Descoberta há mais de um século, doença de Chagas ainda afeta 2 milhões de brasileiros
A incidência vem caindo, de acordo com estatísticas oficiais. O Ministério da Saúde aponta dois milhões de pessoas infectadas no país. Cientistas do setor estimam que o número chega a três milhões. E a infecção já não pode ser considerada apenas rural. Um trabalho subscrito por sete especialistas e divulgado em Pernambuco alerta para a urbanização da doença. Cerca de um milhão de contagiados reside na periferia de metrópoles como Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o que levaria a uma epidemia urbana.
É o que revela o coordenador do estudo, Wilson de Oliveira Júnior, responsável pelo ambulatório de doença de Chagas e insuficiência cardíaca do Pronto Socorro do Coração/Hospital Oswaldo Cruz, entidades vinculadas à Universidade de Pernambuco (UPE), que acompanha 1.200 pacientes. Cerca de cinco mil pessoas morrem por ano devido a complicações cardíacas provocadas pela enfermidade.
Há 35 anos, o mesmo remédio
De acordo com o Ministério da Saúde, o certificado da OMS concedido em 2006 deveu-se a um trabalho de controle do barbeiro realizado desde a década de 1970. Foram colhidas cem mil amostras de sangue em crianças na zona rural, entre os anos de 2001 e 2008. Números preliminares indicam prevalência de 0,01%, conforme o boletim de abril do Ministério da Saúde.
- O percentual é positivo. Inquéritos da década de 1980 indicaram o problema, quando o Brasil tomou conhecimento de que 4,2% da população tinham a doença. Entre as crianças, a prevalência era maior, 18% - lembra o médico, professor de cardiologia da Faculdade de Ciências Médicas da UPE.
Ele lembra que, com o certificado internacional, fica a falsa impressão de que o Brasil livrou-se do mal de Chagas, incluído entre as chamadas doenças negligenciadas, que não despertam interesse dos laboratórios. O remédio contra a doença é o mesmo há 35 anos: o Benidazol, que tem efeitos colaterais grandes. Ele ataca o Tripanossoma cruzi, protozoário transmitido pelo barbeiro, mas não desperta interesse no setor farmacêutico: a multinacional que o produzia cedeu a patente para o Laboratório Farmacêutico de Pernambuco, hoje único a fornecer a droga para o mundo.
O presidente da Associação de Portadores de Doença de Chagas de Pernambuco, Manoel Mariano do Nascimento, de 63 anos, denuncia a falta de remédios auxiliares aos pacientes que têm o coração comprometido.
- O Benidazol, tem. Mas não precisamos só dele para ficarmos vivos - diz Nascimento.
O custo dos remédios para o coração chega a R$ 200 mensais. Sem os remédios, os pacientes terminam precisando de transplantes e marcapassos
- com sofrimento maior para o doente e custo adicional ao SUS.
Em Recife, internada no Hospital Oswaldo Cruz, Maria Vicente dos Santos, de 52 anos, perdeu três parentes para a doença. Só ela, contaminada, sobreviveu. Pernambuco ocupa o segundo lugar em número de portadores de doença de Chagas no país. Na região canavieira, a 70 quilômetros de Recife, Severina Maria da Silva, de 56 anos, perdeu o pai e o marido para a enfermidade. O filho, Luiz Carlos, de 26, tem a doença. Ela mesma relata cansa$ço e falta de ar, sintomas de insuficiência cardíaca que aparecem na fase crônica do mal. Mas reluta em fazer exames.
Sua casa tem chão de terra batida e paredes de barro com orifícios por toda parte, onde o barbeiro se esconde:
- Já vi potós (barbeiros) nas paredes, nas portas. Basta tocar nele, que está furando a gente, no quintal, no milho. Fui picada várias vezes.
No centro de Nazaré da Mata, Waldecir Vicente de Melo, de 48 anos, é portador da doença há 13. Com o coração frágil, desmaia, mas não quer se operar:
- Tenho medo de morrer na mesa de operação. Fico com meus remédios. Assim tenho mais três anos de vida.
Bahia testa tratamento com células-tronco para a Doença de Chagas
Na primeira fase das pesquisas (capitaneada pelo Hospital Particular Santa Izabel, em Salvador, e pela unidade local da Fundação Oswaldo Cruz) foram feitos experimentos com 30 pacientes. De posse dos resultados, o Ministério da Saúde financiou a segunda fase do projeto. A terceira fase dos estudos deve começar em 2011.
A Bahia não registra casos da doença de Chagas há quatro anos, mas a situação no estado não é tranquila. Novos tipos de barbeiro, o besouro transmissor da doença, estão sendo encontrados até na Avenida Paralela, via expressa movimentada da capital baiana. A região tem área remanescente de mata atlântica, e a ocupação desordenada acabou levando o inseto para a área urbana.
Segundo a coordenadora de Agravos da Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do estado, Isabel Xavier, houve redução de casos graças ao trabalho de melhora das casas de risco. Em 2006, quando foram notificados 13 casos da doença com duas mortes, constatou-se que os moradores mais atingidos moravam em casas de barro - onde o inseto encontra espaços para se abrigar.
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