sexta-feira, 23 de abril de 2010

FEBRE AMARELA - Série: Situação Epidemiológica Das Zoonoses de Interesse para a Saúde Pública

FEBRE AMARELA - 2009


Introdução
A febre amarela (FA) é uma doença infecciosa aguda, não contagiosa, que se mantém endêmica na América do Sul e África, causando surtos ou epidemias de impacto em saúde pública (Figura 1).

Figura 1. Distribuição da febre amarela no mundo, 2009. Fonte: OMS.

É causada por um arbovírus (vírus transmitidos por artrópodes) do gênero Flavivirus, da família Flaviviridae. No Brasil, são reconhecidos dois ciclos distintos de transmissão, determinados pelas espécies vetoras  Envolvidas (Figura 2):

Ciclo silvestre
Os primatas não-humanos (macacos) são os hospedeiros amplificadores e o vírus é transmitido por mosquitos (vetores) silvestres, principalmente aqueles dos gêneros Haemagogus e Sabethes. A forma silvestre é endêmica na região amazônica e esporádica em uma ampla área geográfica;

Ciclo urbano
O homem é o principal hospedeiro e a transmissão se dá pelo Aedes aegypti, espécie sinantrópica e com acentuada antropofilia. No Brasil, este ciclo não é registrado desde 1942.
A febre amarela é uma zoonose silvestre, não sendo possível sua erradicação. Trata-se de uma doença reemergente prioritária em saúde pública no país, para a qual existe uma vacina de alta eficácia.

Figura 2. Ciclos epidemiológicos (silvestre e urbano) da febre amarela no Brasil, 2009.



Atualmente, as áreas de circulação do vírus tendem a se expandir no sentido sul e leste do país, atingindo populações susceptíveis à doença. A expansão dessas áreas de ocorrência causa preocupação, em especial, pela proximidade com os grandes centros urbanos dispostos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Esse aspecto apontou para a necessidade de se revisar as áreas de risco e de vacinação na última década (Figura 3).


Figura 3. Áreas de risco e de recomendação de vacina contra febre amarela no Brasil, 1997 a 2008. Fonte: SVS/MS.

A partir de 2007, com a reemergência do vírus da febre amarela fora da região amazônica, o país passou a adotar um sistema de monitoramento semanal, articulado com os estados, e que visa antecipar a resposta do serviço de saúde pública em situação de transmissão.
Nesse sentido, a vigilância passou a ser baseada em três períodos distintos, ao longo do ano, que foram classificados de acordo com a análise da série temporal de casos e óbitos. Essa análise permitiu dividir o ano em três períodos epidemiológicos distintos:
1º períodoBaixa ocorrência
Entre as semanas epidemiológicas 20 e 37;
2º períodoPré-sazonal
Compreende o intervalo entre a semana epidemiológica 38 e a 51. Neste período, em virtude da aproximação com o período sazonal devem-se rever as coberturas vacinais das áreas com recomendação de vacina e desencadear campanhas de divulgação e informação ao público em geral para as recomendações de vacina à população residente e visitante das áreas de risco; e
3º período – Sazonal
Compreende as semanas epidemiológicas entre a 52 e a 19 do ano seguinte. Nesse período, espera-se um maior número de casos e a vigilância deve ser mais atuante.
Esse nível de organização operacional mostrou-se importante para o planejamento das ações no período intersazonal, como a preparação para os momentos de transmissão, reforçando as ações de vigilância, de modo oportuno e planejado, incorporando à rotina do Programa.
O monitoramento, nos períodos pré-sazonal e sazonal, visa identificar precocemente a circulação viral para avaliar o risco de dispersão e urbanização da transmissão, e prevenir casos humanos da doença.
O monitoramento semanal prevê uma série de ações, a serem desenvolvidas de maneira integrada com outros setores da Secretaria de Vigilância em Saúde e em conjunto com estados e municípios, assim definidos:
a) Monitoramento semanal de casos humanos suspeitos, confirmados e em investigação;
b) Monitoramento semanal de morte de macacos e de epizootias de primatas por febre amarela;
c) Monitoramento do movimento de amostras (humanos, primatas e vetores), na rede de laboratórios de referência do Sistema Único de Saúde (SUS), para revisão de fluxo e laboratórios, de acordo com a situação epidemiológica e a oportunidade do processamento e resposta, garantindo-se a oportunidade da atuação dos serviços de saúde pública; e
d) Monitoramento e gerenciamento do estoque estratégico de vacina, de solicitações para distribuição, do controle do estoque nacional e regional, das coberturas vacinais em áreas de risco, e de evento adverso grave associado à vacina de febre amarela.
Esse monitoramento tem sido importante para a visualização do processo de dispersão do vírus da FA, em especial nas áreas onde a população não é vacinada, como nos estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, entre 2008 e 2009, o que permitiu aos gestores tomar decisões oportunamente, de modo a minimizar os danos às populações humanas.
Durante o monitoramento, no período sazonal entre outubro de 2008 e junho de 2009, foram notificadas
mortes de primatas não-humanos (PNH) em 14 unidades federadas, quais sejam: Goiás, Distrito Federal, Bahia, Amapá, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Tocantins, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul. Dessas, houve confirmação laboratorial em três Estados (SP, PR e RS), destacando- se que a epizootia positiva para a febre amarela no Paraná ocorreu na fronteira com São Paulo.

