207_D_604,20081118090924_W_159.aspx
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