segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um terço do leite no país chega ao consumidor sem inspeção


JULIANA COISSI DE RIBEIRÃO PRETO 
Três anos após o escândalo que pôs em xeque a qualidade do leite no Brasil, o setor ainda tem problemas. A cada 10 litros produzidos, 3 não passam por inspeção.
Os últimos dados anuais fechados revelam que 9,5 bilhões de litros produzidos em 2009 (33% do total) não passaram pelas autoridades sanitárias, segundo o IBGE.
Os números mostram pouco avanço na fiscalização desde 2007, quando a Polícia Federal deflagrou uma operação que encontrou soda cáustica e água oxigenada adicionadas ao leite.
Naquele ano, 8,2 bilhões de litros (31,5%) de leite ou derivados foram consumidos pelos brasileiros sem qualquer fiscalização sanitária. A repercussão chegou a atingir gigantes, como a Parmalat, e a Anvisa interditou lotes.
O leite informal e ilegal vem geralmente do pequeno produtor, que não conseguiu bom preço na cooperativa e decide vender no varejo.
"Sempre vai haver esse leite informal se a inspeção dos governos não tomar uma atitude e passar a fiscalizar e multar", afirma Jorge Rubez, presidente da Leite Brasil (Associação Brasileira dos Produtores de Leite).
Vendido em garrafas pet ou transformado em queijo, esse leite não inspecionado é levado diretamente ao consumidor ou é entregue em feiras livres, quitandas e outros comércios. "Campeãs de consumo de queijo informal são as pizzarias de São Paulo", diz Rubez.
O preço atrai: o litro vendido ao laticínio rende ao produtor de R$ 0,60 a R$ 0,65, segundo pecuaristas ouvidos pela Folha. Na garrafa pet, sai por até R$ 1,30. A peça de queijo, que consome cerca de oito litros, é vendida a R$ 10.

LUCRO MAIOR
A vantagem econômica afastou do laticínio Wilson Couto Rosa Júnior, 57, produtor de leite há 40 anos no interior paulista.
Em 2002, ele decidiu deixar a cooperativa e assumiu a "clientela" de um vizinho. Hoje são 40 fregueses. Ele vende até 50 litros de leite por dia (a R$ 1,25 cada) e ainda faz 20 queijos por semana, que rendem R$ 200.
Se, como cooperado, sobrava renda de R$ 1.000 por mês, como autônomo Wilson obtém o dobro.
Todos os dias, ele sai de casa antes das 7h para entregar as garrafas. O horário cedo é devido à perecibilidade do produto, mas também para evitar fiscais. "É inviável vender para laticínio. A gente faz isso para a sobrevivência."
Outros produtores usam o leite informal como complemento. Um deles em Ribeirão Preto, que pediu para não ser identificado, entrega de 100 a 120 litros por dia ao laticínio, a R$ 0,60. O que sobra (de 30 a 40 litros) vende na rua, a até R$ 1,30, ou transforma em queijo.
"A pessoa que compra da gente sabe que é bom. Prefere o leite natural, puro. O que fazer o pequeno produtor se não puder vender leite na rua?", pergunta.
A falta de inspeção traz riscos à saúde. "Às vezes [o leite] nem sequer passa por pasteurização e, com isso, corre-se o risco de bactérias patogênicas", diz Laerte Cassoli, da Clínica do Leite da USP.
O Ministério da Agricultura e as secretarias da Agricultura de Estados produtores dizem que há falha nas três esferas (inclui prefeituras).


E EU COM ISSO?
É PRECISO CHECAR SE EXISTE O SELO 

Especialistas não recomendam consumo de leite ou derivados não inspecionados, já que não há garantia de salubridade. É importante checar se a embalagem contém o selo de certificação (federal, estadual ou municipal). Telefones para denúncias em SP: 156 e 0/ xx/11/ 3397-8278.


OUTRO LADO

Controle depende da ação de vigilâncias, diz ministério

Órgão de SP diz não poder fiscalizar o que é vendido na rua, apenas o que é comercializado em estabelecimentos

DE RIBEIRÃO PRETO 

O Ministério da Agricultura e os governos paulista e mineiro admitem que é preciso melhorar o controle da venda de leite e de queijo sem inspeção, e dizem que isso depende de um esforço conjunto entre prefeituras, Estados e ministério.
"Infelizmente, ainda existe na população a cultura de que aquilo que vem da roça é melhor, mas não é verdade", diz Carlos Roberto Turchetto Junior, chefe substituto da Divisão de Inspeção de Leite e Derivados do ministério.
Segundo ele, é tarefa das vigilâncias sanitárias de prefeituras e Estados coibir a venda desses produtos em comércios e na rua. A do município de São Paulo, porém, diz só poder controlar o que é vendido em estabelecimentos comerciais.
No ano passado, foram fiscalizados pelo órgão 839 restaurantes, bares e pizzarias na capital. Em 36 locais, os fiscais inutilizaram produtos como queijo ou equipamentos sem procedência.
Sobre a afirmação de que pizzarias compram queijo informal, a Associação Pizzarias Unidas (que representa estabelecimentos do Estado) disse desconhecer a prática.
Em Minas, das 26 mil agroindústrias de leite e outros produtos do campo, só 6.000 estão regulares -metade é do ramo de leite e derivados-, segundo o Instituto Mineiro de Agropecuária.
Para o diretor da entidade Altino Rodrigues Neto, a lei brasileira é "inadequada" e "extremamente exigente" com o pequeno produtor.
"Eles não conseguem e não necessitam seguir a legislação de uma grande empresa. Essa é uma lei antiga, que não se adequou ao mercado brasileiro. Isso gerou uma informalidade."
Rodrigues diz que o Estado criou prazos legais para ajudar empresas a se adaptarem e que abrirá mais laboratórios para controle de qualidade -a maioria fica na capital.
Em São Paulo, o coordenador da Defesa Agropecuária, Cláudio Alvarenga de Melo, diz que o queijo e o leite informais chegam no máximo a 15% da produção e que combater a ilegalidade "é competência de todas as esferas".