Situação epidemiológica
Casos humanos
No período de monitoramento da febre amarela, entre 2008 e 2009, iniciado na Semana Epidemiológica 40 (28/9/2008), foram notificados 274 casos humanos suspeitos de febre amarela silvestre (FAS), com 51 casos (18,6%) confirmados. Destes, 21 evoluíram para o óbito e a taxa de letalidade foi de 41% (21/51). A mediana de idade foi de 31 anos, com intervalo de oito dias para o mais jovem, e de 73 anos o caso com maior idade. 
O sexo masculino foi predominante, com 72% (37/51). Os primeiros casos humanos, registrados durante o monitoramento, ocorreram em dezembro e os últimos, fora do período sazonal, foram identificados em área endêmica com o último registro na semana epidemiológica 34 (Figura 4).


Figura 4. Curva epidêmica dos casos notificados, suspeitos e confirmados de febre amarela silvestre (FAS), por semana epidemiológica, outubro de 2008 a setembro de 2009.Fonte: SVS/MS.


A confirmação laboratorial foi obtida em 90% dos casos humanos (46/51). O vínculo clinico-epidemiológico
foi critério de confirmação utilizado para outros cinco casos notificados, 10% (5/51). O teste MAC-Elisa foi o mais utilizado, em 82 das confirmações (42/51), seguido do RTPCR, em 35% (18/51), imunohistoquímica em 6% (3/51) e o isolamento viral, em um caso 2% (1/51).
As primeiras notificações e alertas de risco no período foram de epizootias em primatas, posteriormente confirmadas por laboratório. O município de ocorrência foi Tiradentes do Sul, na região noroeste do Rio Grande do Sul, próximo à fronteira com a Argentina. Posteriormente, novas epizootias em primatas foram registradas, com expansão progressiva no sentido sul e leste do estado.
A expansão da área de ocorrência registrada no Rio Grande do Sul passou a ser caracterizada como Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) quando atingiu áreas onde não havia registro de circulação do vírus da febre amarela e, portanto, onde a população não era vacinada.
Na Espin do Rio Grande do Sul o primeiro caso humano confirmado teve o início dos sintomas em 10 de dezembro de 2008, e o último, em 25 de abril de 2009. Foram informados 118 casos, distribuídos em 59 municípios.
Do total, 83% dos casos foram descartados (98/118) e 24 atenderam à definição de casos, sendo classificados como suspeitos. Destes, 83% foram confirmados (20/24), com uma taxa de letalidade de 45% (9/20).
Entre os casos confirmados, o sexo masculino foi o predominante, representando 75% do total (15/20). A mediana de idade foi de 32 anos, com intervalo entre 10 e 72 anos. Todos os casos confirmados eram de não-vacinados contra a febre amarela e tiveram como Local Provável de Infecção (LPI) ambientes silvestres, de mata ou zona rural.
Ainda durante o monitoramento, entre 2008 e 2009, uma nova Espin foi registrada em São Paulo, também em áreas sem recomendação de vacina à população. Em São Paulo, a dispersão e a ocorrência de FAS ficaram restritas às regiões sul e sudeste do estado, na divisa com o Paraná.
A Espin de São Paulo teve início em fevereiro de 2009, com a confirmação de um óbito por FAS, detectado por meio da vigilância da Síndrome Febril Íctero-Hemorrágica Aguda (SFIHA) no município de Sarutaiá, região sudeste do estado.
Até abril de 2009, foram informados 101 casos, distribuídos em cinco municípios na área de provável transmissão. Desse total, 83 atenderam à definição de caso suspeito de FAS. Foram confirmados 34% deles (28/83). A taxa de letalidade foi de 39% (11/28). Outros 55 casos suspeitos foram descartados.
O primeiro caso foi confirmado em fevereiro e o último em abril de 2009. Entre os 28 casos confirmados, 64% eram do sexo masculino (18/28). A idade variou entre oito dias de vida e 52 anos, com mediana de 30 anos. Todos os casos confirmados não eram vacinados e desenvolviam atividades em ambiente silvestre, de mata ou rural no momento da infecção.
Como atividade complementar de vigilância foi realizada busca ativa de casos suspeitos nos LPI dos casos
confirmados. Durante a investigação epidemiológica de campo foram detectados indivíduos com sintomatologia leve, dos quais 80% foram descartados e 20% confirmados e incluídos na lista dos casos. 
No estado do Paraná foram registradas epizootias, mas apenas no município de Ribeirão Claro, na divisa com São Paulo, foi confirmada a febre amarela como causa das epizootias. Não foram notificados, nesse período, casos humanos suspeitos ou confirmados.
 Embora as primeiras evidências de febre amarela tenham sido epizootias de primatas, em meados de outubro (2008), a ocorrência de casos humanos foi registrada em dezembro daquele ano e se estendeu até a semana epidemiológica 16 (25 de abril de 2009) com o último registro de caso humano na região afetada de SP e RS. 
Posteriormente, outros três casos humanos foram confirmados em regiões previamente consideradas endêmicas no Brasil (um em Minas Gerais e dois no Mato Grosso). Os sintomas se iniciaram nas SE 21, 34 e 37, respectivamente. Os LPI foram áreas silvestres, rurais ou de mata, dos municípios de Ubá/MG e Feliz Natal/MT. 
Esses três casos foram detectados pela vigilância da Síndrome Febril Íctero-Hemorrágica Aguda (SFIHA). O caso procedente do estado de Minas Gerais teve suspeita inicial de leptospirose, e os de Mato Grosso, suspeitas de dengue e hantavirose, respectivamente (Figura 5).

Figura 5. Distribuição dos casos humanos confirmados e epizootias em primatas não-humanos. Brasil, dezembro de 2008 a junho de 2009. Fonte: SVS/MS.

O histórico de vacinação mostrou que 84% (42/51) não eram vacinados, 2% (1/51) eram vacinados há mais
de nove anos, 4% (2/51) foram vacinados no dia de início dos sintomas (IS), 4% (2/51) foram vacinados após o início dos sintomas, 4% (2/51) iniciaram sintomas após a vacinação (aproximadamente dois dias), em 2% (1/51) o estado vacinal era ignorado e em 2% (1/51) a informação não se aplicava por terem apenas oito dias de vida. Dos casos ocorridos, 26% (13/51) estavam relacionados à agricultura, e os demais a outras atividades.

Epizootias em primatas não-humanos 
O sistema de vigilância da febre amarela vem utilizando a notificação de epizootias em primatas não-humanos (PNH) como indicadora de risco para a ocorrência de casos humanos, a partir da detecção precoce da circulação viral para, principalmente, favorecer à tomada de decisão oportuna das ações de vigilância, prevenção e controle a serem executadas.
No período de monitoramento, entre outubro de 2008 e junho de 2009, foram notificadas 1.224 epizootias em primatas não-humanos (PNH) no país, envolvendo 2.433 animais provenientes de 14 estados, sendo confirmadas 189 epizootias por FA, distribuídas em: 0,5% no Paraná (1/189), 1% em São Paulo (2/189) e 98,5% (186/189) no Rio Grande do Sul.
Entre os primatas envolvidos, o gênero Alouatta foi o mais acometido, representando 84% (1.028/1.224) das epizootias notificadas, seguido do Callithrix, com 9,9% (121/1.224); do Cebus, com 3,1% (38/1224); e ainda 3,0% em gênero não identificado (37/1.224), conforme mostra a Figura 6.


Figura 6. Distribuição das notificações de epizootias em primatas, segundo o gênero. Brasil, 2009.
Fonte: SVS/MS.