FISCALIZAÇÃO


A Operação Ouro Branco da Polícia Federal, em 2007, fez com que o ministério revisse a forma e a frequência com que fiscais visitam as indústrias. Em 2007 e 2008, foram colhidas 1.500 amostras.
Dessas, 29 tiveram indícios de fraude, e as empresas tiveram sanções, como proibição de vender leite até a regularização -algumas fecharam e foram vendidas.
Em 2010, foram 3.000 amostras analisadas, 27 com indícios de leite adulterado.
Por outro lado, regras do ministério tornarão mais rígido, a partir de julho deste ano, o limite de bactérias no leite que chega ao laticínio.


Infraestrutura ruim é entrave à indústria leiteira

DE RIBEIRÃO PRETO

Infraestrutura ruim ainda é ameaça à produção de Minas -maior bacia leiteira do país-, e à das novas áreas de produção, como Mato Grosso, Rondônia e Tocantins.
"Para o leite chegar ao laticínio, tem toda essa infraestrutura necessária de estrada, principalmente, e o armazenamento em frio", disse Leorges da Fonseca, docente da UFMG especializado em tecnologia de alimentos.
Já houve casos em cidades mineiras, segundo Fonseca, em que o laticínio demorou até três dias para conseguir atravessar a estrada e buscar o produto com o pecuarista.
"Se esse leite ficar dois, quatro dias estocado, mais chance tem de as bactérias se multiplicarem", afirma.
O transporte é o maior desafio ao produtor, diz Jorge Rubez, presidente da entidade Leite Brasil. "Os próprios produtores se organizam para arrumar a estrada."


ANÁLISE

Quem ganha e quem perde com a informalidade da indústria de leite

MARCO AURÉLIO BERGAMASCHI
ESPECIAL PARA A FOLHA 

Produzir leite é tão antigo quanto a história do homem.
E uma vaquinha no fundo do quintal é ainda mais comum do que muitos possam supor.
Persiste, entre boa parte da população, a falsa ideia de que, se o leite veio direto da roça, é forte, é puro e é bom.
O Brasil produz cerca de 29 bilhões de litros de leite por ano, incluindo os produtos derivados. A estimativa é de que cerca de 45% venha de produção informal, aquela sem inspeção sanitária e que não recolhe impostos.
Ainda é significativo o número de consumidores que compram esses produtos sem inspeção. É sabido que o leite não pasteurizado pode estar contaminado e é um dos maiores responsáveis por distúrbios gastrointestinais, além de transmissor da brucelose e da tuberculose.
A informalidade ocorre, principalmente, devido aos maiores ganhos. Mas traz prejuízos para o consumidor.
Além disso, o beneficiamento de produtos derivados do leite em estabelecimentos fiscalizados é extremamente concentrado. São priorizadas as bacias leiteiras que proporcionam boa relação entre volume de leite disponível e logística de coleta. O custo do frete, pago pelo produtor, pode tornar inviável a entrega.
A produção leiteira está presente em praticamente todos os municípios do País, mas nem todos são atendidos por processadoras. O leite ali produzido não encontra outro destino senão o mercado informal, de leite em garrafas pet e derivados, como queijos, doces, coalhada.
A informalidade promove ainda uma concorrência desleal. Na atividade inspecionada, produtores e estabelecimentos comerciais recolhem taxas e impostos.
Quanto menor a arrecadação, maior a carga tributária que incide sobre os que trabalham dentro da lei.
A maioria dos pecuaristas leiteiros é de pequeno porte, com pouca produção, e depende de organização para comercializar sua produção.
Uma alternativa é associar-se a uma das cooperativas existentes. Estas respondem por cerca de 50% do leite fiscalizado produzido no Brasil.
Trabalhos de conscientização do produtor informal e da população e fiscalização mais rígida poderão se traduzir, no futuro, em benefícios para a saúde pública.
O resultado será a ampliação da atividade produtiva, nos mais elevados padrões de exigência dos mercados consumidores. A partir de então o Brasil poderá ainda ser um grande exportador de lácteos, com mais empregos e renda no campo.


MARCO AURÉLIO BERGAMASCHI é médico veterinário, doutor e supervisor do Sistema de Leite da Embrapa Pecuária Sudeste


FONTE INDIRETA: CONTEÚDO LIVRE

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