Vacinação contra a febre amarela
Considerando a expansão do vírus da FA no Brasil, a área com recomendação de vacinação também foi
ampliada nesse período, com inclusão de 446 municípios, sendo: 66 em São Paulo, 144 no Paraná, 115 em
Santa Catarina e 121 no Rio Grande do Sul (Figura 7).
No período de outubro de 2008 a agosto de 2009 foram distribuídas 22.452.800 doses da vacina contra
febre amarela. Foram disponibilizadas 6.712.120 doses e outras 4.180.000 doses para Rio Grande do Sul
e São Paulo, respectivamente. No mesmo período foram aplicadas no Brasil cerca de 9.797.771 doses em áreas com recomendação de vacina, durante a intensificação das ações de vigilância.


Figura 7. Áreas com e sem recomendação de vacina contra febre amarela no Brasil, decorrentes da Espin, 2008 e 2009.Fonte: SVS/MS.

Eventos adversos à vacina contra FA
Na ocasião foram notificados 112 eventos adversos graves pós-vacinação no país, sendo 50% confirmados (56/112), 10% foram classificados como prováveis (11/112), 26% inconclusivos (29/112), 8% descartados (9/112) e 6% (7/112) ainda permanecem em investigação. Dos confirmados, 16% foram classificados como doença viscerotrópica aguda (9/56), sendo que todos evoluíram para óbito, e 84% (47/56) foram identificados como doença neurotrópica aguda, sem registro de óbitos.

Considerações Finais
Após recente expansão da área de circulação do vírus da FA, a área com recomendação de vacinação no Brasil foi novamente ampliada, compondo-se, atualmente, de 10.085.753 habitantes, sendo 2.283.335 em São Paulo, 76.248 no Paraná, 96.683 em Santa Catarina e 7.629.487 no Rio Grande do Sul.
Considerando a dispersão do vírus da febre amarela e a importância da detecção precoce da circulação viral para a tomada de decisão e adoção oportuna de ações de vigilância, prevenção e controle, recomenda-se que, nos estados, sejam identificadas áreas com características de vulnerabilidade e/ou receptividade para o vírus da febre amarela, a fim de criar áreas de vigilância-sentinela. Para tanto, sugere-se que também sejam considerados os seguintes critérios:
• Municípios contíguos e/ou áreas próximas às áreas de risco e com recomendação de vacina;
• Áreas com diagnóstico de morte por febre amarela em um único primata, sem qualquer outro achado que demonstre a circulação do vírus;
• Áreas sem recomendação de vacina no Brasil e que fazem fronteira com áreas classificadas recentemente
como de risco para FA em países vizinhos (ou fronteiriços), como Argentina e Paraguai;
• Áreas classificadas em 2003 como indenes de risco potencial e que foram retiradas das áreas com recomendação para vacina em 2008, situadas no sul da Bahia e norte do Espírito Santo;
• Áreas de corredores ecológicos (vegetação, relevo, hidrografia), ligadas às áreas de risco para febre amarela;
• Áreas com presença de primatas e vetores, como reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental;
• Áreas com presença de vetores silvestres da febre amarela; e
• Áreas com elevada infestação de vetores urbanos (Aedes aegypti) e/ou com histórico de transmissão do
vírus da dengue.
O acompanhamento das coberturas vacinais, com avaliações sistemáticas das áreas com ocorrência de epizootias positivas e/ou casos humanos é outro grande passo para o aperfeiçoamento da vigilância da febre amarela no Brasil, de modo que a definição das áreas de recomendação de vacina à população residente e visitante passou a ser dinâmica com atualização a partir de achados epidemiológicos.
Visando ampliar a disponibilidade da informação e ainda o foco para os viajantes que se desloquem às áreas de risco, a SVS atualiza as informações de recomendação de vacina, quando necessário.
As informações das áreas e da lista dos municípios incluídos para vacinação encontram-se disponíveis no site
da SVS (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/ area.cfm?id_area=1552) e na página eletrônica do Ministério do Turismo (www.turismo.gov.br/turismo/ home.html).






3 comentários:

  1. Como médica veterinária adorei a idéia do blog e o seu conteúdo de alta qualidade! Parabéns aos idealizadores e a todos que contribuem!
    Indiara dos Santos Sales

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  2. Obrigado Indiara. Como lemos em placas espalhadas por aí: "Estamos trabalhando para melhor atendê-lo"!!!!!!

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  3. Eu particularmente achei o assunto abordado muito extenso e acaba perdendo o foco principal!!!!!
    Valeu pela ajuda...
    Contribuiu bastante para o meu aprendizado e espero que voces continuem ajudando.

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